Pais e avós resgatam brincadeiras antigas e estreitam laços com filhos e netos na quarentena
Contar histórias, fazer atividades manuais e cozinhar são ações adotadas em família
Contar histórias, fazer atividades manuais e cozinhar são ações adotadas em família
Nos primeiros 50 dias de quarentena, Tiê, de três anos, não encostou no tablet. As semanas de isolamento social foram preenchidas com muitas brincadeiras e atividades em família. Ao lado dos pais, a atriz e professora Samanta Olm, 36, e o professor Igor Cardoso Tomaz, 34, e da avó Débora Olm, 57, o menino já fez de tudo um pouco: jogou amarelinha no quintal, criou uma lhama e um binóculo com material reciclado, fez desenhos e pinturas, testou a sua primeira receita culinária e ouviu muitas histórias na hora de dormir.
Se por um lado a quarentena tem sido desafiadora para muitos pais que precisam se dividir entre o trabalho dentro de casa e as necessidades das crianças, para muitas famílias têm sido também um momento de estreitar os laços com os pequenos e resgatar passatempos antigos.
Segundo Daniele Saheb Pedroso, coordenadora do curso de pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), a proximidade da convivência da criança com pais e avós é muito positiva, pois são reforçados vínculos. Além disso, diz ela, o contato entre diferentes gerações enriquece o desenvolvimento infantil e a construção da memória afetiva.
Mas, em muitas casas, surge a dúvida: o que fazer para entreter as crianças? Os especialistas indicam que é fundamental criar uma nova rotina para os pequenos. "A criança também precisa ter a rotina da alimentação, de atividades escolares, de responsabilidades, além do lazer e das brincadeiras", afirma Daniele Pedroso.
Outra recomendação da pedagoga é inserir os pequenos nas tarefas domésticas. "A casa é um grande laboratório", diz ela. A criança, mesmo a pequena, pode ajudar a preparar a mesa, separar a roupa para lavar por cor ou até acompanhar um adulto cozinhando. "As questões simples do dia a dia também ensinam. É interessante que as crianças sejam estimuladas", acrescenta.
É o que tem feito a dentista Priscila Monteiro dos Santos, 36, com a filha Carolina, 3. Uma das atividades que elas mais gostam de fazer juntas nesta quarentena é cozinhar. "Fazemos omelete, feijão, arroz e biscoitos. Ela adora me acompanhar", conta Priscila.
Realizar atividades manuais, como desenhar, pintar e montar brinquedos com materiais recicláveis, é outra dica dos profissionais de educação. Na casa de Samanta Olm e Tiê esse tipo de ação já era comum e foi intensificada nos dias de isolamento –por causa disso, segundo a mãe do menino, ele só voltou a se interessar em ver desenhos no tablet há poucos dias.
Uma das atividades praticadas pela família de Pirassununga, interior de São Paulo, é o bordado, que já era tradicionalmente realizado por Samanta e por sua mãe, Débora, e que agora ganhou um novo adepto: Tiê. Para atender o desejo do filho de ser inserido na ação, Samanta conta que bolou um material específico para ele, improvisado em uma placa de papelão com alguns furos aleatórios feitos com a ponta de um lápis. "Ele vai passando o fio de malha com um nó na ponta pelos furos. O trabalho é livre, e o mais importante é que ele se sente bordando ao nosso lado", relata.
De acordo com Priscila de Moraes, coordenadora pedagógica da Escola do Futuro, de São Paulo, as crianças aprendem por interação e exemplos. "Esse tempo em quarentena pode se tornar de trocas importantes."
Patrícia Guillon Ribeiro, especialista em psicologia de criança e adolescente e professora na PUC-PR, afirma que aproveitar a quarentena para mostrar às crianças fotos da família é também uma ação que pode ser adotada por pais e avós. "Hoje em dia, as crianças não têm acesso às fotos de papel. A criança gosta de saber como os pais e avós eram, isso aumenta a sensação de identificação com a família, pois ela percebe que os familiares também passaram pelas mesmas coisas."
