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Rosana Hermann

Oremos por 'Pantanal' na era digital

Remake faz história de 1990 encontrar mundo de memes, tweets e pitacos

Maria Marruá (Juliana Paes) e Juma (Allanis Guillen) na nova versão de "Pantanal"
Maria Marruá (Juliana Paes) e Juma (Allanis Guillen) na nova versão de "Pantanal" - João Miguel Jr./Divulgação
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No dia 15 de março de 1990, Fernando Collor foi empossado, aos 40 anos, como o primeiro presidente do Brasil eleito pelo voto direto depois da ditadura militar. Não deu nem tempo de respirar fundo o novo ar da democracia, porque no dia seguinte Collor e sua equipe econômica baixaram um pacote que confiscou as contas bancárias e as poupanças de todos os brasileiros. Foi nesse climão de choque que, 12 dias depois, a TV Manchete estreou uma novela chamada "Pantanal".

A novela era linda, diferente e tinha méritos próprios, mas vamos dizer que para milhões de brasileiros atordoados e desesperados foi uma distração essencial, um alento necessário para não enlouquecer. Era muito melhor ver Juma virando onça e o Velho do Rio virando sucuri gigante do que lembrar que o cara que se vencia como ‘Caçador de Marajás’ era só um marajá que caçou o pouco dinheiro que a gente tinha.

O ano de 1990 também trouxe outras coisas tão revolucionárias como a novela: em outubro estreou a MTV, em novembro o Rio de Janeiro foi a primeira cidade a ter telefonia celular.

Em dezembro, depois de desbancar a Globo em audiência, Pantanal acabou. Na mesma década acabaram também o governo Collor, em 1992, quando Fernandinho renunciou para evitar o impeachment, e em 1999, a TV Manchete, que faliu deixando dívidas astronômicas e funcionários sem salário, incluindo essa que vos escreve. Se alguém se interessar um dia posso contar a tragédia que testemunhei nessa falência.

Corta para 2022 e temos o remake de "Pantanal", com adaptação de Bruno Luperi, neto do criador da novela, Benedito Ruy Barbosa. Trinta e dois anos depois, o elenco é novo, o mundo é outro e a forma de acompanhar a novela é totalmente diferente. Hoje, grande parte das pessoas que assiste a "Pantanal" comenta tudo nas redes, usando smartphones que evoluíram muito desde o tijolão com antena de 1990. Isso quando não é o contrário: para ter o que comentar nas redes as pessoas assistem "Pantanal". E é aí que acontecem meia dúzia de estranhezas:

A primeira delas é a pergunta recorrente: mas será que fulano que morreu na primeira exibição vai morrer nessa versão também? Ou vão mudar a história? Todo dia tem alguém perguntando e procurando no Google pela confirmação dos spoilers. Claro que Luperi poderia alterar alguma coisa do avô, mas basicamente, é a mesma história. Gente, o Titanic afunda toda vez que o filme passa de novo. Aceitem.

A segunda bizarrice é o tuiteiro que julga o personagem como se fosse uma pessoa real. Como assim Jove ficou pelado para tomar banho de rio? Falta de respeito com Juma! Mau exemplo! Só falta convocar passeata para pedir impeachment do filho do José Leôncio.

A terceira esdruxulice é do militante de extrema-direita que quer usar a novela como argumento ideológico. "Quero ver agora! Como é que a esquerdalha desamarmamentista vai defender a Juma, que está sempre com uma espingarda na mão! Está certa ela em garantir a propriedade!" O que o militonto não lembra é que além de ser uma obra de ficção, a Juma vive nas terras do José Leôncio, ela nem tem propriedade sobre sua tapera. Chega a dar "reiva".

A quarta peculiaridade é maravilhosa: a geração de memes que mistura ficção e realidade. Amei ver o Véio do Rio chegando no Met Gala! Pra isso que eu pago minha Internet VIP. Outro que fez muito sucesso envolve a Muda, que, segundo Juma, não gosta muito de falar. Também amo a Juma no Whatsapp gravando áudio.

Deixei a Filó como quinta curiosidade porque ela foi eleita a Lady Gaga do Pantanal, a defensora dos LGBTQIA+, a diva que a gente ama. Dira Paes está maravilhosa e por isso mesmo, faz com que a gente procure nas personagens, as pessoas que fazem falta na nossa sociedade. Eu votaria fácil em Filó para senadora!

A sexta particularidade é a atualização da novela para o século 21 através de Madeleine, uma dondoca que vai de inútil de centavos para influencer de milhões. Ela, que nunca trabalhou na vida, vira produtora de conteúdo, faz publis e paga as contas do resto da família. Seria um modelo de esperança para muitas socialites decadentes se não fosse o fato de que ela morre antes do capítulo 100. Pronto contei.

Eu, que vi a primeira edição e agora acompanho a segunda, estou adorando essa multiplicidade de telas e palpites, de memes e tweets, de pitacos e colunas sobre "Pantanal". É bonito de ver as imagens lindas, os atores bem dirigidos, a trama mais lenta que a velocidade louca em que a gente vive. É um alento sentir que nesse mundo em guerra, nesse Brasil bipolarizado, pelo menos durante alguns momentos, alguma coisa nos une e nos faz sonhar.

Que seja longa a vida de Pantanal na era digital. Oremos.

Rosana Hermann

Rosana Hermann é jornalista, roteirista de TV desde 1983 e produtora de conteúdo.

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