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Tony Goes

Léo Lins é abominável, mas será que deve ser censurado?

Suposto humorista se vende como o 'proibidão', posando amordaçado

Léo Lins, humorista
O comediante Léo Lins - Reprodução/@leolins
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São Paulo

Léo Lins é um escroto. Suas piadas são ofensivas para negros, gays, mulheres, indígenas, velhos, deficientes físicos, gordos e pessoas com um mínimo de bom senso. Minha amiga Mariliz Pereira Jorge diz em sua coluna que o suposto comediante "não poupa ninguém". Só que ele poupa. Adivinha qual é o único grupo que não é alvo de seus insultos? O dele: o dos homens brancos cisgêneros heterossexuais.

É uma minoria que ainda domina a maior parte do mundo, mas que vem perdendo prestígio. Sob essa ótica, as tiradas preconceituosas de Léo Lins fazem parte da mesma reação do patriarcado ao avanço dos direitos da minoria. Uma reação que levou a extrema-direita ao poder em muitos lugares, inclusive no Brasil.

Esta semana, Léo Lins esteve mais do que nunca em evidência. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o vídeo de seu especial de stand-up, "Perturbador", fosse retirado do YouTube. Além disso, o cara tem que se apresentar uma vez por mês às autoridades, e não pode sair de São Paulo sem autorização judicial.

Diversos humoristas saíram em defesa de Lins. Ou não exatamente dele, mas da liberdade de expressão. O mais proeminente foi Fábio Porchat, que escreveu "isso aqui é uma vergonha! Inaceitável!" numa postagem no Twitter, junto com um link para a notícia da proibição de "Perturbador".

Porchat cometeu um pecado capital em tempos de internet. Postou uma frase contundente, sem maiores explicações. Muita gente leu e entendeu que ele aprecia o humor abjeto de Léo Lins. Foi o bastante para que um dos fundadores do Porta dos Fundos, que se notabilizou pelo humor inclusivo e progressista, fosse imediatamente cancelado.

A fúria santa dos internautas também deu espaço a uma definição equivocada do humor. Houve quem dissesse que é perfeitamente possível fazer rir sem ofender ninguém, e dá-lhe exemplo de piada boba e meme inofensivo. Mas a galera se esquece de que não existe humor a favor. O humor é sempre crítico, é sempre do contra –e, dependendo de sua carga ou da sensibilidade de seu alvo, muitas vezes é ofensivo.

Bobagens à parte, este episódio ressuscitou um debate que andava meio esquecido: os limites do humor. Sou da opinião de que esse limite, em última instância, é a graça. E absolutamente todas as supostas piadas de Léo Lins não têm a mínima graça, portanto ele não pode ser chamado de humorista.

Mas a graça também é subjetiva. Não falta quem role de rir com Léo Lins. Seus shows já estavam abarrotados antes dessa polêmica, e agora devem lotar ainda mais. Mariliz tem razão em dizer que a censura não muda nada: o problema maior é esse tipo de humor ainda fazer tanto sucesso.

Léo Lins merece todo o desprezo do mundo. Mas merece que seu especial seja retirado do YouTube? Boa pergunta. Eu faço parte de algumas das minorias que ele ataca, mas (ainda) não me revolto o suficiente para querer calá-lo. Porque acho o precedente perigosíssimo.

Hoje é a esquerda quem reclama, mas amanhã a direita pode muito bem querer censurar piadas sobre religião ou a família tradicional. Eu também defendo o direito de ofender: quem se sentir ofendido, que recorra à Justiça. Além do mais, muito do que Léo Lins diz pode ser considerado crime. Portanto, que se aplique a lei.

"Se a piada não incitou o ódio e a violência, ela é só uma piada". Fábio Porchat escreveu isso num dos longos tuítes que postou para se defender, depois de ser atacado nas redes sociais. Acho Porchat brilhante, mas este argumento me parece tão pífio quanto os dos pastores evangélicos que dizem que a homofobia se caracteriza quando há violência física. Se o gay "só" foi xingado, barrado num estabelecimento ou impedido de se casar com quem ama, mas saiu sem um arranhão, então ele não foi vítima de homofobia. Então tá.

Da mesma forma, o suposto humor de Léo Lins está inserido num esquema muito mais amplo de repressão às minorias, que volta e meia descamba até mesmo em assassinatos. Agora, como lidar com isto? Porchat sugere que quem não gosta não deve consumir esse tipo de humor. Mas quem gosta continua consumindo, e talvez saia por aí reproduzindo preconceitos e gerando ainda mais violência.

Há quem diga que Léo Lins deveria ser ignorado. Até porque esse barulho todo em torno dele vem sendo revertido como marketing pessoal. Já há algum tempo que o sujeito se vende como o humorista proibidão, aquele que não querem deixar falar. Em suas fotos promocionais, ele aparece algemado e amordaçado.

No fundo, Léo Lins e seu público não percebem como são ridículos, nem que seu tempo está acabando. Eles mesmos são dignos de riso. Não de risadinhas cúmplices, mas daquela gargalhada maldosa, que não reprimimos quando vemos um adversário se dar mal. Vocês já perderam, seus manés.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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