Helen Mirren e Lucy Liu contam como foi interpretar deusas malévolas em novo 'Shazam'
Continuação do filme de 2019 superdimensiona antagonistas, optando por divindades imortais
Se existe uma coisa em comum entre os super-heróis, ela se relaciona menos às suas capas ou capacidades extraordinárias e mais aos seus inimigos memoráveis. Como revela o seu subtítulo estraga-prazeres, o novo filme "Shazam! Fúria dos Deuses" (uma continuação de "Shazam!", de 2019), decidiu superdimensionar os antagonistas, optando logo por divindades imortais (sim, no plural).
E é por isso que Billy Batson (Zachary Levi), mais conhecido como o super-herói Shazam, e os seus amigos se apanham lutando contra as filhas de Atlas, que desembestam a fazer o tipo de coisa que seres mitológicos loucos pelo poder costumam fazer: desencadear monstros gigantescos, demolir cidades inteiras e estender o dedo ameaçadoramente rumo a algum lugar distante.
"Uma coisa boa em o filme tratar de magia e deuses é que eles não precisavam ter idades semelhantes ou nada disso", disse o diretor David Sandberg em uma entrevista por telefone. "Podíamos simplesmente escolher as melhores pessoas que conseguíssemos". E a escolha terminou por se fixar em Helen Mirren, como a irmã mais velha mandona, Hespera, e Lucy Liu como a férrea Kalypso (Rachel Zegler, de "West Side Story", interpreta a irmã mais nova, Anthea, cuja relação com os humanos é mais ambígua).
Sandberg rapidamente percebeu que Mirren, 77, não tinha vindo para brincar —ou talvez tivesse vindo exatamente para isso. "Tivemos de dissuadi-la de fazer certas cenas de ação, que ela queria filmar", ele disse.
Em entrevista por vídeo, Liu, 54, e Mirren demonstraram muito entrosamento, juntamente com algumas diferenças de temperamento e abordagem. Falando por telefone, de Los Angeles, Mirren brincou descontraidamente e fingiu ser uma quase amadora nessa história toda de atuação, enquanto Liu, que estava em Nova York, colocou em pauta os prós e contras de retratar um antagonista. Abaixo, trechos editados da conversa.
Hespera e Kalypso são apresentadas como deuses e não como deusas. Essa é uma distinção importante?
Liu: Nós conversamos sobre isso, podem acreditar. O título é "Fúria dos Deuses", e eu fiquei pensando se não deveria ser "deusas". Mas chegamos à conclusão de que já estávamos naquele reino e, desde que não fosse humano, tudo bem.
Mirren: Olha, adoro ser atriz. É uma coisa muito Belle Époque, muito século 19. Mas, certamente, se eu fosse um deus, pensaria em mim como deusa, preciso dizer.
Liu: Nas entrevistas de divulgação, nós em geral dizemos que somos deusas. [Ambas riem.] Esta vai ser a única vez que poderei dizer isso.
O que as levou a aceitar seu primeiro filme de super-heróis?
Mirren: Estamos acima dos super-heróis. [Risos] Não assisto a muitos filmes de super-heróis, para ser bem honesta, mas tinha visto o primeiro "Shazam" e fiquei completamente encantada. Assim, quando "Shazam 2" apareceu, pensei que, se fosse o caso de fazer um filme do tipo super-herói, eu gostaria de estar envolvida nesse, por causa do humor.
Liu: Ter essa experiência de trabalho com os colegas de elenco —fora de trabalhar na tela azul e sem saber exatamente o que está acontecendo— foi realmente especial. Penso menos nos personagens e mais na relação que foi construída a partir daquela época. Estávamos todos tentando aprender o que iríamos fazer no filme, e todos em isolamento. Felizmente, estávamos na mesma cápsula de Covid, todos juntos.
Vocês ficaram surpresas ao ver que seus trajes tinham tanto de gladiador?
Mirren: Agora tenho muita simpatia e respeito por qualquer homem que interprete um gladiador, porque eles carregam uma carga dos infernos nos ombros. As roupas são mais pesadas do que parecem. E tínhamos que nos equilibrar sobre enormes sapatos plataforma - gladiadores nunca precisaram lutar usando sapatos enormes, de saltos altíssimos.