Outra dica é ensinar brincadeiras antigas e populares, como passa-anel, mímica, jogos de baralho e de tabuleiro, entre outros. "Nesse momento, estamos sendo convidados a mostrar às crianças um mundo que não era tão digital."
É o que tem feito o agente escolar Marco Antônio Vidal, 60. Mesmo morando com a filha, Lívia Patrícia de Andrade Menezes, e com a neta, Ana Luiza Menezes Bianchin, 10, antes do isolamento, cada um tinha os seus compromissos profissionais ou escolares e sobrava pouco tempo para a diversão. Agora, sem poder sair do apartamento, passaram a criar formas de se distraírem juntos.
Avó, filha e neta disputam partidas de xadrez, jogos de tabuleiro, e outras brincadeiras, como dançar equilibrando uma laranja entre suas cabeças, sem a ajuda das mãos. Ou, seguindo a dica da outra avó paterna, Elisabeth Bianchin, que não pode estar perto da neta, mas deu a sugestão: brincarem de um passatempo conhecido como cama de gato. Em um corredor, eles montam um emaranhado com barbante ou fita crepe, e o desafio é chegar até o outro lado sem encostar no material. "Temos que ir inventando atividades para relaxar", diz Vidal.
Vale ressaltar que os jogos eletrônicos e a tecnologia também podem ser uma forma de interação entre pais, avós e netos. "São trocas entre gerações que devem ser valorizadas e realizadas com um tempo adequado", afirma a coordenadora pedagógica Priscila de Moraes.
Para os avós que não podem estar perto dos netos, ligações em vídeo são uma forma de matar a saudade e manter o contato mais próximo. Se a aposentada Maria Ester Carrasco Leal, 59, não pode mais brincar com a neta, Maria Tereza, de três anos, de atacá-la de beijos, ela segue em contato com a menina em conversas pela internet. Juntas, fazem até gelatinas juntas, cada uma da sua casa. "Em 60 dias longe fisicamente, ela já evoluiu tanto, parece que cresceu, aumentou o vocabulário com palavras diferentes, não quero perder nada e essa é uma forma de acompanhar a sua evolução", diz.
Ler e contar histórias são ações simples de fazer e que, além de proporcionar diversão para crianças e adultos, podem ser ferramentas de aprendizado e desenvolvimento. "Os livros despertam nos leitores muitas emoções, sentimentos que estão guardados e que quando lemos aquilo nos identificamos", afirma Dianne Melo, especialista em linguagem e coordenadora de leitura da Fundação Itaú Social –a entidade realiza há mais de dez anos a campanha Leia para uma Criança.
Ela destaca também que os livros ajudam pais a conversarem com as crianças sobre diferentes assuntos, como empatia, respeito e até situações delicadas como doenças e morte –especialmente no momento atual em que o mundo vive a crise do novo coronavírus.
A leitura foi uma das atividades inseridas na rotina da quarentena do casal Karynna Toletino, Benjamin Junior e do filho, Rafael, de quatro anos. Montar quebra-cabeça, jogar dominó, brincar de corrida com cavalos de madeira e até reproduzir desafios da internet estão entre as ações adotadas pela família.
Iniciativas que mostrem a importância da preservação da natureza, como montar uma horta, também são estimuladas por Karynna, que trabalha com isso como analista de projetos ambientais da Fundação Grupo Boticário. "Para que ele comece a perceber como as plantas crescem, que os alimentos vêm da natureza e que é importante protegê-la. Criança adora mexer com terra."
Desde o início de abril, a fundação faz campanha pelas redes sociais com atividades e brincadeiras para as crianças com o objetivo de estimular esse contato com a natureza e preservação do meio ambiente. As ações são realizadas por meio do Instagram (@fundacaogrupoboticario).
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