BBB 23: Acusados de 'sequestrar' programa, fãs engajados assustam criadores de conteúdo
Para pesquisador, limitar a quantidade de votos que cada pessoa pode dar não traria benefícios
O BBB 23 (Globo) chegou ao fim, mas enquanto uma parcela do público comemorou a vitória de Amanda Meirelles, outra usou as redes sociais para reclamar. Para esse último grupo, o resultado não refletiu o que a maior parte do público queria —mesmo que a médica paranaense tenha amealhado 68,9% dos cerca de 76 milhões de votos da final.
A explicação estaria no sistema de votação do reality show, que permite que cada pessoa vote quantas vezes quiser. Desse modo, os fãs mais ardorosos são os que acabam fazendo prevalecer sua vontade, ainda que ela não reflita necessariamente a vontade dos telespectadores como um todo.
Muitos internautas têm apontado que o programa está sendo "sequestrado" por esses grupos de fãs, que se organizam para fazer mutirões de votação na tentativa de fazer prevalecer a própria vontade. Há de se convir que isso faz parte da dinâmica do jogo, mas para alguns criadores de conteúdo que acompanham e comentam o programa há anos a coisa extrapolou neste ano.
Na reta final do BBB 23, membros das torcidas de Amanda (bem como da atriz Bruna Griphao, que ficou em terceiro lugar) foram denunciados por supostos ataques a quem falasse algo de suas favoritas com o qual não concordavam. As ações organizadas incluiriam mutirão de bloqueio de páginas, comentários ofensivos e denúncias de perfil em grande escala, para que as contas sejam excluídas.
Um dos comentaristas envolvidos na ação foi Lucas Paiva. Dono do perfil @paiva, ele acompanha o BBB desde criança, mas começou a fazer comentários sobre o programa no Twitter na edição de 2010 —ele usa a rede até hoje para compartilhar suas opiniões sobre o que acontece no reality.
"Eu sempre faço comentários inocentes, nunca xinguei ou ofendi alguma participante, mas do jeito que as torcidas condenam parece que nós [criadores de conteúdo] cometemos o maior crime do mundo", afirma. "Antigamente, o BBB era só um programa de TV. Se você torcesse para alguém e a outra pessoa não, era cada um para o seu canto. Podia até rolar uma discussão pequena, mas não era como é hoje."
Para Paiva, a mudança de comportamento das torcidas teria começado a escalar em 2018, quando os administradores de páginas dos participantes passaram a usar emojis para definir as torcidas. "Esses emojis, como o cacto para a torcida da Juliette, e o pão, para Arthur Aguiar, cria um pertencimento nas pessoas que compartilham a mesma ideia ou vontade. O resto da população tem o que fazer da vida e acaba nem tendo vontade de votar quando vê essa galera desocupada reinando."
Ele diz acreditar que esse apoio incondicional que os fãs dão para determinado participante é ruim para o programa como um todo. "Uma final com 76 milhões de votos, a mais baixa dos últimos anos, é muito ruim", avalia. "Quem votou foram só os espectadores dos finalistas, as pessoas que torciam para algum participante que não chegou na final não participaram dessa decisão.
O criador de conteúdo coloca em dúvida se continuará acompanhando as próximas edições do BBB. "Ano que vem, se eu for acompanhar, vai ser só pela edição e dificilmente pelo pay-per-view. E silenciando todo mundo para ser feliz na minha bolha", complementa.
SEMPRE FOI ASSIM
Apesar de surpreendente para alguns telespectadores, o fato de uma parcela dos fãs ser responsável por selar o destino de todo o programa não é novo. Quem conta é Bruno Campanella, professor do departamento de estudos culturais e mídia da UFF (Universidade Federal Fluminense). Para ele, as torcidas organizadas sempre existiram no BBB, elas só ficaram mais evidentes com as redes sociais.
"Nas primeiras edições, em uma fase pré-mídias sociais, as eliminações eram decididas por uma combinação de votação pela internet e pelo telefone. E o voto por telefone tinha um peso diferente, valia mais. As pessoas mais apaixonadas por algum participante votavam por telefone e ficavam horas e horas ligando sem parar no participante que elas queriam que saísse", lembra.
Autor do livro "Os Olhos do Grande Irmão: Uma Etnografia dos Fãs do Big Brother Brasil", ele diz que, nessa época, os comentários e debates sobre o reality ocorriam em blogs, alguns dos quais chegavam a ter mais de 10 mil comentários por dias. "É um programa que sempre engajou muito", afirma.
Hoje em dia, porém, essa dinâmica se concentrou no Twitter e no Instagram dos participantes e de quem os rodeia, incluindo os administradores das páginas. "Essas páginas ganharam importância, o Instagram passa a ser um importante elemento nessas disputas como espaço para os fãs se juntarem e seguirem os participantes. O próprio perfil de participante mudou, hoje você já tem pessoas ligadas a esse mundo da internet."
Para Campanella, uma das alterações mais citadas por fãs dos programas nas redes sociais, a de limitar a quantidade de votos que cada pessoa pode dar, não necessariamente traria benefícios. "Por mais que votar várias vezes traga apoio, não sei se limitar o número de votos ajuda, isso tira a energia de engajamento dos fãs", avalia.
Como dica para o BBB 24, o pesquisador diz que a produção do programa deve apostar mesmo na boa e velha interação entre os participantes. "Isso é a alma do programa: é encontrar participantes e criar uma dinâmica que cria esse tensionamento e faz com que o quadro consiga criar e gerar discussões e burburinhos", diz.
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