Música

Supla dá pausa na maconha e diz que ser punk não é ter cabelo espetado, mas se arriscar

Com 17º álbum pronto, cantor fará live hoje e lança clipe nesta sexta

Supla Divulgação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

"Ainda bem que você ligou. Prefiro ligação. Não gosto muito de mensagem, vejo até pessoas que se desentendem por isso e terminam seus relacionamentos. E não me pergunte de fofoca de Leo Dias. Não estou por dentro disso –e nem tenho tempo para isso". Foi assim que Supla atendeu ao telefonema de confirmação desta entrevista, que aconteceria minutos depois.

Aos 54 anos, o cantor se prepara para o lançamento de seu 10º álbum solo e 17º título de uma discografia que inclui produções com sua antiga banda, Tokyo, e do duo com seu irmão João Suplicy, a Brothers of Brazil. Até então, foram lançadas três faixas de seu novo projeto, cujo nome ainda não pode ser divulgado pelo artista –”Fall to the Ground”, “Delírio Tropical” e “Embaixo da Unha”.

Nesta sexta-feira (29), uma nova canção será apresentada aos fãs, "Meu Próprio Mundo", que já chega com um videoclipe gravado por Supla, em sua casa no período de quarentena, com ajuda do sobrinho, Teodoro Suplicy, de 18 anos.

Apesar de estar pronto, o álbum está sem previsão de lançamento por causa da pandemia do novo coronavírus. Na ausência de sua companheira Victoria Wells, que está nos EUA, Supla tem passado a quarentena sozinho, e usado o tempo livre para praticar o violão e organizar a promoção do novo clipe.

"Não fumo maconha desde 15 de março. Foi quando tudo parou. Sei lá, deu vontade de parar. Mas eu sei que tem muita gente bebendo e fumando muito. Tomando seus remédios. Às vezes as pessoas não enxergam na frente delas tudo o que elas têm", diz.

Fã dos shows em casas noturnas, e com saudade do contato do público, Supla se rendeu às lives e se apresenta nesta quinta (28), às 21h30, via transmissão de vídeo no site do festival #CulturaEmCasa, criado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e gerida pela Organização Social Amigos da Arte. A ideia é tocar sucessos como "Garota de Berlim" e "Japa Girl" no violão, misturado com eletrônica. "Já bolei um repertório, mas talvez jogue uns coverzinhos só para tirar um sarro", brinca.

Preocupado com o futuro, sua única certeza hoje é de que ele ainda tem muito trabalho a mostrar. “Se você acompanha meu trabalho, vê nitidamente que eu nunca fui uma pessoa que só seguiu com um tipo de som. Sou isso daí mesmo; essa mistura de tudo o que tem. Pra mim, punk não é um cabelo espetado ou uma roupinha punk. Punk é você ter coragem de arriscar como um artista mesmo. Quero tentar trazer uma contribuição para a música. Algo que dê um beliscão, que seja diferente."

Como foi o processo de criação deste novo álbum?
Em abril de 2018 eu lancei o álbum “Ilegal”. É um álbum com muita eletrônica, mas também muito político, que fala bastante das fronteiras. É um álbum totalmente em inglês e português, então deu muito trabalho. Infelizmente não deu para fazer muitos shows com esse álbum, mas tocamos no Rebelion Festival [maior festival de punk do mundo, que acontece no Reino Unido]. Agora resolvi fazer um álbum eletrônico com a minha parceira Victoria Wells. É um som bem pós-punk, com pegada underground. Tem também piano e as músicas foram feitas no violão. E está animal. Desse novo álbum, eu já lancei "Fall to the Ground", "Delírio Tropical", que é mais uma balada pós-Carnaval, e "Embaixo da Unha", que é um punk rock total.

Teodoro está bastante presente neste álbum. Como foi a parceria?
Embora ele já tenha participado de outros vídeos, como em "You've Got an Angel", que ele faz o anjo, no projeto atual ele apenas atua no clipe de "Meu Próprio Mundo", que será lançado nesta sexta. Mas neste álbum ele ainda participará muito. São nove letras em português, que ele participou de quase todas e quatro em inglês. Ele é bem jovem, e o que ele traz é um frescor para as letras e nós escrevemos juntos. Normalmente eu falo as ideias, bem contestadoras e políticas, mas também de diversão –bem puras mesmo, como quando você está com alguém de que gosta e não quer que este momento acabe.

E há letras políticas?
Sim. "Embaixo da Unha", que aconteceu em um momento em que estava escutando muitos nomes como Google, Netflix, Uber, Mark Zuckerberg, é um exemplo. Até quando o crânio da Luzia pegou fogo. Aquela cena do Museu Nacional do Rio de Janeiro é muito forte para mim. É uma tristeza ver parte da nossa história ser jogada fora. E tudo isso vai para "debaixo da unha", uma coisa que veio de Teodoro. O frescor que ele traz não é do tipo de música, mas da contestação; uma visão dele que é parecida com a minha, mas é bom que não concordemos em tudo.

Suas canções conseguem preservar o punk. É seu estilo favorito?
Eu nunca fui uma pessoa que só seguiu com um tipo de som. A minha maior intervenção foi ter feito a Brothers of Brazil, que era uma mistura de bossa nova com punk, o “PunkaNova”. Sou isso daí mesmo, sou essa mistura de tudo o que tem. Para mim, punk, não é um cabelo espetado, uma roupinha punk. Punk é você ter coragem de arriscar como um artista mesmo. Eu quero tentar trazer uma contribuição para a música. Que dê um beliscão, que seja diferente. Pode ser pesado, pode ser leve… Como Bob Dylan. Tem gente que fica gritando e não diz nada.

