Tony Goes

Prêmio Bibi Ferreira quer ser o maior do teatro brasileiro, mas ainda falta chão

Além de musicais, premiação incluiu peças convencionais em sua sétima edição

Alessandra Maestrini e Miguel Falabella mestres de cerimônia do Prêmio Bibi Ferreira do ano passado no Teatro Renault
Alessandra Maestrini e Miguel Falabella mestres de cerimônia do Prêmio Bibi Ferreira do ano passado no Teatro Renault - Karime Xavier/ Folhapress
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Criado em 2013 pelo ator e produtor Marllos Silva, o Prêmio Bibi Ferreira nunca escondeu sua ambição: ser o equivalente nacional dos Tony Awards, a mais importante premiação do teatro americano.

Os Tonys premiam apenas musicais e peças convencionais (ou “de prosa”) que estreiam na região da Broadway, em Nova York. Mesmo cobrindo uma área tão restrita, têm repercussão mundial.

Já o Bibi Ferreira nasceu como uma premiação exclusiva do teatro musical, apenas para espetáculos produzido na cidade de São Paulo. Mas, em 2019, ao chegar à sua sétima edição, o prêmio decidiu criar mais 11 categorias, voltadas ao teatro convencional.

São Paulo não tem um “distrito teatral” como Londres ou Nova York. Para se aproximar de seu modelo da Broadway, o Bibi Ferreira criou uma regra curiosa: só podem concorrer peças encenadas em teatros para, no mínimo, 400 pessoas.

Isto deixou de fora dezenas de espetáculos importantes, como “A Golondrina” ou “A Milionária”, que vêm sendo agraciados em outras premiações teatrais. Por outro lado, o Bibi Ferreira permitiu que peças estreadas há anos, mas ainda em cartaz em São Paulo durante o período de elegibilidade, pudessem competir.

O resultado foi que algumas categorias incharam (melhor musical tinha sete candidatos) e outras murcharam (dramaturgia em peça de teatro contava com apenas duas indicadas). Tomara que esta distorção seja corrigida nos próximos anos.

A cerimônia de entrega do Bibi Ferreira de 2019 aconteceu nesta terça (24), no suntuoso Teatro Renault, na região central de São Paulo. Foi a mais grandiosa e bem produzida até hoje, apesar de falhas pontuais como microfones que não funcionavam ou um teleprompter com letrinhas ilegíveis.

Alessandra Maestrini e Miguel Falabella mais uma vez conduziram os trabalhos, com a verve habitual. O ótimo número de abertura foi um belo tributo ao teatro e ainda contou com uma homenagem à atriz e roteirista Fernanda Young, morta há um mês.

 

Mais adiante, outro número elaborado homenageou a própria Bibi Ferreira, morta em fevereiro passado, com a participação, entre outras, de Amanda Acosta, Ingrid Guimarães e Laila Garin. No encerramento, uma bizarra saudação ao cinema, misturando temas de “Cabaret”, “Moulin Rouge”, “Sweet Charity” e “A Chorus Line”, todos musicais que foram adaptados para a telona.

Claro que a política deu as caras nos discursos de agradecimento. Premiados como Fábio Assunção (melhor ator coadjuvante em peça, por “Dogville”) ou Tuna Dwek (melhor atriz coadjuvante em peça, por “A Noite de 16 de Janeiro”) lembraram que o teatro, assim como toda a arte brasileira, vêm sendo tratado como inimigo público por parte dos nossos governantes. Tampouco faltaram vivas a Fernanda Montenegro.

Tal como acontece no Oscar e no Tony, alguém precisa avisar à plateia do Bibi Ferreira para não aplaudir durante o segmento “In Memoriam”, que homenageia os artistas e técnicos falecidos no ano anterior. Os aplausos devem vir só no final: caso contrário, o tributo vira (como de fato virou) um constrangedor concurso de popularidade, com os nomes famosos arrancando loas do público, enquanto os menos conhecidos são recebidos com silêncio.

