Tony Goes

Primeiro Carnaval da era Bolsonaro é o mais politizado em anos

Apoiadores tentam coibir protestos, mas irreverência fala mais alto

O artista plástico Marcelo Oliveira, 48, e a atriz Fernanda Maia, 40, reproduziram em papelão um caixa eletrônico da Alerj
O artista plástico Marcelo Oliveira, 48, e a atriz Fernanda Maia, 40, no desfile do Boitolo, no Rio; foliões fizeram críticas ao governo Bolsonaro e ao esquema de laranjas do PSL - Ana Luiza Albuquerque/Folhapress
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Na sexta-feira (1º), a Polícia Militar de Minas Gerais tentou proibir que o bloco Tchanzinho Zona Norte, de Belo Horizonte, entoasse refrões contra o presidente Jair Bolsonaro e a favor do ex-presidente Lula.

Segundo testemunhas, um capitão da PM avisou que a corporação não garantiria a segurança das 70 mil pessoas que pulavam no bloco, se elas continuassem “falando mal do Bolsonaro e defendendo Lula, que é um vagabundo” (sic).

Não adiantou muito. A turba seguiu cantando que “Bolsonaro é o cara***”. E a ameaça do policial pegou mal, virando manchete no país inteiro. 

Este não foi um caso isolado. De norte a sul, blocos, cordões e aglomerados amorfos de foliões embriagados bradaram palavras de ordem contra o novo governo. Também não faltaram fantasias de laranja, Jesus na goiabeira e meninos de rosa/meninas de azul.

Isto era mais do que esperado. Afinal, não existe Carnaval a favor: a folia é uma das poucas válvulas de escape da população brasileira, que, desde o século 19, se aproveita dela para criticar os poderosos de plantão.

Mas os bolsominions (como são apelidados os apoiadores mais fanáticos do presidente) foram pegos de surpresa. Muitos deles têm certeza de que elegeram um ditador, e que o Brasil voltou aos tempos mais duros do regime militar. Para essa turma, é proibido falar mal do governo. Mandá-lo "tomar no c*", então, é crime de lesa-majestade.

Lembro bem do dia em que Dilma Rousseff levou seu primeiro “vai tomar no c*”. Foi na abertura da Copa do Mundo de 2014, em pleno Maracanã. As “Jornadas de Junho” haviam acontecido um ano antes e o clima político do país não exalava mais a euforia do final do segundo governo Lula. 

Mesmo assim, as vaias e os xingamentos chocaram os petistas. Houve quem se escandalizasse com o desrespeito à mulher, à mãe, à avó e à vítima de tortura que Dilma é. Poucos souberam ler que ali germinava o movimento que iria derrubá-la, menos de dois anos depois.

Dilma estava no quarto ano de seu governo quando foi mandada para aquele lugar. Bolsonaro tem apenas dois meses na cadeira presidencial, mas já coleciona trapalhadas, declarações infelizes e até mesmo denúncias graves em número bem maior do que qualquer outro governo no princípio.

Portanto, é mais do que natural que o carnaval de rua, que ressuscitou com força total na última década, escolhesse o presidente e seus ineptos ministros como alvo preferencial.

Escrevo esta coluna na segunda-feira (4) de manhã. Na madrugada para terça-feira (5), a Mangueira trará para o sambódromo carioca um enredo escancaradamente político. O samba “História para Ninar Gente Grande” homenageia as mulheres corajosas do Brasil, inclusive a ex-vereadora Marielle Franco.

Como será que a claque de Bolsonaro irá reagir? Acho bom já ir se acostumando.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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