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Zapping - Cristina Padiglione

'Pantanal': autor revela à coluna a saga do remake que deu certo

Aliviado com o sucesso da novela, Bruno Luperi enumera o que tirou e o que acrescentou à trama do avô, da história às entrelinhas

Novela Pantanal
Juma (Alanis Guillen) e Jove (Jesuíta Barbosa) em cena na novela Pantanal - Reprodução
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Há distâncias muito maiores entre a releitura de "Pantanal" e a produção original, de 32 anos atrás, do que possa imaginar a vã atenção do telespectador. Antes que a novela das nove da Globo complete dois meses no ar, voltamos à casa do autor responsável pela adaptação, Bruno Luperi, 34, neto do criador da obra original, Benedito Ruy Barbosa, 91, para pontuar as diversas –e bote diversas nisso— transformações operadas em diálogos, composições de núcleos e personagens, transformações essas que ele, sob boas intenções, vale sublinhar, omitiu antes da estreia.

Como fatores absolutamente inéditos no enredo, Luperi criou, por exemplo, um repertório que convida à reflexão sobre os males do exibicionismo patrocinado nas redes sociais, assunto que permeia a relação entre a dondoca Madeleine (Karine Telles), a influenciadora Nayara (Victoria Rossetti) e o psicólogo Gustavo (Caco Ciocler).

Outra mudança de rota importante diz respeito ao racismo, tema ausente da primeira versão, que agora será posto à mesa pela família clandestina de Tenório (Murilo Benício), que optou por ficar com Bruaca (Isabel Teixeira) por se envergonhar de Zuleika (Aline Borges), uma mulher negra.

Mas as alterações mais delicadas estão nas entrelinhas que remetem a homofobia, meio ambiente e machismo, alvos que obrigaram Luperi a revisar palavra por palavra do texto original e a preencher um caderno de anotações, hoje bem surrado, que ele nos mostra agora com as mudanças necessárias, todas manuscritas –em vermelho estão anotações sobre elementos que caducaram em 32 anos, por motivos diversos, e em grafite, ao lado, estão os ajustes a fazer.

"Quando eu fui lendo, fui vendo o que envelheceu mal de 30 anos pra cá, o que faria mal para a história e o que mudaria o eixo dramático e a interpretação sobre o caráter dos personagens", conta Luperi. "Foi um trabalho de formiguinha em todos os diálogos."

Mais do que adequar conceitos aos dias atuais, e isso não se resume a enxugar as cenas de nudez tão mais comuns nos anos 1990, Luperi esteve atento a termos e ações que poderiam distorcer a índole de cada criatura em cena. Algumas coisas ditas por José Leôncio há três décadas soariam hoje como algo capaz de afetar seus valores.

Tudo isso passou por pente fino, ganhando adendos ou perdendo corpo na versão atual. O público tem respondido bem, com 30 pontos de audiência diários, algo que a Globo não alcançava no horário desde o final da reprise de "Império", em outubro de 2021.

Além disso, "Pantanal" trouxe de volta à faixa uma plateia jovem, segundo observou a Globo nos dados aferidos pela Kantar Ibope Media, gente de uma geração que parecia ter desistido de ver novela ou que ainda resistia em se render aos folhetins. Luperi não sabe bem o que motivou a chegada dos mais novos, mas confirma que tudo foi feito para apresentar um produto de meio de massa, que alcance todas as idades, cores, sotaques e gêneros, descartando ingredientes de nicho.

Enumeramos a seguir o que ele nos diz sobre cada ponto em mutação neste "Pantanal" que sofre de seca, desmatamentos e queimadas, mas ainda encanta exemplarmente o público. De quebra, vão alguns spoilers, pistas inofensivas, mas instigantes para quem acompanha o enredo..

PARECE A MESMA NOVELA, SÓ QUE NÃO

Um bom exemplo das mudanças feitas na nova versão está em um diálogo ainda na primeira fase da novela, quando Madeleine (Bruna Linzmeyer) pede para transar com Zé Leôncio (Renato Góes) e ele a adverte de que ela está alcoolizada, sem condições de tomar tal decisão. Esse diálogo tem um caráter educativo para uma cultura masculina que costuma se aproveitar de mulheres em estado fragilizado.

