Paola Carosella tem razão: a obesidade faz mal à saúde
Cancelamento da chef é mais um exagero do tribunal da internet
A Mauritânia, na África Ocidental, é uma das nações mais pobres do mundo. Com quase todo seu território ocupado pelo deserto do Saara, o país tem uma agricultura tão incipiente que, por lá, a gordura é um símbolo de status. Ao ponto de muitas famílias escolherem uma das filhas para engordar: quanto mais obesa a moça for, maiores suas chances de arranjar um bom casamento.
A verdade é que uma mulher de corpo roliço sempre foi considerada mais desejável por quase todas as culturas humanas. Um sinal de saúde e de riqueza, qualidades que toda noiva sonha em ter. Foi só a partir de meados do século 20 que a magreza se tornou o padrão de beleza das sociedades ocidentais. Muito por causa da expansão dos esportes, onde as vitórias dependem de condicionamento físico, e também da indústria da moda, que prefere modelos esguias para exibir suas criações.
Hoje este padrão é questionado, e com razão. Porque, para muita gente, ele é simplesmente impossível. Não há dieta balanceada ou rotina de exercícios que consiga transformar numa sílfide alguém que tenha uma propensão genética a ser mais encorpado. O resultado dessa pressão constante por medidas supostamente perfeitas são lágrimas, frustrações, baixa autoestima, distúrbios alimentares e até suicídios.
Muitos médicos afirmam, inclusive, que não há nada de errado em estar um pouco acima do chamado peso ideal. Inúmeros “cheinhos” levam vidas longas e saudáveis. Boa parte da cultura contemporânea reconhece este fato e até o celebra, com atitudes positivas que levam à ampliação do conceito de beleza.
Obesidade é outra coisa. É algo a ser combatido, e não por razões estéticas. O risco de problemas graves de saúde, como diabetes e doenças cardíacas, aumenta exponencialmente para os muito gordos. Várias moças da Mauritânia morrem cedo, fulminadas por infartos.
Foi isto que a chef Paola Carosella quis dizer num tuíte postado no dia 22 de julho. A jurada do “MasterChef Brasil” (Band) participava de uma discussão pública sobre o que seria a “comida do futuro”, que supostamente recriará em laboratório alimentos como carne e cereais. Em dado momento, Paola respondeu assim a um seguidor, que defendia a “comida impressa industrializada”:
“Já tentou agroecologia? Comida de verdade? Feita por pessoas? Agricultura local? Comida que respeita a cultura? Comida que respeita biomas? Que respeita pessoas? Que não produz miséria? Aquela saudável, que não nos deixa obesos, hipertensos...”
É preciso muita má vontade para achar algo ofensivo nesta defesa da alimentação saudável e natural, mas o tribunal da internet conseguiu. O pomo da discórdia foi a palavra “obesos”, que suscitou acusações de gordofobia contra a chef argentina.
Gordofobia é tratar mal alguém que está acima do peso. É tirar sarro, é chamar de feio, é negar oportunidades profissionais ou fazer julgamento moral. Paola Carosella não fez nada disso: apenas apontou que a comida hiperprocessada pode levar à obesidade, uma condição física extrema que abre a porta para uma enxurrada de enfermidades.
Paola seguiu na discussão por mais dois dias, o que irritou a parte mais obtusa da blogosfera. Na sexta (24), ela mesma admitiu que estava sendo “cancelada”, com uma certa dose de ironia. No sábado (25), jogou a toalha: pediu desculpas e disse que deveria ter usado a palavra “doentes” no lugar de “obesos”.
Não acho que Paola Carosella deva desculpas a ninguém, até porque, neste caso, a parte ofendida foi ela. Mas entendo que tenha querido se livrar, o mais rápido possível, de uma aporrinhação desnecessária.
Suas desculpas tampouco mudam um fato incontornável: a obesidade faz mal à saúde. Mas, enquanto muitos integrantes do tribunal da internet não entenderem isto, continuarão perseguindo à toa gente bacana e correta. Como se, nas redes sociais, não houvesse vilões de verdade que mereçam ser atazanados.
Comentários
Ver todos os comentários