Susana Naspolini era amorosa com quem ela nunca viu antes, e eu posso provar
Jornalista morta nesta terça-feira (25) acudiu vítimas das chuvas no Rio, em 2019; meu irmão e minha cunhada estavam entre elas
No dia 6 de fevereiro de 2019, choveu em quatro horas no Rio mais do que o esperado para todo aquele mês. Segundo a Defesa Civil, a tempestade com ventos de até 110 km/h deixou sete mortos na cidade. São Conrado, na zona sul, foi um dos bairros mais castigados.
É lá que mora o meu irmão, Caio, a minha cunhada, Fernanda, e os meus dois sobrinhos, João e Marina. Ela era uma bebê à época e viu, do colo da mãe, a lama chegar a uma altura de mais de três metros, com um verdadeiro tsunami se formando no térreo da casa. Levou o carro para longe, soterrou bonecas Barbie, arrebentou tudo o que tinha pela frente. Perda total.
Na casa vizinha, mãe e filha passaram a madrugada à espera de resgate em cima do telhado, o único lugar que não tinha sido tomado pelas águas. O condomínio é particularmente vulnerável porque fica na parte mais baixa do bairro.
Com a chuva extremamente volumosa (138 mm em poucas horas; é muita coisa), a barra pesou. O clima, claro, era de pânico e revolta. Todos no bairro sabiam que os alagamentos poderiam ser evitados se o poder público tivesse feito um trabalho prévio nas galerias de águas pluviais.
E agora, quem poderia salvá-los? Susana Naspolini, a repórter que se popularizou pela forma divertida e competente como ajudava a resolver problemas comunitários no quadro RJ Móvel, do telejornal local da Globo.
Quem não é do Rio talvez não tenha familiaridade com o estilo Naspolini de fazer jornalismo. Mais do que ouvir denúncias e pedir soluções, a repórter, que morreu nesta terça-feira (25) em decorrência de um câncer, se colocava no meio do problema (enfiava o pé na lama, literalmente, subia em árvores, esse tipo de coisa) para mostrar, na prática, o que afligia o pessoal.
Era afetuosa com os entrevistados, chegava a chamá-los pelo diminutivo ("Luizinho, o que houve?"), e parecia se divertir ao botar o poder público contra a parede, cobrando respostas.
Essa foi a Susana que apareceu no condomínio onde mora parte da minha família, alguns dias depois do temporal, para fazer uma reportagem sobre os estragos causados pela chuva. O clima continuava pesado. O pessoal lambia suas feridas, contabilizava o prejuízo, tentava se reerguer. Eis que chega Susana e sua equipe. Ela numa alegria que contrastava com o humor de todos à sua volta.
"Que delícia deve ser morar aqui"; "Será que tem casa para alugar? Queria vir para cá com a minha filha", foram alguns de seus comentários para quem estava querendo sair correndo daquele condomínio. A menina que passou a noite em cima do telhado, por exemplo, nunca mais voltou.
Susana abraçou cada um dos entrevistados. Não parava de sorrir, chamava atenção para os passarinhos ("Nossa, quantos! Que lindos!") e, bem ao seu jeito, queria porque queria subir no muro para mostrar a altura que a água havia chegado.
Insistiu, argumentou que seria ótimo para a reportagem, mas foi demovida da ideia pelo cinegrafista, que, como toda a sua equipe, tinha suas sugestões levadas em consideração e era tratado com admirável carinho pela jornalista.
Após a exibição da reportagem, Fernanda continuou trocando mensagens com Susana. Ela queria saber se houve alguma solução para o problema. "Fica em cima, cobra mesmo, se as coisas não andarem, me avisa que a gente vai aí de novo".
Essa foi a última mensagem da repórter no WhatsApp da minha cunhada, que só depois se tocou que aquela felicidade de Susana no dia reportagem, que à época parecia um pouco fora de hora, pelo contrário: tinha sua razão de ser. "Ela tentava nos animar naquele momento tão difícil. Queria nos deixar um pouco menos tristes, estava todo mundo arrasado. Hoje isso está claríssimo para mim", afirma.
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