Bruno Luperi comenta:

"Mais do que o tempo ou a roupa, mudou o comportamento. Tem uma certa sutileza. Para quem não olhar com atenção, é a mesma novela, a mesma história, alguns valores estão muito próximos. Nesse choque de Zé Leôncio e Madeleine, ela ganha muita força nos dias de hoje porque a gente fala muito mais sobre os desejos da mulher e sua força. Aquilo choca o Zé Leôncio em relação às mulheres que ele conhecia. E esses cuidados de aparar algumas arestas busca a decisão consensual, do ‘você também queria, não te forcei a nada’. Mais tarde, ele vai tentar mantê-la no Pantanal, mas não é uma coisa tão no laço, como eu digo sempre: não ser laço, mas ser no feitiço. Acho que isso é uma premissa nevrálgica dessa novela."

"O que faz os Leôncios permanecerem pessoas dignas, nesse lugar heroico em que eles estão dentro da história, é que eles realmente não se impõem através de uma força. Isso já passou. Ou de uma opressão, de um mando. Eles são pessoas de personalidade forte, principalmente o Zé Leôncio, mas têm um certo respeito, uma certa integridade, ele tem isso no trato com a Madeleine, ele tem isso no trato com o Antero [Leopoldo Pacheco], é um sujeito bronco, xucro, dentro do que é o envelope e o pacote do Zé Leôncio, mas um cara de muita integridade."

PRODUTIVIDADE DA TERRA, SEM LACRAÇÃO

"Numa leitura inteira da novela, para ela ter esse efeito que a gente está sentindo hoje, de virar assunto de conversa, ela tem que falar um pouco sobre o nosso dia, tem que fazer sentido no tempo em que é mostrada. Peguei essa questão da dicotomia que tinha na primeira versão –um homem bom era um homem que produzia sobre a terra e ruim era o homem que não produzia, no contexto daquele cenário. Esses são José Leôncio e Tenório.

Agora vem a terceira camada, que não tinha lá atrás. Essa dualidade antes resolvia o embate moral da novela. Hoje tem outro estágio, que é como produzir.

Acho que o Jove [Jesuíta Barbosa] torna isso bem mais complexo num espaço onde o Zé Leôncio tem um ponto de vista, o Tenório tem outro, e o Jove fala: ‘tá bom, pai, e como você produz?’
É possível munir o Jove de argumentos que ele coloca para o Zé Leôncio, e ele fala: ‘realmente, você tem algumas razões.

'FLOZÔ' BEM RESOLVIDO

"Na minha leitura, em última instância, o Zé Leôncio falar que o filho seja ‘flozô’ é só por estar querendo renegar um filho que não é aquilo que ele esperava. E o que acontece é que o Jove agora também tem uma voz para dizer: ‘Pai, você também não é o pai que eu queria’. Na outra versão era ‘Você não é aquilo que eu esperava' e o Jove vai, a novela inteira, tentar ocupar esse espaço.

Mas ele deixou de criar o Jove por outras questões, não foi por falta de amor, não foi por falta de afeto, mas realmente ele não ocupou um espaço na vida desse menino. É natural que ele [Jove], tendo sido criado por três mulheres, sem nenhum compromisso com um trabalho que o dignificasse ou lhe desse uma certa casca, tenha se distanciado do seu universo. Ele é uma pessoa de uma alma muito sensível e isso é o que incomoda o Zé Leôncio, muito mais que a questão da sexualidade.

Incomoda, e ele vai vendo o pai que ele deixou de ser, os valores que deixou de passar a esse menino. Para ele, que é um peão rústico que aprendeu a lidar com os bois, e a gente pontua muito isso nessa adaptação, aquele menino tem alguma coisa errada: ele não assume seu lugar de herdeiro, renega o dinheiro, renega o pai, trata o Zé Leôncio de uma forma como ele jamais tratou o pai dele."

