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Atores usam de poemas a youtubers para aprender sotaque baiano usado na novela 'Segundo Sol'

Amigos e até sogra ajudam na musicalidade e ritmo da fala

Leticia Colin, que vive Rosa na novela das nove da Globo
Leticia Colin, que vive Rosa na novela das nove da Globo - Paulo Belotte/Globo
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Fernanda Pereira Neves
São Paulo

Quem já passou por Salvador sabe muito bem que não basta pisar no Pelourinho para sair falando com a musicalidade do povo local. O T que não bate na língua, o E aberto, mas nem tanto, e aquele NH especial, como em “bunitiNHU”, são exclusivos de quem cresceu lá, e para serem aprendidos demandam cuidado e tempo.

No caso da novela “Segundo Sol” (Globo) foram dois meses de preparação com os atores antes da estreia e um acompanhamento que persiste ainda hoje. Nesse processo, foram usados de poemas de autores baianos a youtubers para que os atores pegassem ritmos e gírias, selecionando as que fossem inteligíveis no Brasil todo.

“Comecei com um trabalho do entendimento da história da Bahia, os elementos centrais para chegar a esse jeito de falar, como foi a influência africana, portuguesa, a influência da geografia da Bahia. Falamos do ritmo, da linha melódica, todo aquele jeitinho”, conta Iris Gomes da Costa, responsável pela preparação do sotaque do elenco.

A partir daí, cada ator vai absorvendo de uma forma, adequando o sotaque à composição do personagem, conta ela. Para os cariocas Emilio Dantas e Deborah Secco, que fazem Beto e Karola, respectivamente, a maior dificuldade foi tirar o chiado do S, ou melhor, adequar o chiado de S, já que o “soteropoletano chia o S em determinados fonemas”, destaca o ator.

Letícia Colin, que nasceu em Santo André, no ABC paulista, e vive Rosa na novela, diz que estranhou a musicalidade. “Cada baiano fala de um jeito. Demora um tempo para você conseguir entender o que é mais geral, os padrões da linguagem e adaptar”.

Dantas diz ter ganhado um desafio extra com o Beto Falcão, que é cantor na trama. Para ele, a música limita o estilo cantado da fala, o que acaba exigindo outros artifícios como “suprimir o D do gerúndio, não dar ênfase aos R”. “Talvez o mais complicado seja ficar confortável com a voz nasalada, porque no início soa esquisito”, pondera.

Como é comum em novelas que carregam uma identidade regional, “Segundo Sol” chegou a receber algumas críticas de telespectadores, tanto por deslizes na entonação como pelo ritmo da fala, que varia de personagem para personagem. Mas também houve elogios e até alguns dicionários de baianês surgiram nas redes sociais.

Mas cada ator vai adequando o sotaque à composição do personagem, explica Costa, que faz parte da preparação dos atores. Às vezes ele fica mais confortável colocando um desenho um pouco mais forte ou mais intenso do sotaque. Depende da composição que o próprio ator vai fazendo. Pode ser uma coisa pensada ou mais espontânea.

Para Secco, a perfeição não é o mais importante. “Acho que as pessoas não buscam isso, o grande barato é que eles sabem exatamente o quanto a gente se empenhou para ficar o mais próximo deles possível. Acho que é muito visível o empenho de todo o elenco e é isso que agrada tanto os soteropolitanos”, avalia.

O autor do verdadeiro “Dicionário de Baianês”, publicado em 1991, Nivaldo Lariú diz que é impossível ser 100% fiel. “Você percebe algumas vezes um derrape, mas está bastante próximo, o que mostra profissionalismo”, diz ele, que destaca as vogais aberta como uma das maiores dificuldades para quem não cresceu no Nordeste.

INSPIRAÇÕES

Além das aulas com preparadores de elenco, os atores também buscaram inspiração nos amigos, na sogra e até em cantores famosos para pegar sotaque e ajeitar trejeitos de seus personagens baianos em “Segundo Sol”. “Fui de Ivete [Sangalo], Betânia, [Gilberto] Gil e até telejornal da Bahia”, conta Letícia Colin.

Mas foi a amiga Mariana Serrão que mais ajudou a atriz. “Fui ficar na casa dessa amiga, com os pais dela, irmãos, cachorro, gato. Realmente viver um pouco dessa estrutura familiar. Para mim, tinha essa intuição que participar disso, desse cotidiano deles seria algo que me traria essa ambientação das relações”, conta.

Já para Deborah Secco a ajuda veio da própria família, já que é casada com um baiano, o ator Hugo Moura, que faz o garoto de programa Robinho na trama, e tem “metade da família baiana”. Mas foi a sogra que mais a inspirou. A atriz conta que teve que sair de uma composição mais confortável, com o uso de mais gírias, para pegar a musicalidade da sogra.

Emilio Dantas diz que contou com a familiaridade prévia com o sotaque, por conta de amigos e até uma ex-namorada baiana. Apesar disso, também usou nomes conhecidos, em especial de Raul Seixas. “Toda vez que cantei Raul, acabei, invariavelmente fazendo sotaque. É como se aquilo fizesse parte da música, da melodia”, conta.

Com dois meses de novela no ar, as expressões ultrapassam os limites do estado e o limite da ficção. “É isso que eu adoro em ser atriz, viver um pouquinho dessas vidas. Acho que levo minha cabeça, meu consciente e inconsciente para passear em outros lugares. E acho isso bastante saudável, a simpatia com a diferença”, afirma Colin.

Ícaro (Chay Suede) e Manuela (Luisa Arraes) comem acarajé e tomam água de coco em cena de 'Segundo Sol'
Ícaro (Chay Suede) e Manuela (Luisa Arraes) comem acarajé e tomam água de coco em cena de 'Segundo Sol' - Reprodução/ TV Globo

ACARAJÉ

Como a cultura de uma região vai muito além da fala, não foi o sotaque, mas o acarajé o principal motivo de críticas à novela “Segundo Sol” (Globo) nesta semana, principalmente, entre os baianos. Afinal, pode comer acarajé com água de coco?

A cena foi ao ar na última segunda (16) e mostrou os irmãos na trama Ícaro (Chay Suede) e Manuela (Luisa Arraes) comendo o tradicional bolinho baiano enquanto bebem água de coco. No Twitter, algumas pessoas comentaram o que chamaram de “insensatez”.

“Ninguém, absolutamente ninguém come acarajé tomando água de coco em Salvador. Não há essa possibilidade!”, afirmou uma internauta. “Ó Manu como é que se come acarajé: Com uma cerveja ou uma Coca bem gelada!”, brincou outra.

Até simulação de enquete foi postada nas redes sociais para descobrir qual a melhor bebida para acompanhar acarajé, e o refrigerante apareceu na frente, com 64% dos votos, seguido por cerveja (15%) e então água de coco (14%).

Mas também teve quem defendesse a combinação inusitada. “Quero saber onde está escrito que só pode comer acarajé com Coca-Cola ou cerveja”, disse um internauta. “Tudo bem que a gente não come acarajé com água de coco, mas estamos sendo homenageados e eles estão se esforçando para isso”, ponderou outro.

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