Não é simplesmente sobre mandar ou não seu filho para a escola, é sobre ser sociedade
Dilemas da volta às aulas
O retorno das aulas presenciais se aproxima em São Paulo e em outros estados do país. Por aqui, as atividades do tipo poderão ser retomadas a partir de 8 de setembro, mas ainda é necessário que haja confirmação.
Mudanças nas regras de ocupação de leitos das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) podem, no entanto, fazer com que essa retomada ocorra de fato, mesmo sob protesto de professores e o medo que toma conta de muitos pais.
A pressão da rede particular de ensino é grande. E os governadores têm cedido. Em São Paulo, por exemplo, o sindicato da categoria chegou a afirmar que está preparado para o retorno em agosto e discordou da decisão do governador João Doria (PSDB) de só reabrir as escolas em setembro.
Acredito que temos sempre que respeitar regionalidades e há estados que estão, sim, à nossa frente no combate ao coronavírus, com a diminuição de mortos e contaminados. Isso ocorre, principalmente, em locais que decretaram o lockdown, o que não ocorreu em São Paulo.
No entanto, há grandes temores de que a segunda onda de contaminação, que parece já ter chegado, seja ainda pior do que a primeira. E os números mostram que caminhamos para este triste resultado.
O Brasil ocupa a segunda pior posição no ranking mundial de coronavírus, com mais de 2 milhões de infectados e acima de 80 mil mortos. Perdemos apenas para os Estado Unidos. Estamos testando vacina e o lote comprado pelo governo federal chegará em dezembro.
Certamente não será um lote destinado às crianças. Profissionais da saúde, que atuam na linha de frente e representam 10% dos mortos por Covid-19, deverão ser os primeiros imunizados.
O que tenho ouvido de muitas mães é que, se as escolas reabrirem, não vão enviar os seus filhos. Dirigentes educacionais têm, inclusive, dado esta orientação.
Sei também que há famílias que não aguentam mais a rotina imposta pela pandemia, com as crianças em aulas online por tanto tempo. E há ainda os pais que já voltaram para suas atividades e se veem perdidos, sem saber o que fazer com os filhos.
Hoje, a escola é uma das principais redes de apoio das famílias. É o local em que se pode deixar o filho sendo cuidado por profissionais preparados para lidar com cada fase da infância ou da adolescência.
Mas as questões relacionadas a reabrir as escola não se limitam apenas a ter um local onde deixar a criança no horário em que o pai e mãe trabalham; elas são muito mais profundas. Não se trata de eu levar minhas filhas ou ficar com elas. Trata-se de como estamos funcionando no que diz respeito a sermos sociedade.
Obviamente que não arriscarei a vida e a saúde de minhas meninas. Perdi muito, perdi demais, perdi tanto. Perdi a liberdade, perdi o controle exato sobre minha rotina, tive que deixar parte de sonhos e projetos de lado. Perdi feriados, perdi renda e não quero perder mais. Assim como muitos em todo o mundo.
Posso, e já estou me restabelecendo de tantas perdas, mas jamais quero perder uma de minhas filhas ou comprometer a saúde delas. No entanto, acredito que essa discussão não é sobre mim e minhas meninas, sobre os filhos de minhas amigas e de minhas vizinhas. A discussão é sobre proteção às crianças, respeito aos professores e demais cidadãos que podem até morrer caso sejam contaminados pelo vírus.
Eu costumo brincar que, nas escolas de elite, onde as mensalidades têm valores exorbitantes, o ar que os estudantes de famílias abastadas vão respirar será até diferente do ar que se respira em outros locais, foi importado e sanitizado. Enquanto que, em milhares de unidades dos rincões do nosso país, não haverá máscaras, sabão e álcool em gel suficientes.
Muitas crianças, além de lidar com a nova rotina, na qual dar um abraço em um amiguinho pode ser um gesto fatal, vão ter que lidar com perdas. Serão professores, coordenadores, diretores e proprietários de escolas que poderão morrer vítimas da doença.
Perdas desnecessárias, perdas que podemos evitar. Não pretendo enviar as minhas filhas apenas quando houver vacina. Quero somente que a pandemia esteja sob controle, o que, aparentemente, não ocorrerá até setembro.
Enfim, são dilemas da volta às aulas que compartilho e pelos quais nunca imaginei que passaria. Que saudades tenho de quando a minha única preocupação era o preço do material escolar!
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