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Tony Goes

Scarlet Johansson desistir de personagem trans é positivo, mas também perigoso

Atriz abdicou de fazer um personagem transgênero no filme 'Rub & Tug'

A atriz Scarlett Johansson na estreia de "Avengers: Guerra Infinita", em abril de 2018
A atriz Scarlett Johansson na estreia de "Avengers: Guerra Infinita", em abril de 2018 - Reuters
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São Paulo

Em 2006, Felicity Huffman foi indicada ao Oscar de melhor atriz por “Transamerica”. Em 2014, Jared Leto ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por “Clube de Compras Dallas”. Jeffrey Tambor venceu o Emmy de melhor ator em série cômica por dois anos seguidos, 2014 e 2015, por “Transparent”.

Todos eles são atores cisgênero (que se identificam com seu gênero de nascença) que ganharam prêmios por interpretar personagens transgênero. Os três foram citados por Scarlett Johansson –​ou por um representante dela, ainda não ficou claro– quando a atriz começou a ser atacada nas redes sociais por ter aceito fazer uma mulher trans no filme “Rub & Tug”.

Na sexta (13), no entanto, Scarlett anunciou que abdicava do papel, depois de ouvir as críticas e os apelos da comunidade trans. Sua reviravolta pessoal reflete uma maior, pela qual a sociedade inteira está passando. Até pouco tempo atrás, ninguém piscava um olho se um ator cis fosse escalado para um personagem trans. Agora cresce a resistência, porque há pouquíssimo trabalho para os atores trans. Nem a si mesmos eles têm a chance de interpretar.

Um movimento parecido aconteceu aqui no Brasil. Renata Sorrah estava escalada para encarnar uma vilã trans em “O Sétimo Guardião”, a próxima novela da Globo na faixa das 21h. Talvez temendo uma polêmica, a emissora acabou convidando a atriz trans Nany People para o papel.

Há alguns pontos a se considerar nesta mudança geral de atitudes. O maior saldo é positivo: existem inúmeros atores trans de enorme talento, que merecem as mesmas oportunidades que seus colegas cis. Discriminá-los pelo simples fato de serem transgênero é absurdo.

Mas também existe um perigo latente. Falta pouco para que surja uma regra, ainda que informal, que proíba atores cis de interpretar personagens trans em qualquer hipótese. Além de violar a liberdade artística, esta norma implicaria em uma consequência terrível para os artistas trans: só atores cis fariam personagens cis. E assim por diante, até que cada um só possa interpretar a si mesmo.

O site da revista The Hollywood Reporter perguntou a opinião do cineasta chileno Sebastián Lelio sobre o caso Scarlet Johansson. Lelio dirigiu “Uma Mulher Fantástica”, que venceu o Oscar de filme em língua estrangeira em fevereiro passado. A mulher do título é uma transexual, interpretada por Daniela Vega - uma atriz que também é trans na vida real.

“É verdade que (...) a escalação de um ator cis para um personagem trans é estética ou moralmente discutível –mas nunca deveria ser proibida. Quando eu escalei Daniela Vega para o meu filme, eu não estava dizendo que personagens transgênero devem ser feitos por atores transgênero. Só fiz o que parecia melhor para o meu filme”, disse o diretor ao site.

“Quando a liberdade artística é ameaçada, é um sinal de que a sociedade está se tornando autoritária, ou caminhando em direção a comportamentos e procedimentos que começam a cheirar a fascismo”.

Concordo com Lelio. E vou tentar resumir a polêmica: os atores trans precisam e merecem mais trabalho. Mas a melhor maneira de conseguir isto não é impedir os atores cis de encarnar personagens trans. É pressionar os produtores e os diretores de elenco a testar e contratar atores trans para papéis de cis. Claro que ainda falta muito para esta situação ideal, mas o debate já começou.

Tony Goes

Roteirista e publicitário.

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