A premiação em si também teve suas esquisitices. A ausência de Marisa Orth entre as cinco finalistas a melhor atriz em musical chega a ser uma afronta (ainda mais quando o espetáculo que protagonizou, “Sunset Boulevard”, recebeu oito indicações).

Felizmente, Falabella e Maestrini deram uma de Kanye West no anúncio da vencedora: invadiram o palco, ela vestida como a personagem Norma Desmond, ele com uma camiseta onde se lia “Marisa Orth Rules” (algo como Marisa Orth reina), para protestar contra a injustiça. O troféu foi para Larissa Luz, de “Elza”.

Os principais prêmios da noite foram ainda mais estranhos. Melhor peça foi para a comédia “Baixa Terapia”, que estreou em 2017. Melhor musical, para “O Fantasma da Ópera” – a segunda versão brasileira do espetáculo, e praticamente um xerox da montagem que estreou em Londres em 1986. Dois grandes sucessos de público, sem dúvida – mas longe de representar o melhor que se fez nos palcos paulistanos nos últimos doze meses.

Resumo da ópera: o Prêmio Bibi Ferreira enfrenta as dores do crescimento. Esta sétima edição foi nitidamente de transição, com derrapadas perfeitamente saneáveis no futuro. Falta muito para se tornar o Tony Awards tupiniquim, mas vontade não lhe falta.

Com mais divulgação (e, quem sabe, transmissão pela TV – por enquanto, só pela internet), ele tem tudo para se consolidar como um evento fundamental, que celebra uma atividade econômica importantíssima para a cidade de São Paulo, que movimenta cerca de um bilhão de reais por ano: o teatro. Palmas para ele. 


PRÊMIOS PARA PEÇAS CONVENCIONAIS
Melhor Peça: “Baixa Terapia”
Melhor Diretor: Jorge Farjalla, “O Mistério de Irma Vap”
Melhor Ator: Luís Miranda e Mateus Solano, “O Mistério de Irma Vap”
Melhor Atriz: Suley Franco, “Quarta-Feira, Sem Falta, Lá em Casa”
Melhor Ator Coadjuvante: Fábio Assunção, “Dogville”
Melhor Atriz Coadjuvante: Tuna Dwek, “A Noite de 16 de Janeiro”
Melhor Cenografia: Marco Lima, “O Mistério de Irma Vap”
Melhor Figurino: João Pimenta, “Dogville”
Melhor Dramaturgia: Julia Sapadaccini, “A Porta da Frente”
Melhor Desenho de Luz: César Pivetti, “O Mistério de Irma Vap”


PRÊMIOS PARA MUSICAIS
Melhor Musical: “O Fantasma da Ópera”
Melhor Musical Brasileiro: “Elza”
Melhor Direção: Duda Maia, “Elza”
Melhor Ator: Beto Sargentelli, “Os Últimos Cinco Anos”
Melhor Atriz: Larissa Luz, “Elza”
Melhor Ator Coadjuvante: Pedro Arrais, “As Cangaceiras”
Melhor Atriz Coadjuvante: Inah de Carvalho, “Billy Elliot”
Melhor Roteiro Original: Vinícius Calderoni, “Elza”
Melhor Letra e Música: Elton Towersey e Vitor Rocha, “Se Essa Lua Fosse Minha”
Melhor Direção Musical: Daniel Rocha, “Annie”
Melhor Arranjo Original: Letieres Leite, “Elza”
Melhor Coreografia: Katia Barros, “Annie”
Melhor Cenografia: Matt Kinley, “Sunset Boulevard”
Melhor Figurino: Fause Haten, “Sunset Boulevard”
Melhor Visagismo: Beto Franca e Feliciano San Roman, “Sunset Boulevard”
Melhor Versão: Fernanda Maia e José Henrique de Paula, “Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812”
Melhor Desenho de Som: Gabriel D’Angelo, “Annie”
Revelação em Musicais: Cia. Nisi, “Rua Azuza”
Melhor Musical – Voto Popular: “O Fantasma da Ópera”

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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