Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

X de Sexo Por Bruna Maia
Descrição de chapéu Todas

Não sou bi, mas roubei do meu namorado a Playboy da Alessandra Negrini

Me divido entre nostalgia lúdica e uma tonelada de problematizações sobre legado da revista

Revista Playboy de abril de 2000, com a atriz Alessandra Negrini na capa
Revista Playboy de abril de 2000, com a atriz Alessandra Negrini na capa - Reprodução
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Até hoje um link com as fotos da atriz Alessandra Negrini para a edição de abril de 2000 da Playboy está salvo nos meus favoritos. Foi o que me restou depois que meu primeiro namorado descobriu que eu havia roubado a revista, integrante de uma coleção que ele herdou do tio. Ele ficou tão indignado porque eu havia posto em risco seu patrimônio que sequer teve tempo de pensar: "Hmmm, eba, será que minha namorada toparia um ménage com uma morena assim?".

Não sei muito bem o que rolou ali: será que eu tinha tesão por ela e desejo de transar com ela ou será que eu tinha um pouco de inveja dela e queria ser como ela? E será que os dois são tão diferentes assim? Ou mutuamente excludentes? Não, não é que eu quisesse ter o mesmo corpo que ela, eu especificamente queria ter o mesmo olhar. Até hoje penso que minha vida seria mais fácil se eu tivesse o olhar da Alessandra Negrini.

As fotos da Alessandra bateram forte em mim também por causa da qualidade artística inquestionável daquele ensaio específico, clicado por Bob Wolfenson no Rio de Janeiro. As locações tinham um clima decadente, remetendo às zonas, ao meretrício, à boêmia etc. Percebam, eu não consigo deixar de gostar de Nelson Rodrigues e aquelas fotos gritavam "A VIDA COMO ELA É!". Por causa disso, essa é e sempre será minha edição da Playboy favorita e Alessandra Negrini foi a primeira mulher que me fez questionar a minha sexualidade –e concluir, depois de algumas aventuras, que infelizmente sou heterossexual mesmo.

Ela também despertou em mim o desejo de posar nua para o Bob Wolfenson. Quando eu tinha lá meus 22 anos, fechava os olhos e me perdia nesse devaneio em que eu ficava encarando a lente em posições lânguidas e fazendo carinha de quem vai destruir a sua vida e você ainda vai ficar agradecido.

Se você tem mais de 35 anos, é muito provável que ao menos uma capa da Playboy tenha te marcado. Uma amiga bissexual comentou comigo que a edição com Mylla Christie, de novembro de 1997, despertou alguma coisa nela. Lembro do grande surto que foi o lançamento das capas das assistentes de palco Suzana Alves, conhecida como Tiazinha, em março de 1999, e Joana Prado, a Feiticeira, em dezembro do mesmo ano (foram as duas edições mais vendidas da história).

Os moleques do meu colégio estavam ouriçados, ou pelo menos precisavam demonstrar que sim. Em março, todos os dias antes de começar a aula, um ia até o quadro e escrevia "faltam xx dias para PT". Um professor ralhou dizendo que não era para fazer manifestação política desse modo. Todo mundo gargalhou, alguém disse "é PT de Playboy da Tiazinha, não de Partido dos Trabalhadores" e ele ficou com aquela cara de tacho de professor de adolescente que até quer rir das piadinhas, mas o decoro não permite.

A leitora Fabi me contou que ela aproveitou muito essas duas edições. É que o irmão mais novo dela ganhava as revistas de um familiar. Ela surrupiava, olhava as fotos e depois ia se esfregar no... urso de pelúcia. "Ficava analisando os corpos, pensando se eu seria assim, vendo como era peito de silicone. Mas também lia o conteúdo, curtia as piadas e tal."

E é nessas horas que a nostalgia se mistura à problematização. A Playboy contribuiu muito para a imposição de um padrão estético bem específico. Ela não fazia isso sozinha. O Programa H (precursor do Caldeirão do Huck, de onde saíram Tiazinha e Feiticeira), Domingo Legal, Domingão do Faustão, Pânico na TV e mais uns outros tantos se aproveitavam do corpo feminino para alavancar a audiência. Nesses programas, mulheres quase sempre estavam na posição de objeto de cena. Uma gostosona que não falava nada de muito profundo e servia ao olhar masculino –e que, se desse sorte, iria parar nas páginas da revista e ganhar um bom cachê pra isso.

Parte considerável das modelos de capa tinha coxas grossas e torneadas por muita musculação, barriga sarada e peitos enormes, de silicone. Elas eram sempre muito bronzeadas e nunca tinham nenhuma celulite, até porque o editor da Playboy photoshopava sem dó. Pelos eram muito raros. Cresci sendo exposta a isso e, como resultado, passei anos usando roupas mais largas do que gostaria para não marcar a celulite e quase gastei uma grana em implantes de silicone totalmente desnecessários –o cirurgião plástico era sério e me demoveu disso.

Adoraria que a maioria das minhas memórias da Playboy girassem em torno do meu devaneio de ser clicada por um bom fotógrafo em atmosfera rodrigueana. Mas, infelizmente, giram em torno de sofrer uma pressão danada para ser magra, malhada, siliconada. E da frustração de saber que meninos tontos esperavam que, só porque eu era mulher, eu era um objeto à disposição deles.

De qualquer modo, Bob Wolfenson, tô aqui!

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis.

X de Sexo por Bruna Maia

Bruna Maia é escritora, cartunista e jornalista. Autora dos livros 'Parece que Piorou', 'Com Todo o Meu Rancor' e 'Não Quero Ter Filhos', fala de tudo o que pode e do que não pode no sexo.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem