'Nos Tempos do Imperador': Conheça a história real da 1ª médica do Brasil
Maria Augusta estudou em Nova York e teve ajuda da família imperial
Maria Augusta estudou em Nova York e teve ajuda da família imperial
A novela “Nos Tempos do Imperador” (Globo) trouxe à tona a história da primeira médica do Brasil, na figura de Pilar (Gabriela Medvedovski). Na vida real, ela foi a doutora Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1946), que também contou com a ajuda da família imperial para concluir seus estudos no exterior.
Ao contrário de Pilar —cujo pai maquiavélico não a apoia no desejo de estudar e ainda quer decidir o destino da filha, inclusive com quem ela deve se casar—, Maria Augusta teve total suporte de seu pai, Albino Augusto, que bancou os estudos dela nos Estados Unidos, na New York Medical College and Hospital for Women, uma faculdade de medicina exclusivamente voltada para as mulheres.
Ela, que tinha apenas 16 anos quando deixou o país, em 1875, teve que estudar no exterior porque no Brasil daquela época as mulheres não tinham permissão para cursar nenhuma universidade no Brasil, direito exclusivo dos homens.
“A paixão pela medicina de Maria Augusta veio do ofício de seu pai, que era do ramo farmacêutico no Rio de Janeiro na era imperial”, afirma o escritor Paulo Rezzutti, autor de “Dom Pedro 2º - A História não Contada " e de "Mulheres do Brasil - A História não Contada ", além de outras obras do período imperial.
A futura médica também gostava de ler revistas e jornais, principalmente dos Estados Unidos, e chamou sua atenção a foto e a biografia de uma jovem que estudava medicina em Nova York. Ela mostrou o artigo ao pai, que abraçou seu sonho.
Na trama de Thereza Falcão e Alessandro Marson, Pilar conquista o apoio integral da imperatriz para conquistar seu objetivo de ser médica, e a jovem talentosa ganha uma bolsa para estudar em Boston, custeada por dom Pedro 2º (Selton Mello).
“Não há registros desse apoio mais direto da Teresa Cristina. O que se sabe é que dom Pedro 2º deixou Nova York de trem rumo à São Francisco, do outro lado do país, e a imperatriz ficou na cidade. Maria Augusta poderia ter ido falar com ela e estreitado a relação”, afirma Rezzutti.
Intérprete de Teresa Cristina na novela, Leticia Sabatella acredita que sua personagem vê em Pilar a promessa da mulher do futuro. “A imperatriz fomenta arte e cultura, pensa um Brasil sem escravidão”, afirma a atriz em entrevista por email ao F5.
E a atriz continua. “Teresa Cristina enxerga uma mulher realizada, não só presa em casamentos onde, muitas vezes, não há espaço para ser o que se é de verdade. Ela vê na Pilar essas asas. A imperatriz tem essa sede de liberdade.”
Gabriela Medvedovski, que interpreta a primeira médica do Brasil, afirma que o telespectador se reconhece nos personagens que assistem na televisão e acredita que sua personagem é uma inspiração hoje em dia.
“De alguma maneira, a Pilar pode ser um incentivo para aquelas e aqueles que têm dúvidas ou medos sobre que caminho seguir e até para fazer questionar o quanto ainda reproduzimos atitudes e comportamentos antigos”, diz.
Leticia Sabatella se recorda de uma cena “linda” que fez com Gabriela, quando a imperatriz propõe que Pilar estude. “Ela fica feliz quando a Pilar decide ir realizar seu sonho de ser médica. A imperatriz entende que a Pilar precisava privilegiar sua formação e deixar o relacionamento com Samuel [ Michel Gomes ] acontecer depois, priorizando a si mesma. Acho isso muito moderno, um bom exemplo”.
Maria Augusta estava cursando medicina há dois anos quando seu pai decretou falência e se viu incapaz de manter a filha estudando no exterior. É aí que entra o imperador dom Pedro 2º no custeio dos seus estudos.
Quando soube da situação, em 1877, ele assinou um decreto que concedeu a Maria Augusta uma bolsa com renda suficiente para cobrir seus gastos gerais e da faculdade, de 1877 a 1881.
De acordo com Rezzutti, para custear a educação o imperador tirava a verba de um fundo próprio, que ficou conhecido como “Bolsinho do Imperador”.
O pesquisador lembra que em 1879, dom Pedro 2º instaurou uma reforma do ensino no Brasil e a mulher passou a ser aceita em universidades. “Com isso, a própria Maria Augusta consegue validar seu diploma no Brasil.”
Gabriela Medvedovski firma que Maria Augusta lhe serviu de material para compor a personagem. “Apesar da história dela se passar alguns anos depois da de Pilar, e ter sido bem menos conturbada, sim ela foi uma grande inspiração.”
A atriz também cita outra doutora, Rita Lobato. “Ela foi a primeira mulher a se formar em medicina numa universidade brasileira”, afirma. “Ela teve seu destino alterado graças à Maria augusta, pois só depois da sua conclusão de curso no exterior foi que o governo brasileiro abriu as instituições de ensino superior às mulheres em 1879. Então sim, não tem como ela não ser uma grande inspiração nesse processo.”
Nos capítulos recentes de “Nos Tempos do Imperador”, Pilar retornou ao Rio de Janeiro com o diploma de médica, após anos estudando nos Estados Unidos.
Ela é liberada pelo imperador dom Pedro 2º a fazer atendimentos a qualquer pessoa, mas sofre preconceito, inclusive de mulheres, porque naqueles tempos só homens eram médicos.
Mas na vida real, quando voltou de Nova York, Maria Augusta Generoso Estrela foi aconselhada pelo imperador a atender apenas mulheres, segundo o escritor Paulo Rezzutti. “Ela fazia os atendimentos na farmácia que ela construiu em parceria com o marido”, afirma o especialista em do Império.
Maria Augusta conheceu o alagoano Antônio Costa Moraes, formado em farmácia pela Universidade de Leipzig, na Alemanha, em 1884. Eles se apaixonaram e se casaram no mesmo ano. Com ele, ela teve cinco filhos.
De acordo com Rezzutti, a primeira médica do Brasil clinicou por um tempo. Além de mulheres, ela atendia crianças e ainda oferecia assistência gratuita aos pobres. “Mas o marido dela morreu em 1908 e ela teve que assumir os negócios na farmácia e cuidar sozinha dos filhos, o que a afastou da medicina.”
Maria Augusta inspirou jovens moças com o sonho de se formar em medicina. Por sua determinação, ela é honrada como patrona da cadeira número 64 na Academia de Medicina de São Paulo.
A personagem exerce um fascínio no público e Gabriela Medvedovski afirma que a recepção da audiência com Pilar tem sido animadora. “Recebo mensagens de pessoas que se inspiram nela. Muitas mulheres se identificam com a força e com a garra dela de ir atrás do que acredita”, afirma.
E a atriz conclui seu pensamento. “Imaginar que hoje em dia no Brasil ainda existem histórias de pioneirismos como esse nos mostra como ainda temos um abismo social gigantesco. Ainda temos muito caminho pela frente na busca de uma sociedade mais justa e igualitária.”
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