"O Jove é um heterossexual bem resolvido com as questões sexuais. Então, aquilo diz mais sobre o Zé Leôncio do que dele."

"A estrutura dramatúrgica permitia preencher isso, e à medida que a gente vai permeando os espaços certos com discussão, todos os personagens vão crescendo. Acho que o conflito do Zé Leôncio com Jove aqui é muito mais intenso do que foi na versão anterior, que era simplesmente uma coisa por ‘você não ser macho’. Eu acho que eleva a uma outra esfera e é uma coisa que a gente só poderia ter hoje, não há 30 anos."

HOMOFOBIA E REAÇÃO

"Tento buscar na adaptação alguma vertente, algum personagem que possa explicar pra gente o que aquilo significa hoje. Então, a Filó (Dira Paes), nesse caso do Zé Leôncio renegar o filho por uma questão de sexualidade, de ele não ser o homem, o macho que ele esperava de um filho, a Filó tá ali pra dizer: ‘Mas que diferença isso faz? Você não queria um filho que ficou buscando esses anos todos?’

Acho muito importante ocupar esses espaços que há 30 anos passavam como ‘Ah, o Jove tá errado’. Não, ele tem os motivos dele. Então, esse trabalho de adaptação é tentar trazer um pouco mais das camadas dos personagens que estavam presentes na estrutura original e aproveitar isso."

VÉIO DO RIO

Luperi fala especialmente com carinho sobre a cena entre Irandhir Santos, como velho Joventino, e o boi marruá, na primeira semana da novela, que sela uma das interpretações para a função do Véio do Rio, quando o personagem se transforma em Osmar Prado.

"Nos valores de hoje, trazer o boi no laço ou trazer no feitiço é uma diferença muito importante. O velho Joventino (Irandhir Santos), enquanto peão, vivia em harmonia com a natureza, mas o ganha-pão dele era uma certa exploração do animal, do boi. Esse cara precisava virar um grande protetor da natureza. Aí, esse despertar dele no Pantanal, quando ele se embrenha no mato, vai atrás daquele boi marruá, olha aquele boi, e se comunica com ele, aquilo é o grande ponto desse personagem sublimar numa entidade que protege o Pantanal. Não tinha tão claro isso na 1ª versão.

Pra chegar no final hoje, como a gente tem uma noção de maus-tratos aos animais que não tinha 30 anos atrás, evoluímos muito em relação a isso e a produzir com alguma dignidade."

SUSTENTABILIDADE É DISCURSO RECENTE

"O Zé Leôncio é como eu vejo alguns produtores rurais: como eles sofrem, estrangulados pelo mercado consumidor e pelo establishment. É difícil um cara como esse não fazer coisas que a gente faria pra fechar a conta no fim do mês. Todo o cenário dessa novela tencionou muito a dramaturgia dela. O Zé Leôncio de 30 anos atrás tinha uma vida financeira muito mais confortável. Hoje, não. A questão da sustentabilidade grita, e se ele não pensar, a fazenda produz cada vez menos fazendo coisas cada vez piores para a natureza, que tá muito ligada com o pai e a sua essência de peão.

Então, esse conflito aumenta [na versão atual]."

RACISMO

"Na primeira versão não tinha. A segunda família do Tenório era uma família branca. O divórcio [naquela época] era uma questão muito forte. O Tenório [Antonio Petrin] não queria largar a Bruaca [Ângela Leal] pra ficar com a Zuleika [Rosamaria Murtinho], mas era nítido que ele era muito mais feliz enquanto marido da Zuleika, em São Paulo, com três filhos homens, que era um valor muito forte pra ele, do que com aquela mulher que era uma ‘bruaca’ ignorante e com a Guta [Luciene Adami], que é uma filha com quem ele não se dá muito bem.

