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Zapping - Cristina Padiglione

'Rota 66' acerta na adaptação para a tela e motiva reflexão atual

No Globoplay, produção baseada em livro de Caco Barcellos expõe a polícia que mata, mas é tratada como heroína por alguns

O ator Humberto Carrão e o jornalista Caco Barcellos
Humberto Carrão vive Caco Barcellos na série 'Rota 66', produção da Boutique Filmes no GloboPlay - Divulgação
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São Paulo

A alta presença de câmeras por todos os lados, e agora inclusive nos uniformes de policiais em São Paulo, certamente transformou radicalmente o modo de abordagem a quem quer que seja considerado suspeito por agentes de segurança pública.Mas mesmo nesse mundo big brother em que a gente vive atualmente, abusos policiais continuam a acontecer mais do que seria aceitável, e não só no Brasil --haja visto o caso George Floyd, nos Estados Unidos.

A necessidade de se ter um olhar sempre atento a essa questão empresta uma percepção muito atual a "Rota 66", produção da Boutique Filmes. Infelizmente, casos ocorridos há quase 50 anos ainda podem ser vistos como realidade possível hoje, daí a capacidade de comover o espectador.

A boa série lançada pelo GloboPlay tem base no excelente livro de Caco Barcellos. Metade dos quatro episódios foi lançada na semana passada, reservando a outra parte da história para esta quinta-feira (29).

Humberto Carrão personifica o repórter real de modo sublime. Caco é a antítese dos comunicadores que, desde a era dos grandes nomes do rádio, como mostra a série, até os tempos atuais da TV de tela plana, vociferam e aplaudem ações truculentas de policiais. Para esses, quanto maior o número de mortos, maior será o herói fardado, ainda que toda vítima de homicídio seja tratada como bandida antes de qualquer investigação.

Sempre discreto, de fala mansa e uma dedicação sacerdotal ao ofício, Caco é mostrado como alguém que relega a segundo plano a vida pessoal. A prioridade profissional, no entanto, não se dá em função de cobiça por promoção salarial ou coisa que o valha.

O exagero entregue às horas de expediente se explica naturalmente pela complexidade que é e sempre será nadar contra a maré, buscando evidências naquilo que forças maiores, acobertadas pelo poder púbico, tentam esconder --no caso, os crimes cometidos pela ROTA, as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, nos anos 1970 e 80.

A partir da morte de três jovens brancos de classe média alta nos Jardins, em 1975, sob a alegação de um tiroteio que depois se mostrou falso, Caco pesquisa uma série de episódios similares ocorridos na periferia de São Paulo, todos sob a mesma justificativa.

Boa parte dos tiroteios ficcionais relatados pela versão da polícia mereceu até armas "plantadas" por agentes públicos na cena do crime. E assim como se deu com os rapazes dos Jardins, a série/livro mostra outros casos em que as vítimas eram absolutamente inocentes, tendo apenas tido o azar de estar no lugar errado na hora errada, diante de uma das temidas viaturas da ROTA.

Adaptada por Maria Camargo (que fez "Dois Irmãos" e "Assédio") e Teodoro Poppovic, a série "Rota 66" tem redação final de Maria Camargo, roteiro de Teodoro Poppovic, Déo Cardoso, Mariah Schwartz, Philippe Barcinski, Felipe Sant'Angelo e Guilherme Freitas, com direção artística de Philippe Barcinski e direção de Philippe Barcinski e Diego Martins.

Gustavo Mello assina a produção via Boutique Filmes, com coprodução do GloboPlay.

O elenco se estende a Lara Tremouroux, Ailton Graça, Naruna Costa, Wesley Guimarães, Rômulo Braga, Juan Queiroz, Adriano Garib e Gabriel Godoy, normalmente visto em papéis cômicos, que surpreende como um policial do mal.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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