O clima cultural mudou, e Woody Allen já está condenado
As primeiras acusações de assédio sexual contra Woody Allen surgiram em 1992, quando ele estava se separando de Mia Farrow. Na época, a atriz relatou a um psiquiatra que Dylan, filha adotiva do casal --então com sete anos-- havia lhe falado de abusos cometidos pelo pai.
Woody respondeu com um processo pedindo a guarda de seus três filhos com Mia --além de Dylan, mais um adotivo, Moses, e um biológico, Satchel, hoje conhecido como Ronan. Seguiu-se uma batalha judicial, uma investigação policial e um frenesi midiático que dura até hoje.
Aliás, que recrudesceu nos últimos meses. Vinte e cinco anos atrás, pouca gente deu crédito às acusações de Mia contra Woody. Porque elas soavam como a vingança de uma mulher traída. Seu ex-companheiro (os dois não só nunca se casaram, como sequer moraram juntos) seria um monstro completo. Além de seduzir Soon-Yi, filha adotiva de Mia com o maestro André Previn --e já maior de idade em 1992, apesar do que reza a lenda-- Woody teria sido capaz de atacar sexualmente uma criança de sete anos.
Dylan Farrow escreveu ao jornal "The New York Times", em 2014, confirmando as acusações feitas pela mãe. Seu irmão Ronan também saiu em público defendendo a versão da moça. Mas Moses, o outro irmão, disse que tudo não passava de manipulação de Mia Farrow, que teria feito a cabeça dos dois contra o pai. Novamente, poucos levaram a sério as denúncias.
Mas, na esteira das campanhas #MeToo e "Time’s Up" (ou “o tempo acabou”), que trouxeram à tona dezenas de escândalos sexuais no mundo do showbiz, Woody Allen se tornou radioativo de uma hora para a outra. O clima cultural mudou.
Primeiro foi Mira Sorvino (vencedora de um Oscar por um filme de Woody, “Poderosa Afrodite”) que se declarou arrependida de ter trabalhado com ele. Seguiram-se Greta Gerwig e Rebecca Hall. Timothée Chalamet, que estrela o próximo filme de Woody, doará seu cachê para ONGs que apoiam as vítimas de abuso sexual. Do jeito que a coisa vai, Woody Allen terá dificuldades para montar seu próximo elenco.
Uma única voz se levantou em Hollywood defendendo Woody: Alec Baldwin, que disse se orgulhar dos três filmes que rodou com o diretor. Aliás, defesa nem é o termo exato. Baldwin só alega que não podemos condenar ninguém antes do devido julgamento.
Concordo com ele. Para começar, as denúncias contra Woody Allen são diferentes das que pesam contra nomes como Harvey Weinstein, Kevin Spacey ou Bill Cosby --todos acusados por dezenas de pessoas adultas, por episódios que se repetiram ao longo de décadas.
A acusadora de Woody era uma criança em meio à tumultuada separação dos pais. Não estou dizendo que ele seja inocente: só aponto que as circunstâncias em torno do caso são complicadas.
Woody Allen carregará para a posteridade o fardo de ter se envolvido com Soon-Yi, quase 40 anos mais nova do que ele e ainda por cima filha adotiva de sua mulher (e com quem ele conviveu durante boa parte da infância dela).
Isso não o transforma automaticamente num devorador de criancinhas. Um pouco de serenidade, por favor, para não repetirmos o caso da Escola Base.
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