Largar uma família hoje não tem aquele peso que tinha 30 anos atrás. Precisava ter um motivo agora pelo qual o Tenório não assumiria a Zuleika, e nisso, pegando esse personagem que é o nosso antagonista, que flerta muito com o imoral, ele tem essa consciência escravagista muito forte dentro dele, de explorar o outro, de ser espertalhão, de dar o golpe, de manter os outros sob o seu jugo.

É diferente do Zé Leôncio, que não subjuga quem está ao redor dele. Você vê que Zé Leôncio é um cara rude, mas moralmente eles são pessoas muito distintas. Então, o Tenório [Murilo Benício na versão atual] é esse cara que poderia ser muito mais feliz com a Zuleika se ele não fosse preconceituoso, se ele não fosse racista, se não fosse tão preso a esses vícios de comportamento que ele tem.

E aí a Zuleika, agora, vai entrar num outro estágio. Essa questão do racismo vai se apresentando. O Tenório, na estrutura dramática, é como se fosse uma cebola. Ele entra na história e à medida que a Guta [Julia Dalavia] chega, ele começa a se desvendar, quem ele é, camada por camada, até chegar nesse racismo. A gente vai descendo um pouco mais a fundo e mergulhando nesse personagem, mas isso é mais para o final da novela, isso vai se desvendando capítulo a capítulo."

(PODE CONTER SPOILER: Na versão de 1990, Marcelo não era irmã de Guta, como a menina chega a pensar, após descobrir que havia beijado seu suposto irmão. O rapaz, descobre-se depois, não era filho de Tenório, mas sim fruto de um estupro sofrido por Zuleika de um torturador na ditadura militar. Ela não queria que o filho ficasse sem pai e aproveitou a aproximação de Tenório pouco depois de ser libertada, garantindo que o filho seria dele. Luperi provavelmente criará outra justificativa para essa mesma situação, livrando Guta do trauma de ter beijado o suposto irmão).

"Zuleika tinha sido estuprada por um repressor na ditadura militar", segue Luperi, "e o Marcelo (Tarcísio Filho) era fruto desse estupro. E pra ter um pai, ela ficou com o Tenório e mentiu pra ele a vida inteira que o Marcelo era filho dele. O Tenório meio que caía de bobo.

E para reencontrar essa orquestração agora, no final das contas, isso tudo tem a ver com o Tenório. Não é um assunto quer está solto. O racismo está muito ligado a quem ele é, à história dele. Está tudo muito costurado. É mais um motivo, não é só porque ele é racista, há outras coisas. É mais uma das nuances desse personagem. Ele é o nosso antagonista, é o vilão, afinal."

ZAQUIEU X CARICATURA GAY

"Há 30 anos, algumas coisas giravam muito em torno do golpe da barriga, da mulher se aproveitando e mentindo pro marido e algumas coisas assim que dataram muito o comportamento da mulher perante a sociedade. Quando você olha para a novela de ponta a ponta, você diz: ‘isso mudou demais, não faz o menor sentido’. O Zaquieu (Silvero Pereira), a Guta e o núcleo da Zuleika têm personagens que mudaram muito porque a sociedade mudou muito naquela agenda.

Então, a questão do Zaquieu é que ele ocupa muito menos um espaço de alívio cômico agora. Ele tem as suas queixas. O Zaquieu é um cara que traz um sorriso, como o Quim e o Tião traziam na primeira fase, ele tem um espaço cômico, na essência dele, mas ele não quer ser o alívio cômico, ele não está ali pra isso. Ele vai ter os sonhos, as aspirações dele. À medida que ele chega no Pantanal e se vir diante daquilo, menosprezado por questão de sexualidade, aquilo vai ser uma questão pra ele.

Quando ele vê que está sendo subjugado a ser o alívio cômico, esvaziado de sentido, ele vai se questionar muito.

O que eu tentei trazer dessa função do Eugênio, personagem do Almir [Sater] é meio que um barqueiro de Caronte, está sempre trazendo os personagens pro Pantanal, onde as pessoas vão viver uma grande aventura, um grande momento. E o grande momento do Zaquieu, ao chegar no Pantanal, é que ali sim ele vai entrar num conflito e começar a se questionar: ‘Por que eu não posso ser um peão?’ ‘Por que eu tenho que me limitar à cozinha?’

