'Falas Femininas' emociona e faz pensar mesmo sem o impacto de 'Falas Negras'
No Dia da Mulher, especial da Globo dá voz a cinco brasileiras anônimas
O dia 20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, e a Globo marcou a data em 2020 exibindo “Falas Negras”, um especial idealizado por Manuela Dias e dirigido por Lázaro Ramos. A proposta era simples e direta: reunir atores negros para interpretar, com um mínimo de produção, textos e depoimentos de personalidades negras das mais diversas áreas, desde o século 17 até os dias de hoje. Uma tentativa de jogar luz sobre a sofrida história dos descendentes de africanos nas Américas, tantas vezes ignorada.
O programa escapou do didatismo porque, à medida que os personagens iam se tornando mais contemporâneos, aumentava a carga de emoção. O final explosivo trouxe Silvio Guindane como Neilton Matos Pinto, pai do menino João Pedro, assassinado na favela do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), e Tatiana Tibúrcio como Mirtes Souza, mãe de Miguel, o menino que caiu de um prédio no Recife (PE) enquanto estava sob os cuidados da patroa de sua mãe. Por esta atuação soberba, Tatiana recebeu o prêmio APCA de melhor atriz de 2020.
“Falas Negras” teve enorme repercussão, ampliada por uma coincidência trágica: o especial foi ao ar um dia depois do assassinato de Beto Freitas, um homem negro por dois seguranças de um supermercado Carrefour em Porto Alegre. A Globo decidiu então que “Falas Negras” seria o primeiro produto do Projeto Identidade, que transforma em especiais de TV temáticas da agenda social vinculadas a datas do calendário.
O segundo programa do “Projeto Identidade” vai ao ar na noite desta segunda (8), Dia Internacional da Mulher. Dirigido por Patricia Carvalho e Antonia Prado, o especial "Falas Femininas" segue uma linha diferente de seu antecessor. A única atriz em cena é Fabiana Karla, que age como mediadora de um bate-papo entre cinco brasileiras anônimas que expõem suas vidas e debatem seus problemas e perspectivas.
As cinco são de origens, faixas etárias, religiões e profissões diferentes. A fluminense Carol DallFarra, 26, é poeta e estuda geografia na UFRJ. A paulista Cristiane Sueli de Oliveira, 44, é auxiliar de enfermagem. A baiana Gleice Araújo Silva, mais conhecida como Ruana, 29, tem uma barraca de drinks na praia. A também baiana Sebastiana dos Santos Oliveira, a Tina, 47, é faxineira em São Paulo. Por fim, a piauiense Maria Sebastiana Torres da silva, 59, é agricultora e começou a frequentar a escola há apenas dois anos.
Apesar das diferenças, as cinco têm muito em comum. São todas de classe baixa. Também são todas negras ou pardas, segundo a classificação do IBGE. Quatro delas têm corpos volumosos que não se encaixam nos padrões da indústria da moda, mas predominam entre as brasileiras. Quatro delas também não contaram com ajuda masculina, de pais ou maridos, para superar os inúmeros obstáculos que enfrentam até hoje.
Se não são assim tão diversas entre si, as cinco protagonistas de “Falas Femininas” representam de maneira bastante fiel a imensa maioria das mulheres do nosso país. A equipe do programa acompanhou o cotidiano de cada uma, e depois trouxe todas para a sede da Globo em São Paulo, onde se mostraram articuladas e conscientes durante a conversa com Fabiana Karla.
Tecnicamente, “Falas Femininas” é perfeito. Bem dirigido, bem fotografado, bem editado (por uma equipe quase toda feminina, aliás). O que falta ao programa é uma certa originalidade. Por mais que se esteja dando voz a mulheres anônimas, elas também são figuras frequentes na televisão, de programas femininos como Encontro com Fátima Bernardes (Globo) a atrações populares como Hora do Faro (Record) e Caldeirão do Huck (Globo), que transformam o assistencialismo em diversão para as massas. O próprio “Falas Femininas” resvala para esse lado no final ao dar um banho de loja em suas personagens no maior clima de “rainha por um dia”.
As cinco mulheres de “Falas Femininas” também são variantes do estereótipo da “mulher guerreira”, a protagonista mais habitual das nossas telenovelas – a Lourdes de “Amor de Mãe” (Globo) é só o exemplo mais recente. Essa familiaridade atenua o impacto do especial que em nenhum momento dói no estômago como “Falas Negras” doeu.
Mesmo assim, é um belo programa, que emociona e faz pensar. É surpreendente que ainda vivamos sob o patriarcado, porque, se dependesse dos milhões de homens que abandonam suas famílias, já estaríamos extintos há muito tempo. São mulheres como Carol, Cristiane, Ruana, Sebastiana e Tina que fazem Brasil rodar.
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