Scarlet Johansson desistir de personagem trans é positivo, mas também perigoso
Atriz abdicou de fazer um personagem transgênero no filme 'Rub & Tug'
Em 2006, Felicity Huffman foi indicada ao Oscar de melhor atriz por “Transamerica”. Em 2014, Jared Leto ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por “Clube de Compras Dallas”. Jeffrey Tambor venceu o Emmy de melhor ator em série cômica por dois anos seguidos, 2014 e 2015, por “Transparent”.
Todos eles são atores cisgênero (que se identificam com seu gênero de nascença) que ganharam prêmios por interpretar personagens transgênero. Os três foram citados por Scarlett Johansson –ou por um representante dela, ainda não ficou claro– quando a atriz começou a ser atacada nas redes sociais por ter aceito fazer uma mulher trans no filme “Rub & Tug”.
Na sexta (13), no entanto, Scarlett anunciou que abdicava do papel, depois de ouvir as críticas e os apelos da comunidade trans. Sua reviravolta pessoal reflete uma maior, pela qual a sociedade inteira está passando. Até pouco tempo atrás, ninguém piscava um olho se um ator cis fosse escalado para um personagem trans. Agora cresce a resistência, porque há pouquíssimo trabalho para os atores trans. Nem a si mesmos eles têm a chance de interpretar.
Um movimento parecido aconteceu aqui no Brasil. Renata Sorrah estava escalada para encarnar uma vilã trans em “O Sétimo Guardião”, a próxima novela da Globo na faixa das 21h. Talvez temendo uma polêmica, a emissora acabou convidando a atriz trans Nany People para o papel.
Há alguns pontos a se considerar nesta mudança geral de atitudes. O maior saldo é positivo: existem inúmeros atores trans de enorme talento, que merecem as mesmas oportunidades que seus colegas cis. Discriminá-los pelo simples fato de serem transgênero é absurdo.
Mas também existe um perigo latente. Falta pouco para que surja uma regra, ainda que informal, que proíba atores cis de interpretar personagens trans em qualquer hipótese. Além de violar a liberdade artística, esta norma implicaria em uma consequência terrível para os artistas trans: só atores cis fariam personagens cis. E assim por diante, até que cada um só possa interpretar a si mesmo.
O site da revista The Hollywood Reporter perguntou a opinião do cineasta chileno Sebastián Lelio sobre o caso Scarlet Johansson. Lelio dirigiu “Uma Mulher Fantástica”, que venceu o Oscar de filme em língua estrangeira em fevereiro passado. A mulher do título é uma transexual, interpretada por Daniela Vega - uma atriz que também é trans na vida real.
“É verdade que (...) a escalação de um ator cis para um personagem trans é estética ou moralmente discutível –mas nunca deveria ser proibida. Quando eu escalei Daniela Vega para o meu filme, eu não estava dizendo que personagens transgênero devem ser feitos por atores transgênero. Só fiz o que parecia melhor para o meu filme”, disse o diretor ao site.
“Quando a liberdade artística é ameaçada, é um sinal de que a sociedade está se tornando autoritária, ou caminhando em direção a comportamentos e procedimentos que começam a cheirar a fascismo”.
Concordo com Lelio. E vou tentar resumir a polêmica: os atores trans precisam e merecem mais trabalho. Mas a melhor maneira de conseguir isto não é impedir os atores cis de encarnar personagens trans. É pressionar os produtores e os diretores de elenco a testar e contratar atores trans para papéis de cis. Claro que ainda falta muito para esta situação ideal, mas o debate já começou.
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