Polêmica com Fernanda Torres teve um inesperado final feliz
É rara a semana em que a internet brasileira não seja varrida por um vendaval. Algum famoso solta uma declaração infeliz, e meio mundo lhe cai sobre a cabeça. A outra metade então reage, acusando os ofendidos de “mimimi”. Há muita gritaria de todos os lados, mas ninguém muda de opinião. A briga só amaina quando surge uma nova controvérsia no horizonte.
O mais recente epicentro desses terremotos virtuais foi a atriz Fernanda Torres, que também é escritora e colunista da Folha. Na segunda-feira (22), ela publicou um artigo chamado “Mulher” no blog #AgoraÉQueSãoElas”, na versão online do jornal. Era para ser um contundente desabafo sobre as agruras da condição feminina. Mas algumas considerações de Fernanda —e, em especial, o parágrafo em que ela fala de sua ex-babá Irene— entornaram o caldo.
Irene era “um avião de mulher”, e não se intimidava com os assobios que recebia na rua. Pelo contrário: encarava-os como elogios à sua beleza. Ou pelo menos assim interpretava a pequena Fernanda, que hoje não esconde uma ponta de inveja: “um poder admirável que ela possuía e que nunca cheguei a experimentar”.
Acontece que, pela cartilha atual, um simples “fiu fiu” é praticamente equiparado ao estupro. Também depôs contra Fernanda o simples fato dela ter babá, e ainda por cima, negra. A atriz ainda admitiu sentir uma certa nostalgia do machismo “light” vigente no meio onde foi criada, povoado por artistas e intelectuais.
Foi o que bastou para que pipocassem na web inúmeras respostas à coluna de Fernanda. Algumas eram bastante ponderadas; outras demonstravam ressentimento em estado bruto, o tão cantado “recalque”.
Mas foi nas redes sociais que o pau comeu solto. Fernanda não escapou do xingamento obrigatório em qualquer polêmica, “nazista”. Também recebeu o apoio de uma legião, igualmente cansada do discurso vitimista e do policiamento mental que vicejam na internet.
E aí aconteceu algo surpreendente. Fernanda se retratou. Soltou um novo artigo, “Mea Culpa”, na quarta (24). Admitiu ter escrito a coluna anterior a partir de sua experiência como “mulher branca de classe média”, e que esta vivência não corresponde à realidade da imensa maioria das brasileiras.
Foi extremamente elegante ao não reclamar de uma única ofensa das muitas que recebeu. Ao contrário: agradeceu as críticas e ressaltou que a reflexão a fez mudar de posicionamento.
Final feliz? Quase. Agora ela está sendo louvada em verso e prosa por muitos dos que a atacaram. Mas também tem gente que acredita que Fernanda está sendo irônica no texto. Ou que ela simplesmente se acovardou.
Pois eu prefiro acreditar no que ela mesma diz. Fernanda Torres já mostrou uma lucidez incomum em seus textos, e agora se engrandeceu ao provar que não é impermeável ao debate. Que, aliás, não terminou: há muitos meandros nessa polêmica que ainda merecem ser discutidos.
Que o sejam com civilidade, na medida do possível. Longe de mim sugerir que os insultos sejam proibidos: eles fazem parte essencial da liberdade de expressão que conquistamos a duras penas. Mas seria ótimo se todas as partes envolvidas tivessem a cabeça tão aberta quanto Fernanda Torres.
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