Assistencialismo chega aos domingos da Globo pelas mãos de Luciano Huck
Caridade televisiva não tinha vez no antigo Domingão do Faustão
Luciano Huck caminha pela rua de um bairro humilde. Bate à porta de uma casa, e a moradora leva um baita susto ao reconhecê-lo. Bate em outras, e a reação de surpresa é sempre a mesma. Ele oferece presentes, recebe abraços, lágrimas se misturam aos sorrisos.
Em off, ouvimos a voz do próprio apresentador: “Nos últimos 20 anos, famílias do Brasil inteiro abriram as portas das suas casas para mim. E uma porta aberta é muito mais que um convite para entrar na casa de alguém. É uma oportunidade para conhecer a vida e os sonhos de quem mora ali. O que me deixa muito feliz. E agora uma nova porta se abriu e eu preciso te perguntar: eu posso entrar e passar o domingo na sua casa, junto com vocês?”.
Pois é, estamos a anos-luz de distância do “ô, pentelho!” de Fausto Silva. A primeira chamada do Domingão com Huck parece querer deixar claro que o estilo do novo ocupante das tardes de domingo da Globo é totalmente diferente do de seu antecessor.
Segundo minha colega Cristina Padiglione, a emissora quer suavizar a imagem elitista de Huck, mostrando-o como alguém simples e acessível. O colunista Chico Barney, do UOL, afirma que a chamada parece uma peça de propaganda eleitoral. E talvez seja mesmo: quem disse que o apresentador desistiu para sempre de suas ambições políticas?
O que me assusta é a chegada do assistencialismo aos domingos da Globo, até agora livres dessa praga recorrente dos programas de auditório. Desde a década de 1960, os apresentadores do gênero descobriram que explorar histórias de pessoas pobres e premiá-las no final dá audiência.
Do extinto quadro Portas da Esperança do Programa Silvio Santos (SBT), em que os aflitos só recebiam presentes se houvesse algum patrocinador disposto a bancá-los, ao pátio dos milagres que é a Hora do Faro (Record), o assistencialismo tem uma longa ficha de serviços prestados à TV brasileira.
Luciano Huck aderiu a ele com força quando passou a comandar o Caldeirão na Globo, lá se vão duas décadas. Antes, na Band, o apresentador frequentava o horário noturno e tinha um público mais jovem, de sua mesma idade naquela época. Mas foi obrigado a se adaptar às tardes de sábado, um horário em que basicamente só as classes C e D assistem à TV aberta. Huck enxergou no assistencialismo um jeito certeiro de atingir esse novo e imenso público.
Verdade seja dita: ele nunca resvalou para a caridade pura e simples, nem tentou forçar a emoção como Rodrigo Faro costuma fazer. Suas ações sempre vêm disfarçadas como ajuda ao empreendedorismo dos beneficiados. Huck acredita sinceramente na falácia de que todo ser humano é um empreendedor em potencial.
Quadros como Lata Velha, que hoje a Globo vende como um formato original no mercado internacional, até rendem boas histórias. Mas o que sobra no final é a imagem de Huck como salvador da pátria, defensor dos oprimidos, paladino da justiça social. Não admira que o bordão “ajuda, Luciano” tenha virado meme e ganho sua própria página no Facebook.
Agora o famigerado assistencialismo desembarca de mala e cuia nos domingos da Globo. Já começo a ter saudade da irreverência desbocada de Faustão, que não hesitava em dar broncas no ar em sua equipe e na própria cúpula da emissora.
Em tempo: a Globo anunciou os novos nomes de suas atrações de sábado e domingo. Respectivamente, Caldeirão com Mion e o já citado Domingão com Huck. No primeiro caso, faz sentido, pois Marcos Mion fica à frente do programa apenas até o final do ano, sendo substituído por um nome ainda não definido em 2022. Mas Domingão com Huck, ao invés de “do Huck”, também sugere algo transitório. Será que tem algo aí que ainda não sabemos?
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