Aviso
Este conteúdo é para maiores de 18 anos. Se tem menos de 18 anos, é inapropriado para você. Clique aqui para continuar.

Zapping - Cristina Padiglione

Diversidade na publicidade avança a passos lentos, aponta estudo inédito

Pesquisa ligada à ONU Mulheres mostra estagnação; especialista vê falta de pluralidade em departamentos de marketing

Mulher passa lápis no lugar de batom em publicidade da Amazon
Filme publicitário da Amazon produzido pela O2 Filmes é exemplo de aumento da presença de negros sem estereótipos na propaganda brasileira - Reprodução / frame
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A 10ª onda da Pesquisa TODXS, realizada pela Aliança sem Estereótipos, iniciativa da ONU Mulheres, teve em 2021 seu mapeamento mais extenso desde que o estudo teve início, em 2015. Os dados, antecipados aqui pela coluna, apontam o que a nossa percepção já dizia, mas não ainda com esse otimismo todo das políticas de inclusão racial e social.

Houve avanços de 2015 para cá, sim, com mais narrativas que empoderam do que histórias que estereotipam. Mas ainda estamos distantes de algum equilíbrio de cores, gêneros e tipos físicos em geral, na TV e em redes sociais.

A nova rodada do levantamento é a primeira após o assassinato de George Floyd, ocorrido em maio de 2020, nos Estados Unidos, que puxou uma série de manifestações antirracistas no mundo todo, inclusive no Brasil. O levantamento engloba semanas de março, abril, julho e dezembro de 2021.

Foram analisadas a publicidade na TV e no Facebook, a partir de 5.467 comerciais de TV e 1.657 posts, abrangendo 425 anunciantes, 35 segmentos de mercado e 5 canais de TV: Rede Globo, SBT, Record, Megapix e Discovery Kids. Responsável pela organização da pesquisa, Isabel Aquino relata à coluna que o levantamento abrange, pela primeira vez, dados da Record, do SBT e do Discovery Kids.

Sócio de uma das maiores produtoras do país, a O2 Filmes, o cineasta Fernando Meirelles me disse há um ano que era latente a existência de novas políticas de inclusão racial na indústria do audiovisual. Plataformas de streaming, canais de TV, anunciantes e agências de publicidade passaram a exigir das produtoras de filmes um percentual de negros, tanto atrás como na frente das câmeras.

Como exemplo do aumento de exposição de negros na tela, Meirelles me enviou pelo menos 14 filmes recentes produzidos só pela O2 em que negros assumem papéis antes normalmente destinados a brancos. A lista inclui marcas como Itaú, Natura, O Boticário, Vivo, Santander, Amazon, iFood e Sempre Livre.

O estudo da vez aponta que nunca foi tão alto o número de comerciais com cabelos crespos ou enrolados, mas eles ainda são minoria (21%) no bolo dominado pela lisura.

Embora quase 56% da população brasileira se autodeclare negra, a representação de mulheres negras como protagonistas de publicidade na TV ainda é de 27%, e a dos homens, de 20%. Já foi pior, bem pior. Em 2020, eram 22% de negras e 7% apenas de negros. Mas no caso dos homens, a pesquisa de 2020 chegou a acusar que lhes cabia 22% do bolo, índice mais alto desde o início do estudo, em 2015.

Isso denota o que Isabel e Daniele Godoy, gerente do Aliança Sem Estereótipos no Brasil, de ONU Mulheres, chamam de "teto" ou "estagnação": a conscientização sobre o tema vem sendo feita, mas a oscilação de percentuais no patamar de 20% mostra que estamos "patinando".

Para elas, o conservadorismo vivido hoje no país explica em boa parte a desaceleração das conquistas nesse terreno. "Chegamos num teto", diz Isabel. "Tem essa superficialidade da inclusão, todo mundo fala sobre o assunto, mas agora há uma certa estagnação na prática. A mensagem mais forte que a nova onda do estudo nos deixa é que o próximo passo para ter maiores avanços é mudar a estrutura, é olhar a diversidade para dentro, olhar para os times criativos, que ainda são muito masculinos e brancos: a gente olha para os departamentos de marketing das marcas e eles são muito brancos, pouco diversos."

"A resposta que a gente dá a essa estagnação é: se a estrutura não mudar atrás das câmeras, a gente vai continuar patinando nesses dados", reforça Daniele.

