Mesmo com protagonista prostituta, 'Amor Sem Igual' é pueril e antiquada
Novela de Cristianne Fridman estreou na Record nesta terça (10)
A Record inventou um novo gênero na teledramaturgia brasileira: a novela bíblica. Sem concorrentes no filão, a emissora passou quase uma década aperfeiçoando-o. O resultado é que títulos recentes, como “Jezebel”, têm valores de produção muito superiores aos primeiros exemplares do estilo.
Enquanto isso, a Record descuidou das tramas contemporâneas. Nenhuma delas alcançou bons índices de audiência nos últimos anos, ofuscadas pelo sucesso de “Os Dez Mandamentos” (2015) e similares.
Só recentemente que o canal, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, voltou a ter uma produção consistente de novelas sem mensagens religiosas, ambientadas nos dias de hoje. O êxito relativo de “Topíssima” animou a Record a voltar a investir em histórias mais realistas, mais conectadas ao Brasil de hoje. Quer dizer, mais ou menos.
Digo isto porque “Amor Sem Igual”, que estreou nesta terça (10), pode até parecer, de relance, um folhetim disposto a denunciar nossas mazelas sociais. Afinal, a protagonista é a prostituta Angélica (Day Mesquita), mais conhecida como Poderosa.
Só que, de perto, “Amor Sem Igual” é só uma fantasia, e das mais bobinhas. Pior: é uma novela antiquada, que poderia ter sido realizada há mais de 20 anos. Inclusive em quesitos como direção, edição, direção de arte e iluminação.
Inclusive, aliás, na escalação do elenco, de uma branquitude de doer no olho. Nenhum ator negro teve falas no capítulo de estreia. Só dois orientais abriram a boca – e um deles ainda falou com um caricato sotaque chinês.
Poderosa é uma prostituta de baile de carnaval. Veste-se de maneira espalhafatosa, com muitos brilhos e decotes. Sua beleza é lendária. No entanto, ela não trabalha em uma boate ou mesmo em um “privê”, como sua colega Bruna Surfistinha. Seu “escritório” é dos mais degradantes possíveis: à beira de uma rodovia, ao lado de um posto de gasolina. Como ela consegue cobrar R$ 300 por programa, quando seus clientes costumam ser humildes caminhoneiros?
Outros mistérios percorreram o primeiro capítulo da novela. Bernardo (Heitor Martinez, encarnando um vilão pela enésima vez) é um assassino profissional contratado para eliminar Angélica, ainda não sabemos por quê. Sua primeira investida é perseguir, com seu próprio carro, a caminhonete onde ela pegou uma carona. Acaba provocando um enorme acidente e vai embora feliz, crente que cumpriu sua missão. Sem ver que sua vítima, é claro, escapou quase ilesa.
Só no final do episódio é que o malvado tenta o óbvio: contratar a moça para um programa. Matar uma mulher em tamanha situação de vulnerabilidade não requer nenhum plano mais elaborado.
Antes disso, Angélica conheceu seu futuro amor sem igual, Miguel (o inexpressivo Rafael Sardão). Ainda antes, desfilou pela avenida Paulista e pela rua Oscar Freire, o endereço das lojas mais caras de São Paulo. Entrou em uma delas e comprou um caríssimo pashmina; palmas para Cristianne Fridman, que conseguiu resistir à tentação de copiar uma cena famosa do filme “Uma Linda Mulher”.
“Amor Sem Igual” não é exatamente uma novela ruim. Seu texto não é pior do que o de “A Dona do Pedaço” (Globo), o maior sucesso de 2019. Mas sua premissa é tola e sua realização, pobrinha.
Parece que, depois de tanto tempo na Terra Santa e no Antigo Egito, a Record e sua parceira habitual na dramaturgia, a produtora Casablanca, desaprenderam como se faz um folhetim contemporâneo. Ainda estão presas na década de 1990. Esse “Amor” já teve iguais, e melhores.
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