Ele começa a galgar novos sonhos e a questionar certas coisas que no Rio de Janeiro, dentro da zona de conforto dele, ele não se questionava.

Transtornada, Juma (Alanis Guillen) vai de um lado para o outro diante as grades do portão da mansão que dão para a rua. Zaquieu (Silvero Pereira) tenta trazê-la de volta pra dentro. - João Miguel Júnior/Globo

LIÇÕES DO AVÔ

"A fórmula exata [do sucesso] eu não sei, mas teve um cuidado desde o começo em conversar com toda a audiência, por meio de assuntos relevantes para cada personagem. A trama da Maria Bruaca [Isabel Teixeira] tem a questão dela, muito profunda, eu tentei ocupar muito essa amplitude das discussões com um olhar...

Meu vô sempre falava pra mim uma coisa que eu fui entendendo à medida que fui escrevendo. Ele falava: ‘Eu faço uma novela como faço uma matéria, que ele era repórter’. E realmente eu acho que pouco importa a minha opinião sobre o fato. O ideal é que todos os lados estejam representados da melhor forma possível, com a maior justiça.

Quando isso acontece, você deixa que o público tire as conclusões dele. É um cuidado que eu tenho, não sei se isso se reflete no texto, mas eu não quero muito dizer o que é certo ou o que é errado, pouco importa o que eu penso.

‘Esse homem tá de acordo com um latifundiário?’ ‘Esse aqui tá de acordo com um grileiro?’ ‘Esse aqui tá de acordo com uma mulher que era prostituta?’

Tem coisas que eu mesmo boto em cheque. Algumas certezas que eu tinha, que eram coisas um pouco mais claras pra mim, eu digo ‘realmente, tem um outro lado’. Pra mim, como experiência, foi uma transformação também.

Autor Bruno Luperi - Mauricio Fidalgo/Globo

SESSÃO DE TERAPIA

"[A novela] Foi a [terapia] mais eficaz que eu já fiz. Meu avô escrevia assim. De certa forma, então, é um retrato da minha família. Eu vejo valores que estão lá e estavam meio atávicos e chegaram até a gente. Quando começo a questionar, vejo que foi um processo de transformação, é o grande bônus, porque acabei de fazer uma jornada muito profunda, do ponto de vista familiar, pessoal, então eu realmente me transformei muito em todas as esferas.

Foi uma jornada grande de pegar conteúdos e estudar, aí vai desde a questão de racismo, a questão de gênero, LGBTQIA+, de entender um pouco mais o que dizem, até para não falar nenhuma besteira, e saber se estou olhando para todos os pontos e dando espaço a eles.

Está dando certo, mas poderia não ter dado.

O sentimento bom é que está funcionando, isso é um alívio imenso. A partir do capítulo 15, eu comecei a assistir com mais tranquilidade.

Hoje eu tô muito mais em paz. Antes da novela, eu estava numa aflição danada porque algumas coisas poderiam não funcionar.

O JOVE DE JESUÍTA

(Sobre os ruídos causados por Jesuíta Barbosa como Jove no início da 2ª fase)

"Ele tá muito dentro do que o personagem hoje propõe. Eu não acho que ele fugiu [do que planejamos]. Não acho que é do Jesuíta. Acho que é da decisão que eu tomei, da decisão de texto, definição de personagem. Como tem essa terceira camada, o Jove é produto do tempo dele, ele vive angústias que o Marcos Winter [intpérprete de Jove em 1990] não vivia 30 anos atrás. O Winter era um bon vivant mesmo, debochado, era um outro Jove.

Eu vejo esse cara com uma questão existencialista muito forte dentro dele.

Tá no tom dele, a tristeza, a angústia, que não tinha no original. Nesse momento da primeira pra segunda fase, vêm alguns capítulos de muita aflição, de muita angústia. Então, acho que as pessoas sentiram um pouco aquilo.

Nada saiu do planejado.

