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Música

Banda formada só por mulheres enfrenta restrições e luta para ganhar espaço no Irã

Quarteto Dingo foi formada no final de 2016 e continua ativo no país

Malihe Shahinzadeh, Negin Heydari, Noushin Yousefzadeh e Faezeh Mohseni, membros da banda feminina iraniana Dingo - Atta Kenare/ AFP
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Kay Armin Serjoie Ahmad Parhizi
Bandar Abbas e Teerã
AFP

Os homens aplaudiram, as mulheres assobiaram e o grupo cantou. Teria sido algo comum se não fosse o fato de o show ter acontecido em um anfiteatro público no Irã e a banda ser 100% feminina.

A música rítmica e cativante que tocaram naquela noite quente se chama "bandari", e as canções são baseadas em temas folclóricos transmitidos de geração em geração e familiares a grande parte do público.

Porém, desta vez a música era tocada por mulheres, em um festival organizado pelo Estado para destacar a "música do Golfo Pérsico". Vestidas com roupas tradicionais, as mulheres também tocaram alaúde e tambores "dohol".

Pouco depois, o público começou a acompanhar a banda, entoando as canções que as quatro artistas cantaram no palco de Bandar Abbas, no sul do país.

Esse tipo de expressão de alegria é frequentemente desaprovado pelas autoridades do Irã, que há mais de 40 anos é governado por um regime islâmico rígido.

"Parece que uma nova parte da sociedade nos viu", declarou Noushin Yousefzadeh, que toca alaúde. "Pelo menos todos os ensaios serviram para alguma coisa".

A banda de Yousefzadeh, "Dingo", foi formada no final de 2016. De acordo com o dialeto local, o nome do grupo se refere aos primeiros passos que as crianças dão.

Esse show, que fizeram no ano passado, havia sido apresentado apenas uma vez antes para um público misto. "Os festivais são uma grande oportunidade porque, em circunstâncias normais, não podemos cantar na frente dos homens", disse a percussionista Faezeh Mohseni.

Tanto ela quanto suas companheiras usavam vestimentas tradicionais muito coloridas, com lantejoulas e bordados em ouro, comumente usadas pelas mulheres da província de Hormozgan.

RESTRIÇÕES

Quando se apresentam para um público feminino, Faezeh canta solo. Mas alguns dias antes da apresentação, foram informadas que homens e mulheres iriam comparecer, então o grupo teve que se adaptar. "Tivemos que passar dias ensaiando cantando em coro", explicou Malihe Shahinzadeh, que toca "pippeh", outro tipo de percussão local.

Que as mulheres podem cantar em público não está totalmente claro na República Islâmica. Nenhuma lei proíbe isso especificamente, de acordo com Sahar Taati, ex-diretora do departamento de música do Ministério da Cultura e Orientação Islâmica, conhecido como Ershad.

No entanto, a maioria dos clérigos acredita que o som de mulheres cantando é "haram" —proibido— porque pode ser provocativo para os homens e levar à depravação, acrescentou.

O clero xiita também repudia a música laica, que consideram um entretenimento que distrai a religião. Seu veto, imposto logo após a Revolução Islâmica de 1979, foi progressivamente retirado, principalmente por conta da música "revolucionária", usada para animar as tropas na guerra Irã-Iraque dos anos 1980-1988.

Naquela época, o destaque era reservado à música tradicional iraniana, em contraste com outras variantes da música ocidental, rotulada de "decadente" pelas autoridades.

Mas desde que o moderado Hassan Rohani foi eleito presidente em 2013, sucedendo o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, organizar shows de música ficou mais fácil.

Ainda assim, elas têm que enfrentar várias restrições. As apresentações devem ser aprovadas pelo Ershad, e é quase impossível para os cantoras se apresentarem sozinhas, a menos que o façam para um público feminino.

"As mulheres podem cantar para públicos mistos se duas ou mais mulheres cantarem juntas, ou se a cantora for acompanhada por um homem no palco, cuja voz é pelo menos tão forte quanto a dela", disse Taati.

Assim foi feita a adaptação persa do musical "Les Misérables", que foi apresentada em Teerã no inverno de 2018-2019, com os solos femininos apoiados por uma voz masculina nos bastidores.

COVID-19

A banda Dingo tentou várias vezes se apresentar para públicos mistos. Diante das dificuldades, "se cansaram", comentou Negin Heydari, ex-integrante que toca "kasser", um pequeno tambor que acompanha o "dohol" e o "pippeh".

Agora, quando as autoridades organizam festivais e espetáculos como este, apresentam a sua candidatura, embora não saibam até ao último minuto se serão aceitas. Mas, para elas, só a euforia de tocar para públicos mistos fazem valer as horas de incerteza e de ensaio.

Negin contou como seu marido ficou feliz por finalmente vê-la se apresentar no palco. Para os ensaios utilizam o que chamam de "Sala Dingo": um quarto no pátio dos pais de uma delas, à prova de som.

Todas têm sonhos para a banda, desde tocar mais no Irã até apresentações no exterior. "Queremos tornar a Dingo internacional", disse Faezeh, enquanto Malihe mal pode esperar que o resto do mundo ouça a música de seu povo.

Depois de tantas horas de dedicação, ganharam um prêmio especial por sua atuação no festival do ano passado. Após o show, Negin Heydari deixou o grupo por "diferenças artísticas" e seu lugar foi ocupado pela guitarrista Mina Molai.

A pandemia da Covid-19, que atinge o Irã duramente, reduziu as esperanças do grupo de gravar um álbum e promover seu estilo de música no exterior.

"Para mim, o período de confinamento foi uma oportunidade para investigar a música da nossa região e também para melhorar a minha técnica", explicou Maliheh, esclarecendo que ainda não sabe improvisar.

"Até agora, fizemos apenas versões do repertório folclórico de Bandari, mas já estamos pensando em criar canções originais", acrescentou.

TAXISTAS E DIVAS POP

Apesar das restrições religiosas, os homens podem ouvir solos cantados por mulheres, algo facilmente verificável se alguém entrar em um táxi em Teerã.

É comum encontrar um taxista seguidor de Googoosh, uma diva pop pré-revolucionária que ressurgiu na América do Norte em 2000 após anos de silêncio em seu país natal. Outros usam pendrives com canções das irmãs Hayedeh e Mahasti, ícones da música antes de 1979, agora enterradas na Califórnia.

Outras cantoras são Galareh Sheibani, jovem que vive na costa oeste dos Estados Unidos e conseguiu alcançar o público iraniano graças à internet, e a soprano Darya Dadvar, radicada em Paris, uma das poucas mulheres que cantou solo para um audiência mista desde a revolução.

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