Colo de Mãe
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Pandemia, home office e ensino a distância expõe ainda mais desigualdade entre homem e mulher

Aula online e a tripla jornada das mães

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No início de julho, uma polêmica envolvendo Mel Lisboa —conhecida pela minissérie presença de Anita—, tomou as redes e continua atual, mais de um mês depois. A atriz publicou na internet uma conversa que teve no WhatsApp com a professora de inglês de sua filha. Depois, apagou e se desculpou.

A professora iniciava a conversa pedindo que as mães preparassem o material da aula das crianças para o dia seguinte. “Mamães”, começava o diálogo. A atriz logo reclamou: “porque só mamães e não papais, é responsabilidade de todos”. A professora se desculpou e explicou: “porque a maioria aqui é mãe, há poucos pais”.

O tribunal das redes sociais não deixou barato e, em meio a piadinhas, uma mãe disse: “A Mel Lisboa ao invés de cobrar do marido para se fazer presente no grupo ela cobra da coitada da professora para falar papais também, fala para o seu marido começar a responder no grupo, aí talvez ela comece a falar mamães e papais ou quem sabe um dia só papais”.

A mensagem trocada e sua repercussão servem de reflexão sobre o que estamos vivendo, especialmente em uma semana que acabamos de celebrar o Dia dos Pais. A pandemia de coronavírus, com o home office e as aulas online, expôs ainda mais as diferenças de carga de trabalho entre homens e mulheres no que diz respeito ao cuidado com a família e a casa e o quanto isso reflete de forma cruel contra a mulher no mercado de trabalho, afetando sua produtividade.

A tripla jornada já era puxada mesmo antes da Covid-19, mas o fato de ficarmos trancadas com nossos filhos deu ares ainda mais duros para uma realidade que afeta mães de todas as classes sociais.

Pesquisa Datafolha revela que cinco em cada dez mulheres em home office passaram a acumular a maior parte do cuidado com a casa. No caso dos homens, isso ocorreu com dois em cada dez. Além disso, para seis em cada dez mulheres, a responsabilidade de cuidar da casa e da família dificulta o trabalho remunerado. E essa equação, obviamente, piora quando falamos de mães.

O fato é que as aulas online têm nos enlouquecido e elas não envolvem só o fato de nos tornarmos “professoras” de nossos filhos. A gente substitui a escola, precisa deixar o lanchinho preparado, encontrar local adequado para essas refeições, tirar dúvidas e ainda encontrar fórmulas de estímulo para que a criança ou o adolescente não deixe a peteca cair.

Do outro lado da tela do computador há, muitas vezes, uma professora, que também é mãe e certamente compartilha da tripla jornada conosco.

E aqui eu faço uma pausa neste texto homenagear os pais que tomam para si a tarefa de auxiliar as crianças nas aulas online ou dividem a produção do almoço com a parceira: feliz Dia dos Pais a vocês, mas não darei parabéns por serem pais de verdade. Quero só dizer que estamos juntos nesta jornada maluca que é criar filhos.

O machismo que impera na sociedade não é novo. Desde a Idade Média, em que a agricultura era a principal forma de subsistência, as mulheres já trabalhavam nas lavouras e, ao voltar para casa, ainda davam conta das tarefas do lar. Os homens só comiam e dormiam após o trabalho.

Depois, com a Revolução Industrial, mulheres e crianças foram para as fábricas e, ao fim do expediente, as mulheres cozinhavam e os homens comiam e dormiam. Digo isso para lembrar que o machismo não é novo e que a ideia de ter a mulher como cuidadora da sociedade prospera desde os primórdios. E a revolução que vai mudar tudo isso é solitária, de dentro de nossas casas.

Mas, aqui, sei que muitas, mesmo as que estão sufocadas, acreditam que o problema não é machismo, que homens de fato não têm o “dom do cuidado” e, por isso, viveremos para sempre suprindo as necessidades das famílias ou, quando há grana, contratando empregadas domésticas que farão isso por nós.

Repito: a revolução é solitária e têm que ocorrer. Senão, vamos continuar debatendo se o ano escolar deve ou não ser cancelado e se a gente levará as crianças para a escola em outubro ou só após a vacina, jogando, mais uma vez, a sujeira para debaixo do tapete.

Agora

Colo de Mãe

Cristiane Gercina, 42, é mãe de Luiza, 15, e Laura, 9. É apaixonada pelas filhas e por literatura. Graduada e pós-graduada pela Unesp, é jornalista de economia na Folha. Opiniões, críticas e sugestões podem ser enviadas para o email colodemae@grupofolha.com.br.

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