E qual a sua relação com a música eletrônica, tão marcante neste álbum?
Teve uma fase que eu escutei muita música de discoteca, como Donna Summer e outros cantores. Isso é até engraçado porque quando eu era moleque, ia para as danceterias de tênis. Me lembro que muita gente ia até lá, e quem era rockeiro tinha um certo preconceito com discoteca –o que era uma bobagem, porque tem músicas maravilhosas. Mas vários rockeiros entraram nesta onda de misturar rock com discoteca, como Blondie e até os Rolling Stones, em alguns momentos.

O novo álbum foi adiado por causa da pandemia. Tem previsão de lançamento?
Já estava tudo certo para lançarmos, e eu já estava até gravando algumas coisas para transformar em um DVD. Faríamos no auditório da Vergueiro, que tem tudo a ver com o que eu estava imaginando. Mas agora parou tudo, desencanei de tudo. Não tenho mais data… Eu já tenho uma capa, já tenho as músicas, já tenho tudo. Mas se eu lanço agora, como fico depois? Agora é esperar. Estou bem preocupado. Penso em todas as casas noturnas se vão poder pagar para se manter. Apesar de que todo mundo vai estar com vontade de sair quando for liberado. Mas muita gente está se endividando.

A Brothers of Brazil chegou a fazer shows em 2019. Como está a banda?
A última vez em que toquei com João foi em setembro do ano passado para celebrar o tempo do Brothers, porque foi muita coisa. Foram três programas de televisão e, depois disso, fomos para Nova York e assinamos um contrato americano. Isso que é sorte! Você tem que ser cara de pau, ter atitude mesmo. Tem que fazer acontecer, não adianta ficar em casa se quiser ter essa experiência. Tem gente que fica na gringa por lá anos e não consegue nada. Mas estávamos lá, na hora e no lugar certos. Lembro que fui a um lugar em que estava o baterista da Blondie, o guitarrista do The Stranglers, e o produtor do Adam Ant, que procurava uma banda para abrir o show dele. Me perguntaram se eu conhecia alguém, eu disse que estavam falando com o próprio, e fechamos contrato. Mas se eu não estivesse lá, nunca teria acontecido.

Você tem muitos trabalhos paralelos e planos futuros. Parece que a intenção é não parar nunca…
Dessa vida eu não vou levar nada. Mas posso deixar, pelo menos, um legado. Faço parte da história da música do Brasil. Tem essa nova forma [de trabalhar com música], via internet, mas eu não gosto disso. Não é meu tipo. Eu respeito, mas gosto de ver as pessoas tocando ao vivo. É importante estarmos vivendo isso agora para percebermos a falta de que isso faz. Ou você prefere ficar vendo live? Prefere ir ao local a ficar em casa? Eu prefiro ir ao local, tirar a bunda da cadeira e ver pessoas. Estou sentindo uma tremenda falta disso. Acho que nada é mais legal do que estar no local presente, dar um abraço e ver pessoas.

Como surgiu o convite para a live do festival #CulturaEmCasa?
Fui convidado pela própria organização, que tem buscado artistas bem variados para o festival. Então trago esse novo universo. Infelizmente, não é com a minha banda, mas será algo até diferente, pois terei minha parte eletrônica aqui, e estarei tocando o violão, algo que as pessoas não veem normalmente. Pretendo tocar “Garota de Berlim” de uma forma totalmente eletrônica e diferente, tocar algumas coisas no violão, como “Japa Girl”, e algumas coisas do “Bossa Furiosa”. Vou mostrar a música bem crua, como ela veio. É um acústico, com algumas coisas de eletrônica. E até vou misturar alguns covers, mas isso vou ver na hora. Já bolei um repertório, mas talvez jogue uns coverzinhos só para tirar um sarro.

Como você tem passado a quarentena?
A Victoria [Wells] está nos Estados Unidos, então tenho passado sozinho. Converso com meus amigos, com ela, com todo mundo. Mas tenho tocado bastante violão. Nesses últimos dias tenho praticado e organizado os shows, e também organizado a parte promocional do novo clipe. Bom, eu fiz a música “Parça da Erva”, mas eu não fumo maconha desde 15 de março. Foi quando tudo parou. Sei lá, deu vontade de parar. Mas eu sei que tem muita gente bebendo, fumando muito. Tomando seus remédios. Às vezes as pessoas não conseguem enxergar na frente delas tudo o que elas têm. Ficam reclamando, sabe?

Como você tem visto o apoio do governo à classe artística?
Na classe artística, pelo menos o estado liberou uma verba para ajudar artistas. Deveria mesmo, porque faz parte. A gente entretém as pessoas, e as ajuda a ficarem em casa. É um tema importante. E não é só música; os artistas fazem leituras de texto, coisas que acho essenciais. Eu já pensei até em fazer algo YouTube, mas queria que fosse diferente do que vejo por aí. Fico pensando se é o momento certo, porque as pessoas querem se comunicar, mas tem papo que é legal e tem papo que não. Queria fazer algo que não fosse “mais do mesmo”, que valesse a pena. Acho que eu daria um ótimo entrevistador, com certeza.

Quem você gostaria de entrevistar?
Não posso falar. Seriam pessoas mais antagônicas, mas também pessoas que pensam diferente.

Você tem produzido seus vídeos...
Eu me considero um mini diretor. Tem muitos clipes que são mini curtas, que poderiam ser filmes. Quem sabe, eu poderia fazer um filme. Como minha cabeça está sempre formatando coisas, já consegui terminar o álbum, estou lançando esse clipe, tem essa live… Mas nesse meio tempo, estou pensando. Acabada a live, posso pensar no que farei.

Live #CulturaEmCasa com Supla

  • Quando 28/05, às 21h30
  • Onde culturaemcasa.com.br
Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem