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Zapping - Cristina Padiglione

'Pantanal': Globo corta cena que menciona Cristo como 'comunista'

Texto teve a maior parte das sequências sobre política suprimidas do capítulo 106, que também previa beijo supostamente incestuoso

Jesuíta Barbosa, Marcos Palmeira, Irandhir Santos e José Loreto
O pai, José Leônio (Marcos palmeira) conversaria sobre política com os filhos Jove (Jesuita Barbosa), José Lucas (Irandhir Santos) e Tadeu (José Loreto), entre outros familiares, na sala de casa - João Miguel Jr./Divulgação
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São Paulo

A Globo cortou um beijo supostamente incestuoso entre Guta (Júlia Dalavia) e Marcelo (Lucas Leto) e uma longa sequência de quatro páginas do texto de Bruno Luperi prevista para o capítulo 106 da novela "Pantanal", que foi ao ar no sábado (23). Segundo o script, ao qual a coluna teve acesso, José Leôncio (Marcos Palmeira) é provocado pelos filhos a fazer um discurso de hipotético candidato político. Em uma de suas frases, o patriarca falaria que se Cristo fosse candidato nessas eleições, seria tratado como "comunista".

A cena envolvia ainda Jove (Jesuíta Barbosa), Mariana (Selma Egrei), Tadeu (José Loreto), José lucas (Irandhir Santos) e Érica (Marcela Fetter), Filó (Dira Paes) e Irma (Camila Morgado), e não dava nome a bois, discorrendo livremente sobre conceitos negativos a respeito da classe política.

Uma outra cena, menor, mas também com trechos suprimidos do texto original, foi ao ar no mesmo capítulo, antes do espaço previsto para essa longa sequência cortada, e tratou de política, democracia e agronegócio, tendo José Leôncio e Érica como personagens, como noticiou esta coluna.

​Desta cena, foram cortados os seguintes diálogos:

JOSÉ LEÔNCIO - Acho que nesse país o sujeito, pra se fazê político, tem que tê três condição. A primêra é muito dinhêro, ou tê por trás quem possa bancá os custo d’uma eleição. A segunda é muita saúde.

ÉRICA - Por que muita saúde?

JOSÉ LEÔNCIO - Pra aguenta a via-sacra que é uma campanha eleitoral.

ÉRICA - E a terceira condição?

JOSÉ LEÔNCIO - Essa, tarveiz, seja a principar de todas elas. Num pode tê escrúpulo nenhum! Que é pra fazê os conchavo, as barganha, os acerto de conta. Político que num entrá no jogo, num faiz carrêra. Mais é claro que tem as exceção...

ÉRICA São tão poucas, que se pode contar nos dedos.

JOSÉ LEÔNCIO É como o Velho do Rio... Tem meia dúzia que jura que viu, o resto acredita só se quisé."

OUTRO LADO

Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a Globo justificou os cortes com a seguinte nota:

"Novelas são obras abertas, que podem ser adaptadas ao longo de sua exibição. As sequências citadas não sofreram cortes após a gravação. Por uma decisão artística, as cenas foram reduzidas ou suprimidas do roteiro, como é comum no processo de criação e produção de novelas, séries e programas de TV, sem que houvesse impacto para a trama."

A emissora, nega, assim, que os trechos cortados do texto tenham sido gravados. No caso do beijo entre Guta e Marcelo, os personagens até aqui são apresentados como irmãos, embora já se saiba que ele não é filho de Tenório Tenório (Murilo Benício), segredo ainda mantido pela mãe do rapaz.

OUTROS CORTES

Confira a seguir a outra sequência cortada do capítulo de sábado:

É noite fria e estão espalhados pela sala: José Leôncio, Jove, Juma, Filó, Irma, Mariana, José Lucas, Érica e Tadeu. Jove vai ligar a televisão...

JOSÉ LEÔNCIO - Larga isso... É horário político.

Ele não gosta.

JOVE - Vamos ver, pai?

JOSÉ LEÔNCIO - Vê o quê? É a mêma lenga-lenga de sempre?

JOVE - O senhor não acha importante ao menos conhecer os programas eleitorais dos candidatos?

JOSÉ LEÔNCIO - Não liga isso... Vai atrapalha a nossa prosa.

Jove desiste e senta-se novamente junto de Juma.

JOSÉ LEÔNCIO - É só chega época de eleição e eles descobre que tem criança abandonada, que o salário mínimo é uma porcaria, os aposentado tão passâno fome, que tem muita violência na cidade...

MARIANA - Isso é verdade.

