Em prisão domiciliar, Anna Delvey recebe desfile da Semana de Moda de Nova York em casa
Golpista ficou famosa por enganar elite de Nova York e teve história contada em série da Netflix
Até que ponto você iria para chamar a atenção quanto ao seu trabalho?
É notoriamente difícil ser um estilista jovem, ou mesmo um estilista independente. Já não basta criar coisas boas ou ter ideias originais. É preciso se fazer ouvir por sobre o ruído, por tempo suficiente para capturar a atenção do mundo fragmentado, para que as pessoas (aquelas que podem usar suas roupas, comprá-las ou publicar posts sobre elas no Instagram ou no TikTok) olhem por tempo suficiente e com interesse suficiente para perceber o que elas têm de especial.
Alguns estilistas, como Piotrek Panszczyk, da Area, fazem isso por meio do trabalho mais absurdo que puderem, atraindo um público disposto a se vestir com biquínis de estrasse e meias transparentes à luz do dia. Existe look melhor para tirar um selfie enquanto você aplaude uma meditação sobre a natureza troglodita do capitalismo, via Krystle Carrington [personagem da série "Dinastia"], do que um modelo que parece misturar casaco de pele e vestido de cristal com fêmures protuberantes entre as costuras?
Outros o fazem com barulho, como LaQuan Smith, que nesta temporada borrifou de azul-claro suas notas graves e bombásticas e adicionou uma máquina de vento, mas, fora isso, manteve seu delicioso roteiro habitual.
Mas até esta temporada, ninguém o havia feito com a ajuda de uma notória vigarista da sociedade e falsa herdeira alemã que atualmente vive em regime de prisão domiciliar.
Na segunda-feira (11), Anna Delvey (nome verdadeiro: Anna Sorokin), que ficou famosa por enganar uma grande parte dos ricos de Nova York, foi imortalizada mais tarde por Julia Garner em uma série da Netflix e que serviu uma sentença de prisão de quase quatro anos, foi uma das anfitriãs do desfile de estreia da Shao, uma marca de roupas que não fazem distinção de gênero e combina moda de escritório, moda de rua e espartilhos, fundada por Shao Yang.
E ela não emprestou só seu nome (falso) para o convite: também emprestou seu endereço, recebendo o evento em seu apartamento em um prédio sem elevador do East Village (bem, até que seu processo por questões de imigração seja resolvido, Sorokin não pode deixar o edifício). Na verdade, o evento foi realizado no telhado de piche pintado de prateado de seu edifício no East Village. O apartamento dela é pequeno demais para um desfile de moda.
O desfile foi uma criação de Kelly Cutrone, publicitária de moda que foi tema do reality show "Kell on Earth", da rede Bravo, em 2010. Cutrone convidou Sorokin para formar uma equipe em uma "agência pop-up de relações públicas" que elas batizaram de OutLaw [fora da lei] –sim, de verdade—, a fim de explorar o valor de sua marca em benefício de outras pessoas —e, talvez, começar a reabilitar sua reputação, ao mesmo tempo. Afinal de contas, Sorokin tem um histórico de compreender a maneira como a moda pode ser usada para manipular as pessoas que a cercam.
"É muito difícil para os novos estilistas atrair atenção, e eu sou capaz de conseguir publicidade —publicidade ruim, qualquer publicidade— só por sair de casa para levar o lixo", disse Sorokin antes do desfile, sentada em seu apartamento, que estava lotado, com uma equipe de filmagem da Alemanha fazendo um documentário sobre sua vida, da mesma forma que sua geladeira está lotada de seltzers LaCroix. Não que ela esteja realmente se esquivando da publicidade (ela continua a se referir a si mesma pelo sobrenome Delvey). "Estamos apenas tentando canalizá-la para algo positivo", disse.
A teoria é bastante cínica: claro, o mundo da moda estaria lá pelo frisson de encarar de olhos arregalados a anfitriã, mas pelo menos iria. E, se fosse, teria que ver as roupas.
O plano funcionou, até certo ponto. Olivier Zahm, o editor da revista Purple, sempre de jeans brancos, estava lá, observando a cena por trás de seus óculos modelo aviador de lentes coloridas, a marca registrada de seu look. A cantora pop Slayyyter também compareceu. Assim como Nicola Formichetti, colaborador de Lady Gaga, que havia se mudado de Los Angeles para Nova York apenas três dias antes. Ele disse que, apesar de fazer tempo que não ia a um desfile de moda, compareceu para ver Sorokin porque "sou fascinado por ela há muito tempo e, como todo mundo, estou esperando para ver o que ela vai fazer a seguir". Ele também disse que achava o nome da agência pop-up "genial" (Sorokin me disse que o achava "engraçado").
Formichetti, junto com um grupo heterogêneo de fashionistas vestidos de preto que se reuniram do lado de fora do edifício na First Avenue, subiu os seis lances de escada até o telhado. Havia cerca de 100 convidados, disse Cutrone. As modelos, uma das quais carregava um cachorrinho felpudo tingido de rosa, chegaram em um ônibus de festa, pois não havia espaço suficiente no apartamento de Sorokin para o cabelo e a maquiagem.
Assim que entraram, elas se amontoaram nos corredores estreitos à espera de sua vez no telhado (posando para fotos diante da porta de saída). Uma das vizinhas de Sorokin, que aparentemente não havia sido alertada sobre o que estava acontecendo e ficou um pouco assustada com a multidão quando chegou em casa com suas compras, pediu a todos que fizessem silêncio para não assustar seu cachorro. Em seguida, os alto-falantes instalados no telhado começaram a estrondar uma música do Guns N' Roses.
"É um pouco intrusivo", admitiu Sorokin, sobre ter todos aqueles desconhecidos em seu prédio. "Mas também já estive na cadeia, e lá é muito intrusivo, igualmente. Nós vamos limpar tudo por aqui." De qualquer forma, seu contrato de aluguel estava prestes a terminar, disse, e ela teria que se mudar.
Cutrone acrescentou, via mensagem de texto, que o desfile era uma ação de "guerrilha" —eles não haviam obtido permissão oficial para usar o telhado— e, prosseguiu, tinham contratado "oito policiais que estão de licença e pediram pagamento em dinheiro" para cuidar da segurança.
Sorokin estava usando um smoking preto da Shao com pernas longas o suficiente para esconder seu monitor de tornozelo, e ombros incrustados de strass. Ela se materializou brevemente no telhado para dar as boas-vindas a todos e posar para fotos antes de voltar para dentro. O smoking era uma espécie de prévia da coleção, que tinha um clima de Gaultier encontra Off-White, em preto e branco e amarelo estridente. Yang, cuja família emigrou de Taiwan quando ela tinha cinco anos, se formou na Escola Parsons de Design e passou os últimos nove anos dirigindo a Tailory, uma empresa de ternos personalizados. Ela sabe o que está fazendo.
"Nem todo mundo aceitaria isso bem –o fato de que provavelmente receberemos mais atenção do que o trabalho deles", admitiu Sorokin. Também deve haver muita gente que não gostaria que a primeira informação que as pessoas recebem sobre seu trabalho envolva uma associação com uma vigarista famosa.
Outros, no entanto, podem dizer que é exatamente para esse lugar que a moda, um setor no qual a moral é notoriamente elástica e tende ao warholiano, e que acha impossível resistir ao canto de sereia da mídia social, está se encaminhando.
"Já não existem regras", disse Cutrone. "Qualquer coisa pode acontecer."
Tradução de Paulo Migliacci
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