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Turma do Gallery: perfil no Instagram empolga nostálgicos da noite paulistana

Criada pelo empresário Christian Casertani, 40, página resgata personagens da casa noturna que reuniu alta sociedade, políticos, celebridades e aspirantes ao estrelato

Luiza Brunet, à direita, no saguão do aeroporto com outros frequentadores do Gallery: voo fretado para tentar ver o cometa Halley 'de perto' antes de badalar na festa 'Eu Beijei o Cometa' - Jorge Araujo - 12.abr.1986/Folhapress
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Alvaro Leme
São Paulo

Uma muvuca chique tomou o aeroporto de Guarulhos em 10 de abril de 1986. Quatro ônibus de excursão encostaram no local e deles saíram 180 pessoas arrumadas em trajes de gala, como se tivessem compromisso com alguém muito relevante. De certo modo, tinham. Estavam a caminho de um encontro com o cometa Halley, um dos astros (literalmente) mais comentados naquele momento, pois estava perto da Terra, o que só ocorre a cada 76 anos.

Todo mundo queria vê-lo, inclusive o pessoal do Gallery, casa noturna lendária que entre seus ricos e famosos frequentadores contava com uma constelação própria: na comitiva estavam a jornalista Marília Gabriela, a modelo Luiza Brunet e o showman Miele (1938-2015), dentre outros nomes célebres.

Decolaram num boeing 767 da hoje extinta Transbrasil, fretado por José Victor Oliva, um dos sócios do club, e sobrevoaram São Paulo. Um astrônomo a bordo deu orientações para que os passageiros tentassem vislumbrar o corpo celeste, muito embora a ideia ali fosse mais se divertir do que enxergar o que quer que fosse.

"Vi um céu cheio de estrelas. Uma delas eu tenho certeza que era o Halley", contou Marília à reportagem da Folha naquela noite. Após o desembarque, a comitiva voltou ao ponto de encontro para jantar e dançar.
Histórias insólitas como essa, que parecem extraídas da ficção, estão entre as razões que fazem o Gallery ser lembrado ainda hoje, 44 anos após ser inaugurado pelo quarteto formado por José Victor Oliva, Gugu Di Pace, Giancarlo Bolla e José Pascowitch.

Em alguns casos, mesmo por gente que nem tem idade para ter experimentado todos esses episódios em primeira pessoa, como o empresário Christian Casertani, nascido em 1983. Sua trajetória cruza com a memória do estabelecimento, porém, graças às mídias digitais: em agosto ele criou no Instagram o perfil Turma do Gallery, que tem feito sucesso entre boêmios nostálgicos.

Anuidade de US$ 1.000 e indicação de dois sócios

Uns frequentaram o local, outros tentaram, mas não tinham a carteirinha —era preciso pagar anuidade de US$ 1.000 e ser referendado por outros dois sócios— e até pelas pessoas que saboreiam uma boa fofoca, quando acompanhada de certa dose de elegância.

"Minha prioridade é publicar o Lado B das pessoas que frequentavam a casa", conta Casertani. Leia-se: colunáveis bronzeados em trajes de banho em viagens para Itaparica, Búzios e demais destinos de férias dos paulistanos endinheirados, jantares aqui, almoços ali... Enfim, todo um circuito frequentado pelas locomotivas sociais, como se dizia em mil novecentos e antigamente.

Atualmente com 12 mil seguidores, o perfil Turma do Gallery começou de maneira despretensiosa. Casertani diz ser apaixonado por tudo que envolve as décadas de 1960 a 1980. "Videntes já me disseram que vivi isso em outra encarnação", conta. Na vida atual, porém, quem badalava eram seus pais, Luigi e Lene –ela sempre bela com roupas de Markito (1952-1983), estilista de prestígio e também personagem da noite.

Algumas fotos publicadas foram resgatadas do arquivo do casal, outras vieram de revistas e jornais antigos que ele coleciona. Esse acervo ganhou contribuições de protagonistas dessa era de ouro do clube, conforme o perfil foi ganhando visibilidade. Aliás, foi justamente o envolvimento dessas pessoas que fez a coisa ganhar fôlego: Chiquinho Scarpa engajou, isso fez mais gente ver e ficar curiosa, e daí por diante.

"Eu me apresentei a ele logo no começo", afirma Renata Fioravanti, habitué do local e ex-mulher de José Victor Oliva. "É meu mais novo amigo de infância." Não demorou para alguém mostrar o perfil a Oliva, que se empolgou com as postagens. "Foi uma surpresa muito legal, pois ele resgata fotos que nem eu tenho",
comenta. Ele aparece em diversas publicações, seja nas concorridas festas a fantasia, nos brindes com outros protagonistas da noite, como o empresário Fernando Alterio, hoje dono da T4F, ou recebendo convidados ilustres.

Christian Casertani, criador da página, era criança no auge do Gallery mas lembra de seus pais vestidos elegantemente para irem à casa noturna - Eduardo Knapp/Folhapress

Como o presidente Lula, ainda em seus tempos de líder do sindicato dos metalúrgicos. Essa imagem deu o que falar nos comentários, tanto de gente que apoia quanto de quem odeia o PT, chegando ao ponto em que o responsável pela página precisou fechar os comentários —Casertani diz que não fala em política e prefere não revelar em quem votou nas últimas eleições.