JOSÉ LEÔNCIO - É o que eu digo... Se tivessem uma proposta que preste, eles num gastava as fortuna que gasta fazendo campanha.

ÉRICA - Se o senhor fosse um desses candidatos qual seria o mote da sua campanha?

JOSÉ LEÔNCIO - Eu?!

ÉRICA - É... O senhor.

JOSÉ LUCAS - Fala, pai... O povo qué te escutá. Todos aprovam e embarcam na brincadeira.

ÉRICA - Duas condições, pelo menos, o senhor tem: dinheiro e muita saúde...

JOVE - Tá aí, pai... Quero ver se o senhor teria o meu voto.

JOSÉ LEÔNCIO - Ara... Isso é bestêra. Eu nunca que ia se candidato a nada nessa vida...

FILÓ - Ara, Zé... Só faiz de conta que fosse. Todos entraram na onda, e virou serão.

JOVE - Se o senhor não topar, eu ligo a televisão...

JOSÉ LEÔNCIO - Não, pelo amor de Deus...

TADEU - Então fala, pai.

ÉRICA - Diga-nos o que o senhor diria se tivesse à disposição o horário eleitoral obrigatório.

JOSÉ LEÔNCIO - Bão... Eu ia começá pidîno descurpa por causa disso... Deles tê que me ouvi por obrigação. Todos dão risada.

JOSÉ LUCAS - Já seria um bom começo...

JOSÉ LEÔNCIO -. E, daí pra frente, eu ia fazê o que ninguém tem coráge de fazê, que é propô solução de verdade pros problema desse país. E começa a levar a brincadeira a sério, como se fosse candidato. É a sua verve de contador de causo berrando.

IRMA - Você teria que fazer um discurso... Para o povo saber o que você pensa.

JOSÉ LEÔNCIO - Pra começá, num ia perdê tempo com choradêra. Que ninguém aguenta mais reclamação curpâno quem veio antes, o supremo, o congresso. Meu pai dizia que "quem mais reclama, são os que menos faiz". E pra político esse ditado cai como uma luva.

ÉRICA - Não à toa temos visto tantos políticos sendo eleitos só na base do ataque.

MARIANA - Campanha política virou reality show, quanto mais baixaria, maior a audiência.

JOSÉ LEÔNCIO - São tudo uns covarde. Ficam um apontâno pra sujêra do ôtro, que é pra escondê a própria farta de competência.

ÉRICA - Só que esses ataques vão inflamando os eleitores e, o que era pra ser um debate saudável e construtivo, vira uma guerra entre torcidas.

JOVE - Quem não tem argumentos, parte para agressão. E isso explica essa nova classe política que se pauta em incitar o ódio e a violência.

Silêncio total. Os Josés, Lucas e Leôncio, deglutem isso...

JOSÉ LEÔNCIO - Ocês tão tudo muito certo no que tão falâno... E eu fico é cum vergonha...

TADEU - Vergonha do que, pai?

JOSÉ LEÔNCIO - De tê visto esse país passá pelo que passô... De tê visto esse povo sofrê o tanto que sofreu e vê que os nosso político, até hoje, dão as costas pra dor da nossa gente.

ÉRICA - E o dinheiro que o senhor tivesse do fundo eleitoral... Dos financiamentos de campanha... Ia usar como?

JOSÉ LEÔNCIO - A minha campanha ia sê eu, sentado na frente d’uma câmera. E só. O resto eu ia revertê em cesta básica.

MARIANA - Admiro a sua boa intenção, mas, ao contrário das falas de ódio e da bagunça, esse discurso não dá nem voto, nem audiência.

JOSÉ LEÔNCIO - Mais eu ia saí com a cabeça erguida. Porque teria feito o dinhêro do povo vortá pro povo!

JOVE - Um Robin Hood à pantaneira. Gostei.

Todos levam na brincadeira. José Leôncio torna, sério.

JOSÉ LEÔNCIO - Bom ladrão eu só conheci um, Dimas, que morreu na cruz ao lado de Jesus... E esse nem chego a sê candidato... Mais, se fosse, era capaiz de sê eleito...

JOSÉ LUCAS - Se a eleição fosse aqui, eu num tenho duvida. Esse povo tem a memória curta demais. Agora, se fosse Jesus que saísse candidato, eu duvido muito que recebesse um só voto...

JOSÉ LEÔNCIO - De jeito manêra! Era capaiz de crucificarem ele ôtra veiz! Ia ser acusado de comunista.

FILÓ - Santa Maria Madalena!!

JOSÉ LEÔNCIO - Em se tratâno de política, Filó, e de Brasil, quarqué coisa é possíver... É tudo brincadeira.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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