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Mortos podem voltar à vida? O mistério dos 'Lázaros' que desafiam a ciência

A possibilidade de os mortos voltarem à vida tirou o sono dos humanos desde a época medieval até o início do século 19
A possibilidade de os mortos voltarem à vida tirou o sono dos humanos desde a época medieval até o início do século 19 - BBC News Brasil/Getty Images
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Sendoa Ballesteros Peña
BBC News Brasil

O fato de a fantasia de morto-vivo ser uma das mais recorrentes na noite de Halloween, véspera do Dia de Todos os Santos, não é por acaso. A possibilidade de os mortos voltarem à vida tirou o sono dos humanos desde a época medieval até o início do século 19. Lendas sobre "mortos-vivos" surgiram na Europa do século 11, embora o mito, provavelmente, seja bem anterior.

A arqueologia revelou testemunhos de rituais funerários grotescos, como enterros com o rosto para baixo ou foices colocadas sobre a garganta de mortos para evitar que ressuscitassem no túmulo. No entanto, a partir do século 19, generalizou-se um novo medo, estimulado pela literatura romântica sombria da época: o de ser enterrado vivo.

Pouco depois de 1800, começou a ser vendido o primeiro caixão de segurança. Este dispositivo permitia o acionamento de uma campainha localizada fora da própria sepultura, para o caso de o suposto falecido ter "acordado". Até meados do século 20, pelo menos 22 patentes desse dispositivo foram contabilizadas nos Estados Unidos, embora não haja registro ou testemunho de que ele tenha sido usado por uma pessoa declarada morta por engano.

É POSSÍVEL DECLARAR MORTA UMA PESSOA VIVA?

Ao longo da história, a forma de diagnosticar a morte de uma pessoa sofreu variações. Durante séculos, foi aceito que a ausência de respiração, pulso, batimento cardíaco e reação a estímulos eram sinais inequívocos de morte. No entanto, esses critérios nem sempre eram determinados por um médico qualificado e não seria de estranhar se houvesse desconfiança no diagnóstico.

Nessas circunstâncias, e para evitar o erro de enterrar alguém que estivesse vivo, nasceu a tradição do velório, cuja duração varia, dependendo das culturas, de um a três dias. Na verdade, na Espanha, até 2011 era necessário esperar 24 horas antes de proceder ao sepultamento de um corpo. Hoje, a ciência e a tecnologia estão avançadas o suficiente para não permitir erros dessa natureza. Embora, às vezes, a imprensa ecoe eventos quase inverossímeis de "ressuscitações".

Desde 1984, há evidências de que o fenômeno de Lázaro afetou pelo menos 63 pacientes clinicamente mortos, tanto em idade adulta quanto pediátrica
Desde 1984, há evidências de que o fenômeno de Lázaro afetou pelo menos 63 pacientes clinicamente mortos, tanto em idade adulta quanto pediátrica - BBC News Brasil/Getty Images

É POSSÍVEL QUE UMA PESSOA DECLARADA MORTA 'RESSUSCITE'?

Caberia pensar que tal afirmação corresponde ao mundo da lenda ou do cinema. Mas quando, na última década, esta pergunta foi feita a uma amostra de profissionais de saúde, 45% dos médicos de emergência na França, 37% dos intensivistas canadenses e 37% dos holandeses responderam que, durante suas carreiras, haviam testemunhado pelo menos um caso de autorressuscitação de um paciente na ausência de manobras de reanimação cardiopulmonar.

Paralelamente, a literatura científica tem casos documentados de pacientes que recuperaram os sinais vitais após a interrupção das manobras de reanimação cardiopulmonar ou na ausência delas. É um estranho acontecimento denominado "fenômeno de Lázaro", alusivo à conhecida passagem bíblica.

Desde 1984, há evidências de que o fenômeno de Lázaro afetou pelo menos 63 pacientes clinicamente mortos, tanto em idade adulta quanto pediátrica. O tempo desde a suspensão das manobras de reanimação até a recuperação espontânea dos sinais vitais variou de alguns segundos a três horas e meia. E 35% dos "ressuscitados" sobreviveram até a alta hospitalar e, na maioria das vezes, sem sequelas neurológicas.

No entanto, tendo em vista a alta proporção de médicos que afirmam ter testemunhado uma ressuscitação e a modesta descrição de casos em revistas especializadas, parece haver alguma subdocumentação de "fenômenos de Lázaro".

Essa falta de informação pode ser devida a temores dos médicos em face das consequências médico-legais, descrédito profissional ou mesmo a descrença do pessoal de saúde em suas observações. Ao contrário da literatura biomédica, textos jornalísticos trazem regularmente reportagens que relatam fatos compatíveis com o fenômeno de Lázaro.

POR QUE O FENÔMENO DE LÁZARO OCORRE?

Embora não se duvide da existência de processos de autorressuscitação, atualmente não se sabe por quais mecanismos fisiopatológicos ocorrem os fenômenos de Lázaro. Várias hipóteses plausíveis para o fenômeno foram consideradas, embora, sozinhas, não tenham conseguido explicar todos os casos documentados.

Uma delas tem a ver com um possível efeito retardado de medicamentos usados ​​durante a reanimação, como adrenalina ou bicarbonato. Outras possíveis explicações para o fenômeno têm sido relacionadas à presença de marcapassos ativos ou autoperfusão miocárdica após o descolamento de placas de ateroma nas artérias coronárias.

Mas a hipótese mais razoável apontaria para a existência de um aumento das pressões intratorácicas produzidas pela ventilação artificial. Este processo pode desencadear uma diminuição da perfusão coronária e a cessação da atividade cardíaca. Ao término das manobras de reanimação, haveria uma diminuição da pressão intratorácica e, em seguida, a recuperação espontânea do movimento mecânico do coração.

Seja como for, o fenômeno de Lázaro desafia a compreensão humana. Uma lenda se transformou em observação clínica sem uma explicação científica.

Esse artigo foi publicado originalmente no site The Conversation e é publicada aqui sob uma licença Creative Commons. Leia a versão original, em espanhol, clicando aqui.

(*) Sendoa Ballesteros Peña é enfermeiro no serviço de saúde basco e professor associado da Faculdade de Medicina e Enfermagem da Universidade do País Basco.

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