Oliva comenta o encontro: "Botei na cabeça que tinha que chamá-lo para conhecer a casa, porque era
um cara muito inteligente. Batemos um puta papo, ele se sentou, comeu bem, deu entrevista. Já fui fã e votei nele, mas hoje acho que perdeu a mão", afirma. Ele conta que pretende marcar um almoço com o criador do perfil e mandar para ele parte de seu baú de relíquias e lembranças.

Para Casertani, conexões com essas pessoas de um passado que ele tanto aprecia são um desdobramento inesperado, porém bem-vindo. Ele diz que, se fosse adulto na época de que fala em seu perfil, provavelmente seria chamado de playboy. Afirma que não é um homem endinheirado, mas sim amigo de pessoas ricas.

Vive com a mulher e as filhas num apartamento amplo num pedaço nobre de Santana, Zona Norte da capital, localização geográfica que destoa um pouco dos caminhos da elite que ele cobre nas redes sociais. Ele dá risada ao ser lembrado do paralelo com a família protagonista da novela Rainha da Sucata, de 1990, que era abonada, morava no mesmo bairro e aos poucos ganhava notoriedade na sociedade.

Antes de se mudar para o pedaço, viveu em Higienópolis e, até o começo dos anos 2000, habitava o lar
dos pais, nos Jardins. "As pessoas mais velhas não têm preconceito por eu morar aqui. Talvez gente mais jovem, mesmo assim nunca me trataram diferente."

O fato é que Casertani ganhou todo um novo círculo de afetos graças ao Gallery, e está longe de ser o primeiro (ou mesmo o último) a passar por isso. Afinal, embora inserido numa aura de exclusividade, o estabelecimento que era uma combinação de restaurante com casa de shows e discoteca sempre teve em seu DNA uma mistura de gente que não necessariamente daria liga em outros ambientes.

Giba Um, colunista que atuou como relações-públicas da casa, diz que certa noite o ex-governador Paulo
Egydio Martins, casado, empolgou-se na pista e foi fotografado dançando pertinho da Miss Brasil 1954, Martha Rocha. "Minha fotógrafa registrou o momento, que virou notícia e deu uma repercussão tremenda."

Fotógrafa oficial para clicar famosos e milionários

A presença de uma fotógrafa oficial a postos dentro do Gallery é outro elemento importante para entender o sucesso da casa. Claro, os frequentadores milionários serviam de chamariz para quem queria acontecer na cidade. Idem para as celebridades da televisão, como Hebe Camargo e Jô Soares, ou do esporte,
como Pelé.

Mas lá dentro essa elite se soltava, o que era um manancial de notícias de todos os quilates. Essa profissional das imagens era Martha Munhoz, a Marthinha, que ao fim de cada expediente entregava os rolos de filme (jovens, procurem saber) para Giba. Este as revelava (sério, jovens, procurem) e separava cliques variados para cada coluna social de veículos importantes.

"Assim, não tinha risco de sair tudo igual", conta ele. Outra aposta interessante foi em registrar os notívagos em plena descontração. "No lugar de poses protocolares, aparecia alguém brindando, comendo, gargalhando, dançando", acrescenta o jornalista.

Essa linguagem se tornou marca de gerações seguintes, inclusive em parte do trabalho de Joyce Pascowitch, que antes de estrear na Folha, em 1986, debutou na revista Around, publicação descoladérrima ligada ao Gallery. "Era um mundo de sonhos, de encanto, sofisticação e fantasia, em que as pessoas se divertiam como se não houvesse amanhã", conta ela. Outro veterano da noite completa: "Saía de lá com material para duas, três edições do meu programa de televisão", diz Amaury Jr.

Era uma outra época, em que apesar de não fugir das lentes de uma fotógrafa, as pessoas eram menos cientes do que a exposição midiática pode representar —se fosse hoje, cancelamentos amplos, gerais e irrestritos. Houve um dia em que, num evento com presença majoritariamente masculina, leiloaram as roupas de uma atriz (não vamos citar o nome porque, né, a pessoa hoje está em outra e tem seu direito ao
esquecimento).

Outros episódios são mais leves, como o dia em que a manga do terno de José Victor Oliva enroscou na peruca-topete do cantor norte-americano Tony Bennett, expondo uma insuspeita calvície do músico. "Merece registro também o fato de que Nelson Ned dava polpudas gorjetas. Os funcionários comemoravam quando ele chegava", diz Amaury.

Casertani considera que esses relatos são "lado A", portanto fogem um pouco de sua proposta de ir além do que saía na mídia. Ele afirma que foi sondado para criar conteúdos nostálgicos em outros formatos, como filmes e séries, mas que não busca ganhar dinheiro com as iniciativas por enquanto. "Tenho agora umas 10 mil imagens, muitas cedidas pelos frequentadores, e só posto uma por dia. Ou seja, ainda podemos ir longe."

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