Fracasso de 'Apocalipse' expõe o dilema interno da Record
Desde que foi adquirida pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a TV Record (ou RecordTV, o novo nome que ainda não pegou) vive uma crise de identidade. Afinal, é uma rede comercial como a Globo ou a Band, ou o braço televisivo de uma denominação evangélica?
Esta crise se reflete no próprio organograma da emissora. Em um dado momento, são bispos da Iurd que dão as cartas; em outro, são profissionais experientes vindos de outros canais. E adivinha quem costuma alcançar melhores resultados de audiência?
Sim, são os profissionais. Por que, embora pareça fácil aos olhos de um leigo, construir uma grade bem-sucedida é tarefa para quem é do ramo. E no entanto, mesmo acumulando sucessivos fracassos graças à interferência religiosa na programação, a Record não aprende. O exemplo mais recente é a novela "Apocalipse", que vai mal no Ibope e pode ter sua duração encurtada em dois meses.
As credenciais evangélicas da autora Vivian de Oliveira são impecáveis. Adepta da Universal, ela escreveu diversas tramas bíblicas de sucesso, como "Rei Davi" e "Os Dez Mandamentos".
Mesmo assim, a cúpula da Record achou que a pregação religiosa em "Apocalipse" ainda era pouca. Diálogos inteiros vêm sendo reescritos sem a anuência de Vivian, que só toma conhecimento deles quando a novela vai ao ar. Não é só ela que anda insatisfeita: elenco e equipe também estão reclamando.
E até mesmo Marcílio Moraes --autor da novela "Ribeirão do Tempo", atualmente reprisada pela Record, e ainda contratado pela emissora-- veio a público dizer que um dos segredos do sucesso da Globo, onde ele trabalhou durante anos, é a carta branca que a família Marinho dá aos autores de novelas.
Há poucas semanas, a Globo enfrentou um problema sério com seu principal produto. Atual atração da faixa das 21h, a novela "O Outro Lado do Paraíso" vinha entregando números de audiência bem abaixo do esperado.
O que fez a emissora, então? Correu para salvar seu investimento. Convocou o autor Walcyr Carrasco para promover cortes e acelerar o andamento da trama. Nada foi feito sem a participação de Carrasco. Resultado? O folhetim vem batendo recordes seguidos.
Na Record acontece justamente o contrário. Metem a mão no texto do carro-chefe da casa, à revelia da autora --e, quando o Ibope não responde, cogitam em acabar logo com a trama.
É uma estratégia suicida, seja qual for o objetivo do canal. Não está funcionando nem comercialmente, nem para angariar novos fiéis para a Iurd. Só evidencia o equívoco dos responsáveis pela Record.
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