Marieta Severo: 'Atuar em italiano me recolocou em contato com a minha história'
Atriz estrela o filme 'Duetto', que estreia nesta quinta-feira (29)
Em 1969, com apenas 22 anos de idade e grávida de sua primeira filha, Marieta Severo foi morar na Itália. Não exatamente de livre e espontânea vontade: ela acompanhava seu então marido, o cantor e compositor Chico Buarque, que achou melhor sair do Brasil antes de ser preso pela ditadura militar.
Marieta desembarcou em Roma sem falar uma palavra em italiano. Em sua primeira ida a um ginecologista local, precisou fazer gestos para explicar como se sentia. Acabou aprendendo o idioma na marra, ao longo dos 14 meses em que viveu no país –e durante os quais deu à luz sua filha Sílvia.
"Foi um parto difícil, traumatizante. A obstetrícia era muito mais atrasada na Itália do que no Brasil", conta a atriz, em entrevista por videoconferência. "Meu médico sugeriu que eu fosse para a França, mas não dava. Quando engravidei pela segunda vez, não quis ter o bebê lá de jeito nenhum".
Meio século depois, Marieta Severo volta a falar italiano, no filme "Duetto". "Eu estava enferrujada, falei pouquíssimo nesses anos todos. Precisei treinar com um coach para recuperar a fluência. Eu nunca havia atuado em italiano antes, e essa experiência me recolocou em contato com a minha própria história. Com a menina de 22 anos, de barrigão, que precisou se exilar na Itália".
"Duetto" se passa em 1965. Marieta vive Lucia, uma italiana que emigra para o Brasil ainda jovem. Muitos anos depois, ao perder o filho adulto num acidente, ela volta pela primeira vez ao seu país natal acompanhada pela neta Cora, interpretada por Luisa Arraes.
A intenção explícita da viagem é vender um terreno em Polignano a Mare, na região da Apúlia, que Lucia divide com a irmã Sofia, que ficou na Itália. Mas o climão entre as duas é instantâneo, pois Sofia se casou com Gino, ex-noivo de Lucia. Não demora para que segredos do passado venham à tona.
"Tive que respirar muito para poder contracenar normalmente com o Giancarlo Giannini", afirma Marieta, referindo-se ao lendário ator que encarna Gino. "Venho de uma geração que foi criada pelo cinema italiano. Sou fã do Giannini desde os anos 1970, quando ele fez filmes como "Mimi, o Metalúrgico" e "Pasqualino Sete Belezas" com a diretora Lina Wertmüller".
Mas Marieta acabou ficando mais próxima de Elisabetta di Palo, que interpreta Sofia. A atriz, que aparece como a Elena Greco adulta no primeiro episódio da série "A Amiga Genial" (que a HBO insiste em chamar de "My Brilliant Friend"), manda até hoje para Marieta garrafas do azeite que produz em sua fazenda.
Apesar de quase toda a ação se passar na Itália, Marieta não viajou para lá. "Os atores italianos é que vieram para cá. Mas a Luísa e o Gabriel Leone gravaram algumas cenas externas em Polignano a Mare". Gabriel faz Carlo, um rapaz ítalo-brasileiro com que Cora, a personagem de Luisa, se envolve.
O elenco ainda conta com Michele Morrone, conhecido pelo público brasileiro como o sedutor mafioso Massimo da franquia erótica "365", da Netflix. Seu papel em "Duetto" é o do cantor Marcello Bianchini, que participa de um festival de música semelhante ao de Sanremo, o mais tradicional da Itália.
"Duetto" também é um dos dois filmes estrelados por Marieta lançados este ano. O primeiro, "Aos Nossos Filhos", estreou no primeiro semestre e é dirigido pela atriz e cineasta portuguesa Maria de Medeiros. O terceiro será "Domingo à Noite", de André Bushatsky, que será exibido no próximo Festival do Rio, em que Marieta também será homenageada. "A vida resolveu me presentear", celebra a atriz, que adora fazer cinema.
Ela também comemora o sucesso do neto Chico Brown, filho de sua filha Helena com Carlinhos Brown, que compôs várias músicas para o álbum "Portas", de Marisa Monte, e é um dos coautores de "Hino ao Inominável", música que escreveu com Pedro Luís e Carlos Rennó contra você sabe quem.
"Chiquinho pensou em sair do Brasil quando esse inominável foi eleito. Ele sabia que o racismo iria recrudescer. Minha neta loura não precisou dizer isso. Mas ele acabou ficando, porque a geração dele tem mais instrumentos para lutar. A consciência da questão racial se ampliou muito".
"Duetto" entra em cartaz nesta quinta (29), com roteiro de Rita Buzzar e João Segall e direção de Vicente Amorim.
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