Na TV brasileira, ator negro faz bandido, mas não faz vilão
Na lista de 44 atores escalados pela Globo para 'Segundo Sol', apenas quatro são negros
As chamadas da novela "Segundo Sol", que estreia no dia 14 de maio na faixa das 21h na Globo, reavivaram um debate que já vem acontecendo há algum tempo: por que há tão poucos atores negros nas novelas brasileiras?
A trama de João Emanuel Carneiro se passa na Bahia, estado onde dois terços da população se declaram pretos ou pardos. Entretanto, na lista de 44 atores escalados para a produção divulgada pela emissora, há apenas quatro atores negros.
Verdade que a Globo tentou minimizar o problema. Convidou Camila Pitanga para ser a protagonista da novela, mas a atriz recusou o papel –que acabou voltando para a branquíssima Giovanna Antonelli, a preferida do autor.
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Também chamou a negra Roberta Rodrigues para um personagem que, originalmente, seria da branca Carol Castro. Escaldada com a repercussão negativa de atores caucasianos interpretando japoneses na novela “Sol Nascente” (2016), o canal quis evitar que as redes sociais novamente reagissem mal. Não conseguiu.
A questão é complexa, e não se resolve com a escalação de um punhado de atores negros para papéis secundários. A Globo é, de longe, a emissora que tem o maior elenco negro. Na área administrativa, também é extremamente diversa, com muito mais negros que a maioria das empresas brasileiras.
No entanto, há uma escassez gritante de diretores e autores negros na Globo (e não só nela, é claro). E ainda há o detalhe considerável de que boa parcela do público se habituou aos elencos majoritariamente brancos, rejeitando alterações nesse “status quo”.
Como resolver o problema? Na TV americana, onde a polêmica existe pelo menos desde a década de 1970, quase não é mais concebível que uma série importante não tenha pelo menos um ator não-branco entre os principais.
Quatro séries atuais usam o truque de ter um personagem negro adotado por uma família branca: “Here and Now” (HBO), “This Is Us” (Fox), “Grace and Frankie” e “Perdidos no Espaço” (ambas da Netflix). É um pouco forçado, mas também é uma maneira de trazer um ator negro para a trama central.
Só que, às vezes, o drama que cabe a este personagem negro é justamente –e apenas– o fato de ele ser negro. Como que ele enfrenta o racismo cotidiano? Como se sente por ser diferente do resto de sua família adotiva?
Essa limitação dramatúrgica também acontece nas novelas brasileiras, e ainda com mais força. Vejamos a juíza Raquel (Erika Januza), de "O Outro Lado do Paraíso": o grande obstáculo do personagem é o fato de ele ser negro. Suas características psicológicas pouco importam; seu problema é externo.
Casos como esse são comuns a quase todos os papéis que cabem aos atores negros na nossa televisão. Raramente eles são convidados para personagens que poderiam ser de brancos (uma honrosa exceção foi o casal André e Carolina, interpretado por Lázaro Ramos e Camila Pitanga na novela “Insensato Coração” (2011), de Gilberto Braga e Ricardo Linhares.
O pior é que muitos desses personagens negros têm que ser exemplos de retidão e bondade. Isso já acontecia no filme americano “Adivinhe Quem Vem para Jantar” (1967), em que uma moça branca apresentava seu namorado negro à família. Para seduzir os pais dela –e a plateia racista– o rapaz tinha tantas qualidades que era praticamente um super-homem.
Os atores negros só estarão realmente integrados à TV não quando tiverem mais papéis, mas melhores papéis. Personagens complexos, cheios de contradições, e não só anjos de candura que sofrem por serem negros.
Por enquanto, os negros até fazem bandidos cruéis na teledramaturgia brasileira. Mas quando é que um ator negro vai encarnar um vilãozaço de folhetim, desses que encantam o público com suas maldades -como a Carminha de “Avenida Brasil” (2012) ou a Nazaré de “Senhora do Destino” (2004)? Aí sim, teremos dado um passo à frente.
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