Tony Goes

Sotaque de Wagner Moura em 'Narcos' é o novo pomo da discórdia

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Petralhas versus coxinhas já era. Uma nova polêmica divide os brasileiros nas redes sociais. De um lado, estão aqueles que se incomodam com o espanhol de Wagner Moura na série "Narcos" (Netflix), em que ele interpreta o traficante colombiano Pablo Escobar. Do outro, os que não estão nem aí —e que acham injusto criticar o ator pelo que seria um detalhe irrelevante.

Wagner Moura se preparou intensamente para seu primeiro protagonista numa produção internacional. Engordou 20 quilos e morou quase um ano na Colômbia. Mergulhou na cultura local e no sotaque 'paisa' da região de Medellín, a terra natal de Escobar.

Antes disso, o ator baiano já havia falado inglês nos filmes "Elysium" e "Trash", em participações pequenas. Também arranhou o alemão em "Praia do Futuro", mas tinha uma boa desculpa: seu personagem era um brasileiro que se muda para Berlim depois de adulto.

Pablo Escobar foi um desafio muito maior. Existem milhares de registros do mais famoso narcotraficante de todos os tempos. Seu jeito de falar, seu gestual, está tudo ao alcance de quem souber fuçar na internet. Para complicar, também há a série colombiana "Pablo Escobar: O Senhor do Tráfico" (exibida no Brasil pelo canal +Globosat e ainda disponível no Now), que conquistou muitos elogios para Andrés Parra no papel-título.


Moura também está sendo elogiadíssimo, inclusive pelos críticos americanos que ainda não o conheciam. Mas as opiniões estão rachadas quanto a um pormenor: afinal, sua pronúncia em espanhol está boa ou não?

Os colombianos acham que não. É só procurar no YouTube o trailer de "Narcos" legendado em espanhol: os comentários dos conterrâneos de Escobar não perdoam o nosso conterrâneo. Natural. Como alguém já disse, imagine se um argentino fizesse o papel de Fernandinho Beira-Mar?

Mas é aqui no Brasil que a polêmica se acirra. Muitos reclamaram do sotaque de Wagner. Outros tantos reclamaram de quem reclamou. Afinal, apesar da proximidade, os brasileiros não têm muita intimidade com o espanhol. A maioria de nós nunca estudou o idioma dos nosso vizinhos, e, quando os visitamos, achamos que basta falar português ALTO e de-va-gar.

Pois eu confesso que o sotaque de Moura me incomoda sim, um pouco. Não sou falante nativo do espanhol, mas já viajei muito pela América Latina e identifico várias falas locais. Percebo na hora que o Escobar de "Narcos" é feito por um brasileiro. Porque Moura se deixou trair pelas palavras que são idênticas nas duas línguas —como "comprar", por exemplo. Nessas horas, suas vogais soam diversas (e por vezes anasaladas) como em português, ao invés de se fixarem nos cinco sons básicos (e sempre abertos) das vogais em castelhano.


Achar que ele não pode ser criticado por causa deste deslize é condescendente. Wagner Moura é um profissional, e merece uma avaliação justa de seu esforço. Também é um adulto: quem precisa de prêmio de consolação é criança.

Dito isto, seu trabalho como ator está fantástico. A série também é muito boa, com roteiros precisos, elenco afiado e excelente nível técnico. Mas não existe uma verdade absoluta: essas qualidades todas convivem ao lado do sotaque menos que perfeito de Wagner Moura. Cabe ao espectador se incomodar com ele, ou não.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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