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Colo de Mãe

'Mães Paralelas', de Almodóvar, é um retrato sutil da força materna

Filme, que concorre ao Oscar, mostra mães como únicas protagonistas de suas histórias

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São Paulo

Demorei um pouco para assistir ao filme "Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar, por um simples motivo: as atividades maternas não me permitem ter muito tempo para mim, com liberdade de ver filmes adultos. Em geral, assisto a desenhos animados ou algo que possa ser apreciado em família.

Indicado ao Oscar de 2022 e indicado por uma amiga cinéfila, "Mães Paralelas" já é um dos filmes preferidos de minha vida. Talvez o meu preferido de Almodóvar. Por vários motivos: o primeiro deles é que se trata de um de Almodóvar e o cineasta não decepciona. O segundo é por ser um filme de mães com a delicadeza, a força e a coragem que só a maternidade traz.

Penélope Cruz em cena do filme "Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar
Penélope Cruz em cena do filme "Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar - Divulgação

Das críticas que li e ouvi, a maioria considerou "Mães Paralelas" como um melodrama com situações esperadas. Há uma comparação com o recente e nada óbvio "A Filha Perdida". Mas, para mim, não havia nada de óbvio ali. As pessoas gostam de surpresas claras. Eu gosto de ser surpreendida sutilmente, nos sentimentos e ambiguidades. E esse filme é cheio delas.

O filme começa com o encontro de duas mulheres na maternidade onde terão seus bebês. Elas têm idades completamente diferentes, mas algo as une, além do fato de que vão se tornar mães: ambas não têm parceiros naquele momento e estão em um hospital para parir completamente sós.

A relação delas com a maternidade no passado também é conturbada. A mais nova tem uma mãe ausente, que tenta se fazer presente em alguns momentos e não consegue, focada apenas em sua carreira de atriz. A mais velha perdeu a mãe e foi criada pela avó, que também foi mãe solteira. Repetirá, como uma tradição de família, o destino da maternidade solo.

As duas se encontram e as histórias se entrelaçam. Não de forma óbvia, mas de forma sutil e necessária. E, de repente, a força materna explode. Explodem a força do amor livre, da verdade e da coragem, nos fazendo entender que não há como ser mãe sem amar profundamente o seu filho, mesmo que ele não seja seu. E é aí que mora o mistério que me tocou.

Almodóvar aborda de forma central e poética o que é a maternidade na juventude e na vida adulta: é tudo e nada, é um jogo intenso de ambiguidades. É um dormir e ficar acordada, é um alimentar e deixar de ser alimentada, quando o único alimento ao alcance é o bem-estar do filho. É um momento de doação ao mesmo tempo em que a vontade é de sair correndo.

A mulher mais velha, uma fotógrafa de 40 anos interpretada por Penélope Cruz, está no fim da sua vida reprodutiva (sim, os óvulos não duram para sempre e, quando acabam, nos roubam a chance da maternidade biológica) e quer ser mãe. Ponto. Para isso, não precisa que o pai de sua filha assuma o relacionamento.

É bem resolvida consigo. Até que a filha nasce e, então, descobre que precisa ser bem resolvida em questões que também envolvem sua filha. E o é. Mesmo doendo.

A mãe jovem tem uma vida de pobre menina rica. Ela descobre uma gravidez-surpresa e se sente arrasada, perdida, roubada. Por fim, o pouco tempo que passa com seu bebê a faz descobrir a si, o que não anula o fato de que é uma mulher jovem, com desejos, amores e muita vida pela frente.

Tudo isso ocorre em meio às buscas pelo passado. A fotógrafa precisa saber mais sobre sua família, seu pai e seu avô, vítimas do fascismo de Franco na Espanha. As figuras masculinas não as abandonaram por escolha, mas a situação os levou do mundo para sempre.

É isso. No filme, os homens são figuras secundárias, mostrando da forma mais clara e avassaladora que não é preciso que tenhamos um deles ao lado para sermos felizes, sermos mães e termos uma vida confortável.

A força reside em tudo isso. Em focar no novo rumo da vida depois que se tem filho. Em não romantizar, mas, ao mesmo tempo, poetizar o dia a dia da maternidade, mesmo com a necessidade de se trabalhar e cuidar de uma criança ao mesmo tempo.

Por fim, a força materna está em simplesmente entender que, depois que se tem uma criança em sua vida fazendo você exercer a maternidade, poucas coisas importam e, muitas vezes, é necessário ter atitudes que parecem nos fazer arrancar parte do coração para garantir que o futuro de filho não seja jamais condenado pelo seu passado e por nossas escolhas.

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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