As duas mencionam ainda a incrível ausência de pessoas no perfil LGBTQIA+ na publicidade, algo que nunca passou de 2%, mas sempre apareceu. Dessa vez, gays e trans são invisíveis nos comerciais avaliados. Isabel explica que a identificação de pessoas nesse perfil, no estudo, vem pela presença de casais homoafetivos.

Também nesse ponto, elas acusam a força do conservadorismo atual. E relacionam o dado ao resultado de recente pesquisa Datafolha sobre o assunto, que mostra que 51% da população é contrária à presença de casais gays em publicidade, sob o pretexto de poupar as crianças do tema.

SEGMENTOS DE CONSUMO

A ausência de diversidade racial chega a 16% na publicidade protagonizada por mulheres. Ao estudar a inclusão racial por segmento, nota-se a falta de personagens negros e negras em calçados, lar e decoração, automóveis, bebidas não-alcoólicas e turismo. E não chega a 20% a representatividade negra nos segmentos de medicamentos, entretenimento, comunicação e mídia, bebidas alcoólicas, beleza e cuidado pessoal e eletrônicos.

Como ponto positivo, a representatividade negra é maior que 50% nos segmentos de serviços públicos, telecomunicações, eventos, serviços financeiros, fast food, cuidados com bebês e sites e aplicativos.

ESTEREÓTIPOS DE GÊNEROS

No quesito diversidade de gêneros, houve mudança no comportamento da representação das mulheres, agora mais presentes em narrativas que mesclam força, liderança e autoestima. Também houve mais participação de homens nos cuidados domésticos e com a família.

Estereótipos de gênero na publicidade ainda relacionam as mulheres com maternidade e tarefas do lar, e homens com poder e autoridade. Além disso, mulheres e meninas ainda seguem sendo objetificadas sexualmente.

Mas a pesquisa também demonstra que a publicidade brasileira empodera mulheres e homens quando os apresenta em profissões e com interesses que rompem estereótipos de gênero, sendo sujeitos de suas próprias histórias.

MENINOS NÃO CHORAM

O mapeamento incluiu um olhar para as masculinidades porque meninos, acredite, são até mais impactados por estereótipos de gênero e tendem a reproduzi-los quando adultos. Dados do Instituto ProMundo indicam que os garotos são menos propensos do que meninas a identificar estereótipos de gênero na mídia, ficando portanto mais vulneráveis à influência de terceiros.

CRIANÇAS

Em relação aos dados da publicidade infantil, há a reprodução de muitos dos estereótipos vistos na publicidade dos adultos: meninos são representados como especialistas, profissionais ou em peças publicitárias que reforçam a ideia de força física. Já as meninas aparecem em enredos sobre cuidados com a família, maternidade, mas também como especialistas --neste caso, um ponto de empoderamento.

Faltam negros na publicidade infantil, até mais que na adulta. Há 73% de mulheres e meninas brancas ante 27% de mulheres de outras etnias.

TRAJETÓRIA

A pesquisa TODXS nasceu em 2015 em parceria com a Heads Propaganda com o objetivo de mapear como gênero e raça são representados pela publicidade brasileira, por meio de análise de comerciais de TV e posts de Facebook. Os dados têm sido úteis para nortear o mercado publicitário brasileiro nas propostas de inclusão social e fim dos estereótipos.

Hoje, o estudo é uma das principais ferramentas da Aliança Sem Estereótipos - núcleo brasileiro do Unstereotype Alliance, uma coalizão global coordenada pela ONU Mulheres congregando marcas, empresas e entidades da indústria para o enfrentamento de estereótipos na comunicação.

SEM RÓTULOS

Criada em 2017, a Aliança sem Estereótipos visa a promover uma publicidade livre de estereótipos por meio de uma plataforma de pensamento e ação que use uma abordagem interseccional. Com isso, busca-se erradicar estereótipos de gênero. No Brasil, esse olhar merece atençã especial à sub-representação de mulheres negras e indígenas, em pessoas com deficiência e na comunidade LGBTQIAP+.

A Aliança sem Estereótipos também existe em outros países, como África do Sul, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Japão, México, Quênia e Turquia. O Brasil, onde o conservadorismo se acentuou nos últimos quatro anos, foi o primeiro a lançar a Aliança, em 2019.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem