Beijo ainda causa comoção, mas personagens gays nas novelas precisam evoluir
Mostrar a homofobia é importante, mas ela não é o único conflito possível
Depois de sete longos meses, Cido (Rafael Zulu) e Samuel (Eriberto Leão) finalmente se beijaram. O casal gay de “O Outro Lado do Paraíso” (Globo) trocou um longo selinho no capítulo desta terça (8), e rachou a internet.
Houve quem aplaudisse a “sambada na cara da tradicional família brasileira”, adicionado o bônus do beijo também ter sido interracial. E houve quem se saísse com o manjado “não tenho nada contra os gays, mas a Globo-lixo não pode mostrar esse tipo de coisa para as crianças”. Como se o amor entre dois homens fosse o maior problema de um país onde se matam vereadoras e prédios caem com gente dentro.
De qualquer forma, a repercussão - tanta positiva quanto negativa - foi menor que a do primeiro beijo gay exibido no horário nobre, pouco mais de quatro anos atrás. Foi no último capítulo de “Amor à Vida” (Globo), não por acaso, do mesmo autor de “O Outro Lado do Paraíso”: Walcyr Carrasco.
Aliás, é curioso como, na novela atual, Carrasco repetiu em chave de comédia as linhas gerais da trajetória de Félix (Mateus Solano), o vilão-bicha de seu trabalho anterior, que terminou se redimindo.
Samuel também começou como um malvado, ajudando Sofia (Marieta Severo) a internar Clara (Bianca Bin) em um hospício. E também precisou lidar com um genitor preconceituoso - a mãe Adnéia (Ana Lúcia Torre), versão galhofeira do tacanho pai de Félix, César (Antonio Fagundes). No final, como em “Amor à Vida”, o amor venceu o ódio.
Só o fato de tantos internautas terem reclamado do beijo entre Samuel e Cido já prova que este tipo de cena ainda é necessário. Enquanto o Brasil profundo não entender que duas pessoas do mesmo sexo podem se apaixonar, se casar e constituir família, as novelas - e toda a cultura popular - têm a obrigação moral de mostrar que a homossexualidade é algo perfeitamente natural.
Mas também chegamos ao ponto em que os personagens gays da nossa teledramaturgia precisam dar um passo à frente. Não dá mais para eles serem definidos apenas por sua orientação sexual, e seu único arco dramático ser a luta que travam contra a homofobia.
Algo semelhante acontece com os nossos personagens negros, como eu apontei em uma coluna da semana passada. Está ficando monótono termos negros nas novelas com o único propósito de discutir o racismo. Uma pessoa negra é muito mais do que sua raça.
Claro que é fundamental que racismo e homofobia sejam retratados nas novelas, nosso mais importante produto cultural. Os dois problemas estão de tal forma entranhados no nosso DNA mental que não falta gente negando a existência de ambos.
Mas um gay também é muito mais do que sua orientação sexual. A TV americana já percebeu isto, e vem criando personagens homossexuais complexos e interessantes em séries como “Here and Now” (HBO) ou “Como Defender um Assassino” (Sony e Netflix).
Nas nossas séries produzidas para a TV paga, isto já começou a acontecer. Ainda falta a TV aberta. Um dia chegaremos lá.
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