Autora de 'Um Lugar ao Sol' explica por que uniu Lara e Ravi
Para Lícia Manzo, integridade do personagem seria cura para as feridas da mocinha
Independentemente das relevantes reflexões sociais abordadas ao longo da novela "Um Lugar ao Sol", que terminou nesta sexta-feira (25), na Globo, a trama encontrou resistência de parte do público por algumas contrariedades, como o fato de o enredo ter explorado muito mal alguns conflitos e emoções.
No Twitter, durante a exibição deste último capítulo, não faltaram queixas sobre a opção de desmascarar Christian só no episódio final, perdendo a chance de ter detalhado melhor a reação da família de Santiago (José de Abreu) à farsa sustentada pelo rapaz.
Afinal, as pessoas aguardavam com certa expectativa pela derrocada do gêmeo que até teve boas razões para entrar na pele do irmão rico, mas foi passando de oprimido a opressor ao longo da história. Outro ponto negativo foi a longa espera e sofrimento de Lara, a heroína vivida por Andréia Horta, enquanto Ravi, personagem de Juan Paiva, esteve em coma, e a ausência do momento em que ele finalmente desperta, acabando com a angústia desta mulher que tanto sofreu no enredo.
Uma decisão que desagradou ainda mais, no entanto, diz respeito ao destino dela: após anos de convivência e afeto fraternal por Ravi, Lara descobre nele o amor ideal --não um amor de irmão, como sempre houve, mas um amor conjugal. Aos olhos do espectador, foi quase um incesto.
Em uma novela que deu tanta ênfase ao poder feminino, seria mais coerente que Lara terminasse sozinha, endossando que a felicidade de uma mulher não depende de um príncipe encantado. Seria ainda um tabu fechar uma novela das nove com a mocinha solteira?
Questionada sobre o assunto, a autora Lícia Manzo explica à coluna que ainda há certa resistência a essa ideia. "De fato, a mocinha terminar sozinha é ainda, lamentavelmente, uma provocação. Mas penso que o galã mais desejado do país terminar sozinho também é", diz ela sobre o desfecho de Cauã Reymond.
Lícia vai além nos argumentos que a levaram ao casal Lara e Ravi: "Existem aqui provocações subjacentes: longe de encontrar o amor no protótipo masculino clássico, belo, forte, viril, a mocinha volta seus olhos para um tipo popular, frágil, semi-analfabeto. Ao assistir o beijo de Ravi e Lara no ar, uma amiga me escreveu: 'a paixão é para todos; o amor, para poucos'. Penso que o que aproxima Lara de Ravi é um sentimento mais adulto e menos vibrante. Algo mais próximo de uma escolha que de um arrebatamento."
"De garoto problemático e sem autoestima", continua a autora, "Ravi, ao perder Joy e romper com Chris, se torna um pai responsável, capaz de prover sozinho às demandas emocionais e financeiras de seu filho. Não é pouca coisa. E entendo que para uma mulher como Lara, com um feminino extremamente machucado, a integridade e transparência emocional de Ravi possam ser uma espécie de cura."
E finaliza: "Ambiguidade, narcisismo, gaslighting podem ferir profundamente, acarretando traumas emocionais às vezes irreparáveis. Longe de pretender sustentar que Lara encontrou em Ravi o homem com o qual sonhava, diria que, na parceria com ele, Lara está desperta."
AUDIÊNCIA
Pena que a ambiguidade dos personagens, característica que os aproxima da vida real, tenha espantado parte da audiência, plateia sem disposição para se decepcionar ou se surpreender, sabendo desde o início quem é mau e quem é bom.
"Um Lugar ao Sol" termina com o recorde negativo de audiência do horário, na faixa de 21 a 22 pontos no Painel Nacional de TV (PNT), mas é preciso colocar esse resultado como efeito de uma produção atípica, feita sob a tensão de uma pandemia ainda sem vacinas, obrigando autora e direção (Maurício Farias) a mudanças constantes ao longo de sua realização.
O posto de audiência mais baixo do horário antes cabia a "Babilônia", novela de 2014, de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, que marcou 26,2 pontos de média, mas sofreu intervenção da direção da Globo para ajustes de supostos pontos de rejeição do público conservador.
A direção da Globo, dessa vez, não deu pitaco nos rumos da novela de Lícia Manzo, e nem poderia, pois a produção foi toda captada antes de estrear, a fim de evitar novos riscos de interrupção das gravações em função da oscilação da pandemia. Em compensação, a insegurança sobre a crise sanitária levou a direção da empresa a encurtar a novela em 40 capítulos e depois, já com a edição toda pronta, a fatiar os episódios prontos para esticar o prazo de produção de sua sucessora, "Pantanal".
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