Je Suis Porta dos Fundos
Não importa se você não acha graça no grupo: chegou a hora de defendê-lo
Uma linha foi cruzada esta semana. O prédio onde fica a sede do Porta dos Fundos, no bairro carioca do Humaitá, foi alvo de um atentado terrorista, na madrugada de terça (24).
Imagens gravadas por câmeras de segurança mostram três encapuzados atirando coquetéis molotov na portaria do edifício e fugindo em seguida. O incêndio causado pelas bombas foi rapidamente controlado e ninguém se feriu, mas isto não diminui a gravidade do caso.
Nesta quarta (25), dia de Natal, um grupo que se diz integralista (a variante brasileira do fascismo) assumiu a autoria do ataque. O vídeo divulgado pelo tal “Comando de Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira” mostra a ação dos mascarados por outro ângulo, o que torna mais crível sua declaração de culpa.
O Porta dos Fundos vem recebendo pesadas críticas desde o início de dezembro, quando lançou na Netflix o especial de Natal “A Primeira Tentação de Cristo”. O programa mostra um Jesus em dúvida quanto à sua missão divina, e com nítidas tendências homossexuais. No final, ele aceita ser o Messias e destrói o demônio que o tentou no deserto, mas nada disso importou aos queixosos. Para eles, só fato de insinuar que Jesus fosse gay já é uma blasfêmia.
Uma petição online pedindo à Netflix que retire o especial de sua grade já angariou mais de um milhão de assinaturas. Um deputado federal quer proibir o programa, reinstalando a censura no Brasil. Deputados estaduais de São Paulo pretendem implantar uma “CPI do Porta dos Fundos”.
Todas essas reações, por questionáveis que sejam, são legítimas. Há muito oportunismo nas falas de alguns políticos que investem contra o grupo, e fica patente que muitos sequer viram o especial de 2019 até o fim. O curioso é que o especial de 2018, premiado com o Emmy Internacional, mostrava um Jesus adúltero, desonesto e beberrão, e não gerou maiores reclamações.
Jogar bomba, ainda que na calada da noite e sem ninguém por perto, é bem outra coisa. É crime. É uma violência inadmissível, ainda mais vinda de gente que se diz cristã – e na época do Natal, ainda por cima.
A violência religiosa não é novidade no Brasil de hoje. Terreiros de candomblé vem sendo destruídos por evangélicos pelo país afora. Um grupo católico radical tentou impedir, no Rio de Janeiro, a celebração de uma missa com elementos africanos. Agora temos nosso primeiro atentando a bomba. Falta quanto para o primeiro morto?
É por isto que eu bato no peito e declaro em alto e bom som: je suis Porta dos Fundos. E não é porque eu seja fã do grupo desde 2012, nem porque eu realmente tenha rido muito com “A Primeira Tentação de Cristo”. É porque eu acredito na liberdade de expressão, no estado laico e na não violência para a resolução dos conflitos.
É fundamental que os culpados por esse atentado vil sejam presos, julgados e condenados. Não tem essa de “ah, mas o Porta dos Fundos bem que provocou”. O verdadeiro cidadão de bem recorre à Justiça quando se sente ofendido, não ao coquetel molotov. O verdadeiro cristão oferece a outra face.
Je suis Porta dos Fundos, e você também deveria ser.
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