Escondidinho em queijo trufado é surpresa em bar que mescla brasilidades com pub inglês
Empório Rancho Urbano funciona na zona leste de São Paulo
Numa travessa da Coelho Lisboa, nervosa artéria do bairro do Tatuapé, fica o Empório Rancho Urbano. Aliás, que de empório só tem o nome —e o passado! Há tempos o lugar se converteu em típico pub inglês. Doze bicos de cerveja jorram o melhor das microcervejarias nacionais. Bandas de rock sacodem a galera de quarta a sábado. Célere, a cozinha não para um minuto sequer. São petiscos, porções, sandubas, que fazem o pandu da clientela. Uma coisa bem legal por lá é que, em meio a todo esse climão de pub gringo, com direito até a uma guitarra “Les Paul” na parede, estão massudas mesas de peroba rosa e longínquos bancos de sítio. Coisa de rancho mesmo. Que dá ao lugar a cara de um pub à brasileira. Tipo uma conexão Londres-ZL.
No cardápio, um prato salta aos olhos. O escondidinho de linguiça de Bragança feito dentro de um queijo trufado (R$ 80/serve de 2 a 4 pessoas). Baita sacada. O queijo é tipo um “Serra da Estrela” português, com aquele requeijão por dentro. É nessa cremosidade que são fundidos pequeninos pedacinhos da linguiça. Coisa de louco. Uma generosa porção de um pão italiano simetricamente fatiado acompanha o prato. Mas a comilança não para por aí. Após o cliente se fartar com o escondidinho, o atendente leva a casca e a tampa que sobraram do queijo novamente à cozinha. Aí que o bicho pega. Essas peças voltam ao forno, com mais linguicinha. Mano do céu! O prato retorna à mesa com uma nova leva de fatias de pão. Delírio total. Vale o ingresso, o metrô, o bilhete único, o Uber, o táxi, a gasolina, a bicicleta, a caminhada até chegar lá.
“Foi a Portuguesa que me fez virar dono de boteco!”, diz, resignado, Márcio Borges Carneiro, o proprietário do Empório Rancho Urbano. Para os desavisados, ele é mais um desenganado torcedor da Lusa do Canindé, grande clube paulista, que sucumbiu à globalização e despencou várias divisões no futebol nacional. Depois da inconfidência, Márcio escancara uma gargalhada. Conta que, antes de montar o empório, atuou quase 30 anos no mercado corporativo. Nos primórdios do estabelecimento, ele abria as portas às 8h da manhã. Expunha doces, queijos, cachaças e coisas típicas desse brasilzão de meus Deus! A brincadeira cresceu. Cervejas e petiscos passaram a ser vendidos na calçada. Clientes pediram para a casa abrir durante a noite. Aos poucos, o discreto empório se transformou em verdadeira balada.
O estilo do bar, com cervejas alternativas, rock ao vivo, petiscos diferenciados, se mostrou uma válvula de escape para uma demanda repreendida da noite do Tatuapé. Quem atesta é o casal Bruna Rocha e Vítor Oliveira, que começou a frequentar a casa há poucos meses. “O bairro precisava muito de uma casa como esta, com essa oferta de serviço”, afirma Bruna. É bem verdade que, hoje, o Tatuapé já oferece outras opções alternativas. Sincerão, Marcio Carneiro engrossa o coro: “Fico muito feliz quando abre uma cervejaria, uma hamburgueria, algum negócio de cara nova no bairro. Assim, o pessoal da região não precisa mais ir à zona oeste a procura desse tipo de bar e diversão. Quanto mais abrirem casas como a nossa, melhor. Cria-se uma cultura, e as pessoas ficam apenas no Tatuapé”, conclui.
O respeito e a relação com o bairro também são sinceros. Enquanto conversávamos, Marcio a todo momento checava um decibelímetro _aparelho que mede a intensidade do som. Estava preocupado não só com o volume do afinado vozeirão do vocalista Nenê Amaral como também com o ruído do vozerio emitido pela clientela disposta nos simpáticos balconetes da calçada. “O problema não é o Psiu [programa de silêncio urbano da prefeitura], mas não quero incomodar meus vizinhos. Conheço a dinâmica do bairro”, afirma com a autoridade de quem viveu mais de 20 anos no Tatuapé. Ele conta que gerentes da casa participam de um grupo de WhatsApp com a vizinhança. Qualquer reclamação, o som é regulado e providências, tomadas. A casa funciona de terça a domingo e recolhe as mesas da rua religiosamente à 1h da manhã (aos domingos, às 23h). Movimento fica só lá dentro, pois a música ao vivo, que rola de quarta a sábado, encerra à 0h. Do lado de fora, apenas o trançar de pessoas saindo em busca de uma condução para casa.
Barulho e confusão são palavras que não constam no dicionário do Rancho. Apesar de ter uma boa carta de cachaças, Marcio faz questão de frisar que a bebida não ajuda o negócio. “O cliente, se bebe duas ou três cachaças, já começa a dar trabalho: para si, para os outros e para mim. Esse não é o espírito da casa.” Conta, com peito estufado, que nunca houve uma confusão sequer no Empório. E revela uma estratégia: “Disponibilizamos uma cachaça de alambique, artesanal, de produção própria: a ‘10 ml’. Ela fica num garrafão no balcão, e o cliente pode se servir em copinhos de 10 ml. Ninguém levanta tantas vezes para beber a cachaça, mas não deixam de tomá-la porque é de graça e boa! Eu pago para não ter problema com cachaça”, diz, rindo.
Uma das heranças de ter trabalhado no mundo corporativo está na maneira como Marcio montou a equipe da casa. São todos ex-clientes. A ideia foi criar um ambiente de maior proximidade com a clientela. “Eles falam a mesma linguagem. O objetivo não é só a venda. Não estão lá para tirar pedido. O objetivo é dar suporte ao cliente, ajudar ele a fazer o melhor investimento. Eles entendem o espírito da casa e ainda sabem o que os clientes estão procurando.”
Mesmo com todo esse “corporativês”, a casa é aconchegante e segue com essa mescla de pub com sítio. Metade rancho, metade pub. Um lugar com boa comida e descontração.
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