Renato Kramer

'Eu acho que não é bom abstrair', diz Adriana Calcanhotto sobre morte da mulher

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"Eu tinha dois sonhos desde muito pequena: aprender a ler e sair de casa", declarou a cantora e compositora Adriana Calcanhotto no programa Roberto D'Avila (GloboNews) deste domingo domingo (26).

A artista confessou também ter pensado em ser veterinária, astronauta e arquiteta antes de enveredar para a carreira artística: "Eu cheguei a sonhar em criar a cadeira mais confortável do mundo, mas não teve jeito", disse a cantora, que deixava de ir ao colégio porque passava as noites assistindo aos shows nos bares de Porto Alegre (RS).

Durante toda a entrevista, foram entremeados trechos do show (disponível em DVD) que Adriana fez em homenagem aos 100 anos de nascimento do compositor também gaúcho Lupicínio Rodrigues em 2014. "A influência de Lupicínio sempre esteve presente no meu trabalho, mas só depois que fui convidada para essa comemoração é que percebi o quanto."

Desde o início da conversa, o apresentador percebeu o quão reservada é a sua entrevistada. "Você é tímida?", perguntou D'Avila. "Sou", respondeu a convidada, quase monossilábica. "Eu estou percebendo que você é muito tímida", acrescentou o apresentador. "Sou", concordou a cantora.

"Mesmo nos shows você não conversa muito", observou Roberto. "Às vezes converso", explicou a cantora. "Quando o espetáculo é solo eu fico mais dona daquela situação ali e tem uma grande vantagem que é o 'timing' daquela noite, que é sempre única", complementou.

Sobre o seu processo de compor, a cantora segredou: "Eu mais rasgo e apago do que escrevo. E não gosto de deixar pista, jogo tudo fora. Não tenho baú. Eu componho pouco e gosto que seja assim mais caótico. Eu até gostaria de ter mais disciplina, mas eu mesma protejo minha parte caótica. Eu tenho a impressão de que, se não houver [caos], eu não vou conseguir mais. Cada canção que sai eu penso: 'Estou no lucro!' Porque, sabe lá, né?", confidenciou.

"E as perdas?", perguntou de repente o apresentador referindo-se de imediato à morte recente da mulher da cantora por 25 anos, a cineasta Suzana de Moraes (1940 - 2015), filha do poeta Vinícius de Moraes. "É isso... viver é ver morrer, já dizia... quem? Acho que foi Medéia". "A morte faz parte da vida mas a gente costuma abstrair, não é?", amenizou D'Avila. "Mas eu acho que não é bom abstrair. As coisas são como são", retrucou Adriana.


Quanto ao 'ser artista', a cantora tem uma opinião não menos objetiva: "Por vezes as crianças dizem: 'Ah, eu quero ser artista. Não existe isso. Ou você nasce artista ou você não é. E isso não é um prêmio, não. Não é fácil, não é simples. Tem a sua maravilha mas tem o seu preço, como tudo", declarou a cantora da voz macia.

"Cantar é uma maravilha. Eu acho que todo o mundo queria ser cantor", comentou Roberto. "Cantar para um público é uma delícia, realmente, ter a resposta do público. Por esse lado é um total privilégio. Agora, se você tem esse total privilégio, imagina a conta!", retomou Adriana, mantendo os pés no chão.

"Você abre mão de muita coisa, das coisas mais simples da vida, de você estar com a sua família, de estar no aniversário do seu pai... Coisas simples que você perde", observou a compositora de "Esquadros" que não perde a chance de ressaltar a genialidade das composições de Lupicínio Rodrigues. "Essa coisa agora foi descoberta: em tudo que fiz tem o micróbio do Lupi", concluiu.

A compositora ressaltou ainda que o exercício constante de compor é essencial: "O trabalho é muito importante. Ficar em cima para que as coisas possam acontecer como se fosse pela primeira vez. Isso é uma lição do João Gilberto: tem que trabalhar, fazer, refazer".

"Você é uma pessoa muito fechada com as tuas coisas pessoais, não?", perguntou quase afirmando Roberto D'Avila. "Sou muito reservada, sempre fui", concordou Adriana. "Isso também é um traço gaúcho?". "Não necessariamente, eu tenho amigos que não são nada assim", confidenciou a cantora.

E encerrou a conversa confessando abertamente: "É temperamento. Eu gosto muito do silêncio. Eu prezo o silêncio. As pessoas que trabalham para mim, elas trabalham para proteger o meu silêncio. É isso o que eu quero. Não tem nada superior ao silêncio", concluiu a cantora.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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