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'Meu corpo, minhas regras' deve ser ensinado a meninas como mantra

Abuso sexual na infância deixa marcas profundas; educação é capaz de mudar quadro

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Escrever em uma única frase as palavras abuso, sexual e infância deveria ser proibido pelas leis do universo; algo que não fizesse sentido jamais. É a coisa mais dolorida que se pode dizer ou pensar. Mas, infelizmente, o abuso sexual na infância e na adolescência é uma triste realidade no nosso país. Dados apontam que ao menos seis meninas entre dez e 14 anos fazem aborto legal por dia no Brasil.

Há algumas semanas, o caso da menina de dez anos grávida após sofrer abuso sexual desde os seis chocou o país e escancarou essa dura ferida. A situação em si já era dolorida, mas o desenrolar foi ainda mais duro. Em nome de Deus, pessoas tentaram, de todas as formas, impedir a cirurgia de retirada do feto. O médico que aceitou fazer o procedimento foi chamado de assassino.

Ele relatou já ter passado por situações piores, quando, em ocasião anterior, foi excomungado da Igreja Católica após fazer a retirada de gêmeos que foram gestados por uma criança de nove anos, abusada sexualmente.

A menina de dez anos sofreu várias violências. Dos seis aos dez, foi abusada por um familiar (exame de DNA mostra que o tio é o pai da criança e seria o abusador por todos esses anos). Grávida aos dez, foi vítima de pessoas que tentaram fazer com que a família levasse a gravidez para frente e entregasse o bebê para adoção.

O caso só foi descoberto quando ela sentiu dores na barriga, teve que ir ao médico e sua gravidez de 22 semanas veio a público. O pedido de aborto foi feito. A Justiça autorizou, dado que, na nossa legislação, este é um dos motivos pelos quais se pode interromper uma gravidez. No estado em que ela morava, Espírito Santo, teve o procedimento negado pelos médicos.

A menina viajou 2.000 km para, em Recife (PE), fazer o aborto. Entrou no hospital dentro de um porta-malas, aos gritos de assassina. Por fim, chegou a ser culpabilizada, pois deveria “saber o que quer”.

As diversas violências pelas quais essa menina passou poderiam ser evitadas com educação para o sexo. Não, não se trata de ensinar meninas e meninos a transarem. Trata-se de colocar como questão prioritária de educação esta orientação nas escolas.

A história da menina, por si só, é suficiente para nos deixar em alerta sobre a necessidade de proteger crianças de forma profunda. Mas ganha ares mais doloridos quando passamos a saber que o abuso sexual na infância é realidade no Brasil, fazendo vítimas de ambos os sexos, mas castigando especialmente as meninas, que engravidam.

Conheço crianças que engravidaram. Meninas de dez, 11, 12 anos. E, diferentemente da garotinha do Espírito Santo, não passaram pelo aborto. Os rincões do país estão cheios de casos do tipo. São meninas que perdem a infância e a juventude, que levam sequelas psicológicas para o resto de suas vidas, mesmo parindo seus filhos e amando-os.

As garotas não precisariam passar por nada disso se a sociedade brasileira permitir que a escola trate profundamente questões como reprodução humana, sexualidade, hormônios, cuidados, proteção e limites. É um processo complexo e que não pode ficar apenas nas mãos das famílias, onde, de forma geral, o sexo é tabu. Mas o que temos hoje é um governo que é contra orientações do tipo.

Com tanto retrocesso e temendo a violência, em minha casa, trato frequentemente do assunto com minhas filhas e faço com que elas repitam quase que como um mantra: “Meu corpo, minhas regras”.

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Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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