A grande dificuldade de escrever ‘Pantanal’ é que você pega hoje num tecido social muito sensível. Qualquer coisa pode ser motivo de crítica ou intolerância."

A VIDA NO INSTAGRAM

"O eixo do Rio é o mais carente [dramaturgicamente], os valores na cidade grande mudaram muito. Ali ficou muito datado, então era preciso que eu encontrasse ponto.
O Instagram é o cigarro do nosso tempo. Eu precisava de um certo assunto pra nortear esse eixo."

(‘Você vive uma vida que não é sua’, diz Gustavo).

"A rede social é o oposto do Véio do Rio. E o Gustavo ajuda, diz ‘não é legal, tem alguma coisa errada com você’. O Gustavo fala ‘tá tudo bem mesmo?’ Ele é meio que um termômetro desse grupo.

A INTERNET VAI CHEGAR

"Jove diz ao pai: ‘Você precisa aceitar e vamos trazer a internet pra fazenda. Na primeira versão, ele levava a TV. E é uma coisa legal.

Esse é o Zé Leôncio de hoje. Diferente de 30 anos atrás, quando não era opção o Pantanal estar apartado da cidade por estar fisicamente distante.

Essas oitavas subiram. O conflito geracional sobe muito. Muitos amigos meus não conseguem conversar com pessoas de duas gerações para cima da deles, muita coisa não bate. É uma coisa que a gente vê muito forte entre o Jove e o Zé Leôncio. Não é falta de afeto. Essa polaridade do nosso tempo em que as pessoas não conseguem se conversar, isso está neles, a intolerância."

ENREDO ATEMPORAL

"Na primeira conversa que meu vô teve comigo sobre uma nova versão de ‘Pantanal’, ele disse: ‘talvez não dê pra fazer’. Eu falei: ‘vô, vai dar, e faz até mais sentido pra hoje’."

Ele achou talvez que tivesse envelhecido enquanto conteúdo, enquanto mensagem. Eu parto desse pressuposto, talvez na cabeça dele, o assunto tivesse caducado.

Por que o público adere? Porque tem um certo valor, uma coisa ancestral, que vem de antes, para todos nós, e tem uma leitura de hoje em dia. Essas duas gerações de Barbosa trabalhando no mesmo texto, que ele me deu a oportunidade de conhecer.

Gustavo e Naiara, essa coisa que move as redes sociais, é muito importante. Um receio que ele tinha no começo era isso: será que vai funcionar? Será que vai dar certo? É como conversar com alguém muito mais velho que você.

Eu acho a mensagem muito boa. Seria muito bom se o Pantanal estivesse datado, porque o que ele fala de preservação ambiental em 1990 foi muito precursor.

Eu achei inclusive que isso seria mais importante hoje porque a sociedade está colapsando, e há 30 anos era quase uma fantasia falar de rio, impacto de queimadas.

O que tem me feito bem é ver que todas as apostas se concretizaram"

POLARIZAÇÃO POLÍTICA

"Você não sabe em quem Zé Leôncio votou. Essa justiça do personagem, de não estereotipar o personagem, é fundamental. Eu cresci vendo novelas no meu avô, os personagens dele são muito humanos. Então você se apaixona pelo personagem, mas de vez em quando eles escorregam. É a vida. Qualquer pessoa, você não pode idolatrar. Houve um cuidado de não ser panfletário.

Acho que nós não temos que fazer campanha das nossas convicções nem pregar pra convertido. A justiça da novela é o conceito Glória Magadan [curadora cubana que trazia ao Brasil as primeiras novelas hispânicas adaptadas aqui]: tem que falar com a advogada e tem que falar com a faxineira.

Eu sempre tive uma facilidade muito grande em conversar com todo mundo. Eu tenho, de natureza, uma certa amplitude geracional no discurso."

XÔ, MACHISMO

"É o que eu digo: Não pegar no laço, pegar no feitiço. A masculinidade não vem à força. A força de um homem hoje não determina o valor dele. Essa capacidade ogra não está mais no nosso tempo."

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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