O desafio de criar um homem para o futuro
É possível ensinar um menino a se tornar um homem sem cair no abismo da misoginia?
Quando engravidei, meu instinto mais fundamental me fez desejar, inicialmente, que estivesse gestando uma menina. Trazer ao mundo mais uma alma feminina, moldá-la, educá-la e criá-la para o futuro: que missão linda, absurdamente desafiadora e irresistível parecia ser.
Assim que descobri que era um menino que crescia em minha barriga, experimentei uma sensação agridoce, um sem número de emoções complexas e contraditórias que mal consegui entender. Que medo enorme, e que responsabilidade gigantesca ter de entregar ao planeta mais um homem, especialmente nesta quadra específica da história em que vivemos.
A violência contra as mulheres nunca esteve tão presente desde tão cedo. Crianças sentindo medo e crianças sentindo ódio quase ao mesmo tempo em que são alfabetizadas. O patriarcado, embora constantemente criticado e sistematicamente atacado, não dá sinais evidentes de que esteja sendo derrotado –ou mesmo enfraquecido.
Não pretendo fazer mais uma resenha do seriado "Adolescência", da Netflix (que, aliás, assisti e fiquei extremamente perturbada), até porque, muito embora ele também tenha me influenciado a escrever essa coluna, não foi exatamente o estopim desses pensamentos. A realidade se impõe demais, o tempo todo.
Para a fundamental Bell Hooks, a crise que os homens atravessam não é uma crise de masculinidade, mas sim uma crise do patriarcado. Eu acho que o buraco é ainda mais embaixo. Lógico que a cultura patriarcal, com sua característica repressão emocional, está no centro desse furacão, mas a influência das redes sociais e a normalização da pornografia online estão abraçadas à raiz do problema.
Desde cedo, meninos estão sendo condicionados a usarem sua raiva como reação ao medo, à solidão e à tristeza e ensinados a usarem a violência como válvula de escape para a sua dor.
A maioria dos estudiosos do tema aponta como grande culpada pela situação algo que se convencionou chamar de machosfera, uma subcultura exclusivamente masculina, que promove a valorização do homem por meio de objetificação da mulher (que só serviria para servi-los, seja sexualmente, para executar as tarefas do lar ou criar os filhos) e uma guerra aos conceitos e valores do feminismo.
Se já era uma pressão emocional absurda ser adolescente nos anos 1980, 1990 ou no começo dos anos 2000, imagine agora, com a onipresença da internet. Os meninos precisam aprender a falar sobre masculinidade sem recorrer ao ódio, assim como meninas precisam ter o direito de existir sem o medo de serem perseguidas e mortas.
Certamente a solução passa pela regulação das redes sociais —passando por governos, empresas de big tech, escolas e famílias. Quando perguntados, grande parte dos executivos do Vale do Silício respondem que não permitem que seus filhos utilizem as tecnologias que eles próprios desenvolvem. Acho que isso já diz muita coisa.
Da nossa parte, o que podemos fazer é entrar juntos nessa luta. Monitorar de perto o conteúdo que eles consomem e, principalmente, criar um ambiente de diálogo e aceitação.
Precisamos ensiná-los a desenvolver empatia (por si mesmos e pelos outros), para que esses meninos se transformem, no futuro mais imediato possível, homens que realmente amam as mulheres.
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