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X de Sexo Por Bruna Maia
Descrição de chapéu Todas saúde mental

A complexa relação dos homens com trabalhadoras sexuais

Garotas de programa também são buscadas para desabafo, atenção e elaboração de traumas

Mateus Hwang (dir.) com a acompanhante Tiffany em frente ao Caps - @mateushwang no TikTok
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Viralizou um vídeo de um rapaz no TikTok que contratou uma acompanhante para ir com ele ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps), órgão do SUS dedicado a cuidar da saúde mental. Ele conta que sua terapeuta disse que ele precisava fazer mais amizades e contatos, mas, como ele tem dificuldade, decidiu contratar Tiffany para ir com ele até o local, onde faz terapia. "Pra quem não sabe, acompanhante não serve só para atos libidinosos, ela pode acompanhar em qualquer coisa que você quiser", ele diz.

Ele narra uma experiência positiva, em que a moça foi muito gentil e compreensiva com ele. Mostra também como o Caps é importante para a população, fornecendo acesso a terapias em grupo, psicólogos, consultas psiquiátricas e medicamentos com uma lógica não manicomial. Depois da consulta, ele leva Tiffany para almoçar no shopping e isso é tudo: sem sexo.

Esse vídeo me provocou uma série de reações e a primeira delas foi de ternura. Achei fofa a maneira como ele e a profissional criaram uma ponte e como os dois pareciam estar à vontade. No entanto, achei triste ele precisar recorrer a uma contratação porque tem dificuldade para ter amigos.

Também pensei: poxa, mas precisa colocar até a ida no Caps no TikTok? Mas aí lembrei que eu não tenho moral nenhuma para criticar quem expõe suas questões de saúde mental na internet. E Mateus Hwang, o cara do vídeo, não parece ter problemas com exposição. No fim das contas, é um produtor de conteúdo de humor, e boa parte do que produz consiste em levar acompanhantes para fazer programas que não envolvem sexo, como ir ao cinema, passear no shopping e assistir dorama.

Contudo, em nenhum momento eu fiquei surpresa em ver uma trabalhadora sexual naquela posição, de cuidado e apoio psicológico.

É que, ao longo dos anos, conversando com prostitutas e lendo relatos de clientes em fóruns da internet, ficou claro para mim que a busca por cuidado e terapia também está presente no trabalho sexual. Pois é. Sabe aquela cena demasiado tangível do homem que transa um pouco (ou sequer transa) e começa a fazer a ficante ou namorada de psicóloga? Ela também é comum no ambiente da prostituição.

"Já entrevistei vários clientes de prostituta que dizem que só querem chegar no quarto e conversar ou sair pra conversar. Os homens têm problemas com a ideia de saúde mental, muitas vezes não querem procurar psicólogo, não querem falar de sentimentos, demonstrar afeto e falar com amigos", diz Carolina Bonomi, cientista política e ativista que estuda trabalho sexual.

Se alguma vez você já achou muito estranho que um cara desabafe com uma mulher que ele acabou de conhecer num date coisas que ele nunca teve coragem de falar com amigos de infância, está aí uma explicação. No excelente texto "Uma Hora no Divã, Anal Incluído", a putativista e doutora em ciências sociais Natânia Lopes apresenta um relato de uma prostituta que viu traumas, culpas e gozos do cliente durante um programa e reflete sobre a contradição dessa relação na sociedade.

Ao mesmo tempo em que o consumo de trabalho sexual é visto como um vício, uma doença, algo imoral e sujo, um espaço em que o homem objetifica uma mulher e é objetificado de volta, ele acaba sendo um ambiente de curas, desabafos, contatos com os sentimentos.

Chama atenção um outro lado dessa história, exposto em excelente reportagem de Mariana Rosetti Maia, publicada em AzMina. São vários os casos de psicólogas que sofrem violência e assédio online e em seus consultórios, com homens que as buscam para serem pacientes, mas querem contato sexual.

Não me admira que os homens coloquem garotas de programa e psicólogas em um lugar que colocam as mulheres de forma geral: o lugar do sexo e do cuidado. A nossa cultura é construída em cima da noção de que a sexualidade feminina serve ao homem e de que o cuidado e os sentimentos são femininos, ao passo que a guerra e a razão são exclusivas dos homens. Eles só se autorizam a sentir se for por nosso intermédio e, se notarem que pensamos mais (ou melhor) que eles, dão um chilique.

No patriarcado, nossa relação com homens e com o trabalho raramente sai da lógica de exploração. Pelo menos, as prostitutas são remuneradas.

X de Sexo por Bruna Maia

Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. É autora dos livros "Parece que Piorou" e "Com Todo o Meu Rancor" e do perfil @dabrunamaia nas redes sociais. Fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo.

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