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Descrição de chapéu BBC News Brasil

Entenda a polêmica envolvendo a capivara Filó

Influenciador Agenor Tupinambá postava vídeos com o animal de estimação em suas redes sociais

Em foto colorida, homem aparece com capivara nadando em um rio
Agenor Tupinambá sempre postava vídeos com capivara Filó em suas redes sociais - Reprodução/Instagram
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Luis Barrucho - Da BBC News Brasil em Londres
BBC News Brasil

Uma capivara, um influenciador e uma ativista da causa animal.

Esses três personagens protagonizaram uma polêmica recente com tamanha repercussão nacional que envolveu o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e até uma deputada estadual, dividindo opiniões dentro e fora das redes sociais.

Entenda a seguir a história da capivara Filó e do influencer Agenor Tupinambá e por que a ativista da causa animal Luisa Mell acabou envolvida, assim como o Ibama e a deputada estadual Joana Darc (União Brasil-AM).

Quem é Agenor Tupinambá?

Jovem de camisa xadrez segura uma capivara bebê
Agenor Tupinambá usava seus perfis nas redes sociais para mostrar a rotina da capivara Filó - Instagram

O personagem central é o influenciador Agenor Tupinambá, de 23 anos e estudante de Engenharia Agronômica na UFAM (Universidade Federal do Amazonas).

Agenor e Filó faziam sucesso juntos, contribuindo para criar junto ao público uma visão romantizada da relação entre eles.

No conteúdo de maior alcance, agora retirado do ar, por exemplo, Agenor e o roedor compartilhavam momentos como uma soneca lado a lado a um mergulho em um rio próximo à propriedade rural de sua família, em Autazes, no Amazonas, a mais de quatro horas de barco de Manaus.

Para se ter uma ideia, o vídeo mencionado acima tinha, até meados de fevereiro, 83 milhões de visualizações, 12 milhões de curtidas e 161 mil comentários apenas no TikTok, plataforma na qual Agenor tem agora 1,8 milhões de seguidores. No Instagram, são outros 2,1 milhões.

Em entrevista ao portal Gshow, Agenor disse que um de seus objetivos era mostrar que a "Amazônia não é só mata".

"Já me perdi no meio da mata com meu irmão e foram horas para tentar sair. (Tive) encontros inusitados com cobras e jacarés. Eu me afoguei no rio muitas vezes. Apesar dos meus búfalos serem carinhosos, eles também ficam estressados às vezes".

Denúncia e apreensão

Em 18 de abril, Agenor tinha sido notificado pelo Ibama após denúncias de abuso, maus-tratos e exploração animal. Por causa disso, ele foi multado em R$ 17 mil. Também foi obrigado a apagar todos os vídeos que havia publicado com Filó.

Naquele dia, a deputada estadual Joana Darc (União Brasil), a mais votada do Amazonas e que se apresenta como protetora de animais, saiu em defesa de Agenor.

Em um vídeo publicado em seu Instagram, ela fala de uma possível apreensão pelo Ibama e argumenta que Agenor "está sendo perseguido como se fosse um criminoso, sendo que todo mundo sabe que aqui no Amazonas os animais convivem com as pessoas, principalmente no interior".

"A capivara Filó vive livre no habitat dela, que é o mesmo 'habitat' do Agenor".

"Não vou deixar isso acontecer, já estamos no caso e precisamos do apoio de todos vocês!!!!!"

Em uma série de postagens subsequentes, inclusive com Agenor a seu lado, ela o defende e reforça o que considera ser uma "punição injusta" contra o estudante de agronomia.

Também diz que sua equipe jurídica estava atuando para "anular as multas, e não receber essas punições de remover as imagens com a Filó das redes sociais e, o principal, é que os animais fiquem no seu habitat".

Foi então que na quarta-feira (26/4), Luísa Mell, conhecida ativista da causa animal e ex-apresentadora de TV, usou suas redes sociais para acusar Agenor de maus-tratos contra um porco, ao postar um vídeo do ano passado em que o estudante aparece em um rodeio.

