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Tony Goes

Ativistas que atacam obras de arte não conquistam a simpatia de ninguém

Tática equivocada pode ser prejudicial às causas defendidas

Manifestantes jogam sopa no quadro 'Mona Lisa', em Paris - David Cantiniaux/AFP
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"O que é mais importante?", berrou uma das ativistas que jogaram sopa sobre a "Mona Lisa" neste domingo (28). "A arte ou o direito a uma alimentação mais saudável e sustentável?"

Mas por que temos que escolher? Essas duas coisas são mutuamente excludentes? É claro que não, mas a jovem militante do grupo Resposta Alimentar não quer nem saber. Imbuída de ira santa, a moça exala aquela certeza absoluta que é um privilégio exclusivo dos jovens.

A "Mona Lisa" virou alvo preferencial desse tipo de ataque. Como está protegida por um vidro blindado, ativistas das mais diversas causas sentem-se à vontade para alvejá-la com líquidos de origem misteriosa. Qualquer fato ligado ao quadro mais famoso do mundo imediatamente ganha as manchetes, e neste domingo não foi diferente.



As garotas do Reposta Alimentar – grupo do qual ninguém tinha ouvido falar até então – conseguiram farto espaço gratuito na mídia, chamando atenção para a luta dos agricultores franceses contra os inúmeros problemas que atingem a categoria.

No entanto, será elas que conquistaram a simpatia do público? Será que agora há mais gente apoiando os agricultores do que havia antes? Duvido muito.

Esses ataques a obras de arte são, antes de mais nada, agressões ao patrimônio cultural da humanidade. Mesmo que nenhuma obra seja danificada (e algumas já foram), a violência do ato em si supera a nobreza da causa defendida.

Tirar a roupa em público já foi uma forma de protesto muito popular. Mas a nova geração de ativistas políticas é bem mais careta que as anteriores, e logo problematizaria a nudez como uma forma de opressão. Melhor depredar obras-primas, não é mesmo?

O que essa molecada não percebe é que o tiro está saindo pela culatra. O repúdio ao arremesso de sopa à "Mona Lisa" foi quase universal. O que vai sobrar desse episódio são as imagens do vidro lambuzado, não a mensagem a favor dos agricultores franceses. Aliás, o que é mesmo que eles queriam?

Quase todo ano, os integrantes do BBB se voltam contra um brother específico, e o mandam toda semana ao paredão. Aí o sujeito volta, mostrando que tem apoio entre o público. Mas os tapados de seus adversários não percebem o óbvio e o emparedam novamente, em vão.

Algo parecido se passa entre esses militantes europeus. Nenhum deles se deu conta ainda de que a tática de atacar obras de arte é contraproducente. As causas que eles defendem – muitas delas, nobres, como a conscientização sobre as mudanças climáticas – podem ser prejudicadas. A resposta emocional a um militante que cola as próprias mãos à moldura de um quadro de Goya ou Botticelli, como já aconteceu, é francamente negativa.

A fúria dos jovens é um dos fatores que empurram a humanidade para a frente. Revoluções acontecem quando eles se tornam uma parcela expressiva da população. Mas a garotada, pela própria inexperiência de vida, ainda não conhece as reais consequências de seus atos, e tem uma dificuldade enorme em admitir qualquer erro. Enquanto isto, sopas e cremes diversos voam ao encontro de telas famosas.

Já pensou se a moda pega no Brasil? O estrago que poderia ser feito na mostra permanente do Masp onde o visitante tem contato próximo com as telas, longe de qualquer vigilância ostensiva?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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