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Cinema e Séries

Em 'O Sequestro', astro de 'La Casa de Papel' vê esperança de retomar a vida se diluir após exílio

Rodrigo de la Serna vive personagem encurralado pelo contexto histórico na Argentina de 1985

Cena do filme 'O Sequestro' - Divulgação/Paramount+
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São Paulo

Assim como no Brasil, o fim da ditadura militar representou um recomeço para muitos na Argentina. No filme "O Sequestro", é com um espírito de esperança que Julio Levy (Rodrigo de la Serna) volta à sua Buenos Aires natal após anos no exílio, mas as circunstâncias mudam rapidamente.

Filho de um banqueiro, ele logo vê o irmão ser raptado em plena luz do dia. Aos poucos, os laços do grupo de sequestradores com políticos e militares ficam claros, varrendo para cada vez mais longe a utopia ufanista a que os novos ventos do país o faziam se apegar.

Após estrear no Festival de Veneza e passar pelo de Toronto, o longa está em cartaz na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Distribuído pela Paramount, ele também chega na próxima semana —no dia 3 de novembro— ao serviço de streaming da empresa, o Paramount+.

Trata-se de uma adaptação ("muito livre", nas palavras da diretora Daniela Goggi) do livro "El Salto de Papá" (o salto do papai, em tradução livre) do jornalista argentino Martín Sivak. Na obra, ele narra a história do próprio pai, Jorge Sivak, que era advogado e tentou tocar as negociações pela libertação do irmão enquanto lidava com os negócios familiares.

No filme, os nomes dos personagens reais foram trocados, mas Goggi diz que essa opção não foi apenas para que ela e Andrea Garrote, com quem assina o roteiro, tivessem mais liberdade criativa. "O filme funciona mais como um thriller, e o livro não tem nada a ver com isso."

"Não se tratava apenas de ter uma licença maior com relação à obra escrita, nós realmente construímos uma ficção", explica ela, que já experimentou o contrário na minissérie "María Marta, o Assassinato no Country Clube" (HBO, 2022), na qual reconstituía o crime narrado de forma mais fiel.

Desta vez, enquanto o livro abarca 30 anos da história familiar, o longa se centra especificamente no ano de 1985. A ideia era abordar o clima histórico e "o sonho de um projeto de país que estava em transição entre a ditadura e a democracia". "Isso foi o que mais ressoou em mim, a possibilidade de falar sobre as dores desse período e como as famílias as enfrentaram", comenta.

É que, enquanto as pessoas tentavam se reajustar à nova realidade do país, as instituições ainda precisavam consolidar essa transição de regimes para exorcizar algumas reminiscências da ditadura, especialmente nos órgãos de controle do estado. Para completar, uma crise econômica fez com que, naquele ano, a moeda precisasse ser trocada para conter a inflação galopante —um problema que sempre aparece associado ao país vizinho.

"Acho que o Julio é uma síntese geracional", avalia Goggi. "Ele é a síntese de uma geração de pessoas que precisaram se exilar e voltaram para reconstruir o país e para voltar a se vincular com seus afetos, com seus trabalhos. E é uma geração que carrega consigo a culpa de sobreviver a esses anos de chumbo, é uma relação muito complexa."

Rodrigo de la Serna, conhecido do público mais jovem pelo papel de Palermo na série espanhola "La Casa de Papel" (Netflix), conta que essa geração a que o filme se refere foi a de seus pais. "Eu e Daniela vivemos esses anos como crianças, então esse filme também foi uma forma de abrir nossas emoções e lembranças de coisas que vimos com olhos de criança", analisa.

"Vimos nossos pais sofrerem muito durante esses anos em que a violência se estabeleceu e foi ganhando legitimidade política", continua. "Com o fim do período militar, as instituições seguiram na inércia da violência e nas sombras desse inimigo invisível. Era um bafo na nuca de todos os cidadãos nos primeiros anos de democracia, para além do fervor democrático e da festa que se viveu nas ruas."

Para o ator, todo esse clima contribui para o desalento que passa a tomar conta de seu personagem. "Retornar ao país e recuperar a sua vida anterior parece uma ilusão", afirma. "O exílio já é uma suspensão, porque não é que você decide se mudar, a sua vida é que fica em suspenso. E ele entra em crise quando sequestram o irmão e a vida dele novamente se suspende."

Ele diz que o sequestro do título vale tanto para o rapto mais literal mostrado no filme quanto para uma interpretação mais ampla de como a realidade vai cada vez mais encurralando Julio. "É uma vida que vai sendo tomada pela conjuntura social e familiar, que vai sendo sequestrada no curso desse relato", compara.

Na entrevista, feita às vésperas do primeiro turno das eleições argentinas, quando o candidato ultraliberal Javier Milei aparecia à frente nas pesquisas (ele terminou em segundo lugar, e vai disputar o segundo turno no dia 19 de novembro com o peronista Sergio Massa), de la Serna diz que, se algo pode ser tirado do filme, é que o país não pode voltar atrás nas conquistas alcançadas até aqui.

"Enquanto nos ativermos ao jogo democrático, está tudo bem", afirma. "Acho que tem uma coisa que todos os argentinos e argentinas concordam sobre o que temos vividos nos últimos anos, que é o fato de termos conquistado o estado democrático de direito de uma vez e para sempre."

"Não queremos mais o estado da violência, temos isso muito claro como sociedade", afirma. "O jogo democrático é assim, são as regras do jogo e ganhe quem ganhe, teremos que aceitar —para o bem e para o mal."

"O SEQUESTRO"

  • Quando Nesta sexta (27), às 17h20, no Reserva Cultural e na segunda-feira (30), no Espaço Itaú de Cinema - Augusta
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Rodrigo de la Serna, Julieta Zylberberg, Andrea Garrote, Jorge Marrale e Germán Palacios, entre outros.
  • Direção Daniela Goggi
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