Final de 'O Outro Lado do Paraíso' teve bons momentos, mas não redimiu a ruindade da novela
Trama foi, de longe, pior trabalho de Walcyr Carrasco
Há anos que se vem falando do declínio da telenovela brasileira. O gênero estaria próximo do esgotamento criativo, repetindo velhas fórmulas. O público não teria mais paciência para tramas que se arrastam por meses, e muito menos para a "barriga" que quase toda novela tem. As séries —principalmente as que podem ser vistas sob demanda, a qualquer momento— seriam o futuro que já começou.
As audiências em queda pareciam confirmar esta tese, principalmente no horário mais nobre de todos: a faixa das 21h da Globo. As sucessoras de "Avenida Brasil" (2012) apresentaram números cada vez menores no Ibope.
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Até que a sangria foi estancada por "A Força do Querer" (2017), de Glória Perez, que ainda inovou ao dispensar uma única trama principal. E os números voltaram a subir com "O Outro Lado do Paraíso", que começou em outubro do ano passado e terminou nesta sexta (11).
Mas aconteceu um fenômeno curioso: o recém-findo folhetim de Walcyr Carrasco foi malhadíssimo pela crítica, que não perdoou os diálogos simplórios, os furos na lógica e as situações dignas de uma radionovela da década de 1950.
A última semana de "O Outro Lado do Paraíso" foi pródiga em momentos constrangedores, da maneira canhestra como o psiquiatra gay Samuel (Eriberto Leão) resolveu seu conflito com Adneia, sua mãe homofóbica (Ana Lúcia Torre), ao julgamento da vilã Sofia (Marieta Severo), com o autor tentando criar reviravoltas onde elas não cabiam mais.
Dito isso, o último capítulo até que não foi dos piores. Os dois primeiros blocos tiveram o contundente depoimento de Mariano (Juliano Cazarré), com o ator finalmente tendo a chance de usar seu talento. Não é a primeira vez que Cazarré é subutilizado por Carrasco: em "Amor à Vida" (2013) ele também foi esquecido, sem direito a uma grande cena no final.
Sofia não só foi condenada à prisão como imediatamente despachada para um manicômio judiciário, onde foi metida em uma camisa de força e submetida a eletrochoques assim que chegou. Um descalabro total, é claro —mas também um desfecho divertidamente cafona, como o de um dramalhão mexicano de 40 anos atrás.
Também houve momentos de emoção genuína. A morte de Caetana (Laura Cardoso), com a presença de Mercedes (Fernanda Montenegro), foi antológica, principalmente por causa da grandiosidade das duas atrizes.
Mas o clima de tristeza não durou muito, porque Pabllo Vittar foi ao velório! Parece piada, e foi. A drag cantora surgiu do nada, passou pelo caixão da defunta e segundos depois já estava cantando "K.O.", seu maior sucesso, no palquinho do bordel.
Totalmente gratuito e despropositado, mas também a deixa para a apoteose de Caetana. Só faltou Nossa Senhora recebendo-a no paraíso, um recurso que Carrasco não teve o menor pudor de usar na morte de Nicole (Marina Ruy Barbosa) em "Amor à Vida".
Também houve o costumeiro congestionamento de finais felizes, mas isto é comum a todas as novelas da Globo. Teve até namorada caindo do céu para o neo-bonzinho Gael (Sérgio Guizé), um truque que já era usado pelos escribas do antigo Egito.
Walcyr Carrasco exibe a mais impressionante folha corrida dos atuais autores da Globo. Desde que estreou na emissora, emplacou um grande sucesso atrás do outro —e em todos as faixas horárias, das 18 às 23h. Mas "O Outro Lado do Paraíso" ressaltou seus defeitos e escondeu suas qualidades. Foi, de longe, seu pior trabalho.
Não vai faltar quem diga que o sucesso perdoa qualquer deslize, que a voz do povo é a voz de Deus, etc. etc. Pois eu retruco: vamos ver se daqui a seis anos estaremos falando de Sofia, como ainda falamos de Carminha?
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