O influencer respondeu com uma nota de esclarecimento sobre o vídeo e disse: "Não sou mais essa pessoa".

"Ano passado fui convidado para participar do 'Autazes Fest', evento tradicional da minha cidade. E eu fui. Um certo momento, fui chamado para ficar no meio da arena enquanto um porco foi solto para que crianças corressem atrás dele. Infelizmente, é uma situação tradicional em rodeios e que faz parte da realidade onde cresci. Hoje a minha visão é outra".

Repercussão Nacional

Na última quinta-feira (27/4), Agenor entregou Filó ao Ibama.

A capivara foi entregue ao Ceta (Centro de Triagem de Animais Silvestres), vinculado ao órgão de fiscalização ambiental, onde seria mantida até que pudesse ser reintegrada à natureza.

Agenor fez um post de despedida no Instagram, no qual disse que nunca havia sido contra a reintegração do animal e que não ganhou dinheiro com as postagens com Filó.

"É importante registrar que eu nunca fui contra e jamais impediria que a minha amada Filomena um dia se integrasse com um bando de capivaras para seguir sua vida. Foi justamente para isso que eu a salvei, cuidei e guardei um sentimento enorme no meu peito por ela", escreveu ele.

"Eu também sei que aconteceram equívocos, e garanto que os erros que cometi foram inconscientes, sem má índole e nem qualquer tentativa de exploração. Absolutamente nenhum vídeo com ela me trouxe qualquer resultado financeiro. Era apenas eu com um celular na mão, registrando a minha própria vida ribeirinha", completou.

Agenor também fez uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para pagar as multas.

"Como todos vocês sabem, fui notificado e multado com infrações ambientais onde sou acusado de maus-tratos, abuso e exploração de animais silvestres. Uma situação que muito me entristeceu e também custou o meu convívio com a Filó, a capivara mais amada do mundo!", disse ele, em outro post no Instagram.

Por seu lado, o Ibama disse que "além de ser crime manter animais silvestres irregularmente", a exposição como pets em redes sociais "estimula a procura por esses animais, aquecendo o tráfico de espécies da fauna brasileira".

"Por mais que se acredite estar ajudando um animal silvestre, dando comida e abrigo, é importante entender que essa atitude pode prejudicá-lo, pois reduz sua capacidade de sobrevivência na natureza. Animais silvestres também podem transmitir doenças graves para os humanos", acrescentou o órgão.

Fake news e polarização política

Após a apreensão do animal, o caso ganhou repercussão ainda maior nas redes sociais, alimentado por fake news e pela polarização política.

Contribuiu para a polarização uma transmissão ao vivo feita por Darc no sábado (29/4) em que a deputada invade o Ceta em Manaus, grita, chora e acusa o Ibama de "ter enganado" Agenor. Darc aludia à promessa do órgão de cuidar da capivara.

No vídeo, a deputada mostra a estrutura do Ceta e diz: "Me digam se onde a Filó tava não era melhor do que essa gaiola. Olha essa gaiola, imunda. Tá aqui a Filó onde ela fica. Chama a Polícia Federal para me prender aqui, então. Tudo sujo. Nem limparam".

Darc também mostra nas imagens o que seriam vacinas vencidas.

No Twitter, o Ibama reagiu, destacando novamente os crimes pelos quais Agenor foi autuado e acusando Darc de divulgar informações falsas.

"A deputada Joana Darc foi ao local, observou o animal e divulgou informação falsa de que haveria vacinas vencidas. O protocolo clínico veterinário determina que não se imuniza animais silvestres", informou o órgão.

"O objetivo do Ibama após avaliação técnica é devolver a capivara à natureza garantindo o seu bem-estar e o cumprimento da lei."

"Desde janeiro deste ano, os Cetas do Ibama já devolveram à natureza, após reabilitação, 5,6 mil animais no país. O trabalho desses centros é fundamental para a proteção da fauna brasileira e manutenção do equilíbrio ambiental", completou o Ibama.

