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Tony Goes

Se MC Kevin fosse mulher, ninguém passaria pano

Funkeiro mereceu deferências da mídia apenas por ser homem

O cantor MC Kevin

O cantor MC Kevin Instagram/mckevin

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Eu já tinha ouvido falar do MC Kevin, nome artístico do funkeiro Kevin Nascimento Bueno, mas não conhecia suas músicas nem mesmo sua cara. Mesmo assim, a morte do rapaz no dia 16 de maio, com apenas 23 anos de idade, me chocou: alguém que podia estar a ponto de estourar em todo o Brasil se foi de maneira estúpida, e perfeitamente evitável.

A esta altura todo mundo já sabe que, no dia em que morreu, MC Kevin tinha bebido, fumado maconha, tomado MD e feito sexo a três com um amigo e uma "modelo fitness" (adoro o eufemismo), que cobrou R$ 2.000 pelo programa.

Quando achou que ia ser flagrado pela mulher, com quem estava casado havia apenas um mês, o funkeiro teve a ideia de pular para a varanda de outro quarto do hotel onde estava, no bairro carioca da Barra da Tijuca. Caiu na borda da piscina e morreu no hospital.

A comoção justificada por essa tragédia fez surgir um fenômeno curioso. Aqui no Brasil costumamos canonizar qualquer pessoa que morre, e vira pecado mortal lembrar de algum defeito do falecido. Com MC Kevin, este processo foi mais além.

Na quarta-feira seguinte ao acidente, dia 19 de maio, Ana Maria Braga entrevistou a mãe de MC Kevin no programa Mais Você (Globo), e não faltaram elogios ao "senso de família" e "responsabilidade" que ele tinha.

Na sexta, 21, no Melhor da Tarde de Cátia Fonseca (Band), os comentaristas elogiavam a trajetória exemplar de Kevin, que saiu da favela e venceu na vida sem cair no crime.

Longe de mim qualquer moralismo, até porque eu sou a favor da legalização de todas as drogas. Também quero prestar toda a minha solidariedade à dor da família de MC Kevin. Ninguém merece passar pelo que eles estão passando.

Mas um cara que trai a mulher com uma profissional logo no primeiro mês de casado, depois de quase um dia inteiro regado a todo tipo de aditivo, é exemplo para quem?

Essa é só mais uma gigantesca passada de pano no mau comportamento masculino, algo frequente na cultura brasileira. A tolerância com os homens é infinitamente maior do que com as mulheres. Eles podem aprontar muito e até cometer crimes, que sempre surgirá alguém para acolhê-los.

Aqui, o próprio presidente da República se refere aos três filhos mais velhos como “garotos”, embora o mais novo do trio já tenha 37 anos. Todas as falcatruas que eles cometem são debitadas na conta dessa suposta imaturidade.

MC Kevin também era um "garoto", que trazia dinheiro honesto para casa. Não duvido e bato palmas. Só faço uma pergunta: como que a nossa mídia reagiria se uma funkeira morresse de modo parecido?

Digamos que uma cantora imaginária chamada MC Lalá tivesse o mesmo destino de Kevin. A notícia dessa morte seria algo como "MC Lalá se atira de quarto de hotel para não ser flagrada pelo marido com quem estava recém-casada, depois de transar a três com uma amiga e um garoto de programa e consumir muitas drogas e álcool". Essa pobre moça seria incensada como MC Kevin foi?

Pergunta retórica. Claro que já sabemos a resposta.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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