Mell passou a ser apontada como a principal responsável por ter feito a denúncia ao Ibama. Mas ela negou a acusação logo depois do vídeo de Darc viralizar.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que "A rede bolsonarista está usando essa situação para atacar a gente".

Em sua opinião, seria uma resposta às operações de combate à madeira e gado ilegal no Amazonas.

"Estão atacando o Ibama porque temos muitas ações no Amazonas, de embargo de áreas desmatadas, apreensões de gado em terra indígena, em unidade de conservação. Esse caso acabou servindo para tentarem desqualificar o trabalho", disse ele ao jornal.

Em foto colorida, mulher aparece chorando em uma live na montagem de uma foto com um homem segurando uma capivara
Joana Darc invadiu Ceta, do Ibama, e fez transmissão ao vivo acusando Filó de sofrer maus-tratos - Reprodução/Instagram

Guarda provisória

E, então, no domingo (30/4), um juiz determinou que Filó fosse devolvida a Agenor, dando-lhe a guarda provisória do animal.

Em sua decisão, o magistrado Márcio André Lopes Cavalcante, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, disse que o animal "vive em perfeita e respeitosa simbiose com a floresta".

"Não há muros ou cercas que separam o casebre de madeira do autor em relação aos limites da floresta. […] Não há animais de estimação no quintal da casa do autor porque o seu quintal é a própria Floresta Amazônica", diz um trecho da decisão (leia na íntegra).

"Percebe-se, portanto, que não é a Filó que mora na casa de Agenor. É o autor que vive na floresta, como ocorre com outros milhares de ribeirinhos da Amazônia, realidade muito difícil de ser imaginada por moradores de outras localidades urbanas do Brasil", acrescentou o juiz.

Posicionando-se após a decisão judicial, o Ibama afirmou que "decisão judicial proferida neste domingo determina que o infrator Agenor Tupinambá permaneça como fiel depositário da capivara entregue por ele ao Ibama na última quinta-feira (27/04) até a soltura do animal."

"A devolução da capivara à natureza tem sido o objetivo do Ibama desde o início do caso, por ser a melhor alternativa para o bem-estar do animal."

"A ordem judicial será cumprida. A soltura deverá ocorrer em unidade de conservação previamente selecionada, que abriga outros indivíduos da espécie."

No comunicado, o órgão também repudiou o que chamou de "a intimidação praticada contra seus servidores neste sábado (29/04), em uma clara tentativa de deslegitimar a atuação do Instituto no cumprimento da legislação ambiental", aludindo à ação de Darc.

'Analfabetismo ambiental'

Para Roched Seba, diretor do Vida Livre, uma ONG que atua na reabilitação e soltura de animais em situação de risco no Rio de Janeiro, o episódio envolvendo Filó demonstra o que chama de "analfabetismo ambiental" dos brasileiros, a falta de conhecimento sobre os animais.

"Não importa que a capivara seja um animal abundante e que não esteja ameaçada de extinção. Permitir que Filó seja mantida em cativeiro incentiva a propriedade de outros animais silvestres — e o tráfico de fauna", assinala.

Ele ressalta que as capivaras são roedores e costumam andar em bando de 60 a 70 indivíduos, e que, no caso específico de Filó, se trata de uma fêmea e filhote.

E acrescenta que mesmo que vivam em ambientes urbanos, como grandes cidades, e terem convivência pacífica com humanos, isso não quer dizer que possam ser domesticadas.

"Diferentemente de felinos, por exemplo, que aprendem a caçar com a mãe, a reabilitação de uma capivara filhote, como Filó, é muito mais simples. Capivaras são roedores herbívoros, sem demanda de caça, e têm excelente capacidade de adaptação", diz Seba.

"A briga das pessoas deveria ser para melhorar o Ibama. Amar um bicho significa amá-lo livre", conclui.

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