Liu: E a capa! Perguntamos muitas vezes se podíamos deixar a capa de lado, porque ela era muito pesada. Ela fazia com que tudo pesasse sobre nossos ombros, e comprimia a armadura contra os nossos pescoços. Mandei que eles cortassem a minha, a deixassem mais curta. E a de Helen era mais longa e mais pesada do que a minha.
Mirren: Comigo, só a aparência importa. Se eu ficar bonita, aceito sofrer por isso. E também cobria meu traseiro.
Interpretar um deus é diferente de interpretar um antagonista normal?
Mirren: É uma psicologia diferente, porque você não tem de lidar com a psicologia humana normal, e isso é ótimo. Não tivemos de considerar "por que é que esse vilão está fazendo isso? Foi abandonado pela mãe quando era criança"? Minha substituta fez uma cena em que caminhamos por um mercado e eu expliquei a ela de que jeito andar como uma deusa. "Você precisa caminhar como se estivesse andando dentro de um recipiente cheio de mel, creme ou manteiga, ou o que quer que seja. Você tem de ser a dona absoluta daquele espaço".
Liu: Acho existe um prazer em ter uma missão, e ter aquela intenção nos ajuda a encontrar uma linha reta para seguir, independentemente do que estiver acontecendo ao nosso redor. Trabalhamos com a questão da rivalidade de irmãos, o nível de experiência que cada uma de nós tinha. No início, acho que todos pensavam que Kalypso seria muito forte e poderosa, mas depois Hespera agarra sua cabeça e a puxa para trás. Essa é a dinâmica e essas são as nuances em que nos empenhamos porque, como disse Helen, somos donas de quem somos – isso nos foi dado, nascemos assim, e por isso a luta está nas divergências entre nós e em nossas opiniões, essencialmente.
Durante muito tempo, as vilãs femininas utilizaram a sexualidade como arma, o que não é o caso aqui. Vocês sentem que isto reflete a maneira pela qual concebemos o poder das mulheres na tela, agora?
Liu: Sim, não há uma "femme fatale". Penso que no passado eles não teriam feito "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre" com uma protagonista mulher —provavelmente teriam substituído Chadwick Boseman ou escolhido outro homem como protagonista. Penso que ainda há um longo caminho a percorrer. E acho que às vezes há um certo estereótipo ou estigma sob o qual, caso uma mulher interprete aquilo que o público percebe como antagonista, ela será enquadrada automaticamente em um grupo ou algum tipo de prescrição daquilo que costumava ser o caso no passado, em contraposição a criar algo novo e dinâmico.
Mirren: Você fez "As Panteras" e, para alguém da minha geração, foi uma enorme mudança: ação feminina intensa, força total. Mas controlada por um homem, e assim, apesar de o filme ter sido um enorme passo à frente, ainda havia aquela âncora que o segurava, de alguma forma. Agora aquela âncora se foi, graças a Deus. Avançaremos de uma forma diferente, espero.
Liu: Acreditem: aquele filme foi feito há 23 anos. Quando a série saiu pela primeira vez na televisão, a divisão era "aquela é a menina sexy, e aquela a inteligente". Era preciso rotular para tornar a coisa vendável. Que tipo de garota agrada mais a cada pessoa da audiência? Agora é muito diferente. Estamos avançando na direção certa.
Quem são alguns dos seus vilões de cinema favoritos?
Liu: Um que por acaso está em um filme de super-heróis é o Coringa, alguém que sofre de uma doença mental, ou é diferente, e termina sendo vítima de ostracismo antes de assumir uma posição de poder. O cinema nem sempre os retrata como pessoas que simplesmente nascem más - isso não é tão interessante quanto alguém que se tornou alguma coisa a fim de sobreviver. Essa luta ou fuga é o caminho do vilão para percorrer o mundo. Infelizmente, isso muitas vezes acontece por meio de destruição, ou causando dor aos outros.
Mirren: Eu diria que Ian McKellen, interpretando Richard 3º, é um dos maiores supervilões de todos os tempos. "Agora o inverno de nosso pesar / Se torna verão glorioso pelo sol de York". Ele declara suas más intenções já naquele primeiro monólogo: "Odeio vocês todos, e vou [ela usa um palavrão] todo mundo. Podem esperar".
Parece que fazer Shakespeare seria uma ótima preparação para a retórica grandiosa de um supervilão. Boa parte desse estilo remonta a um passado bem distante.
Mirren: Eu estava pensando outro dia que aqueles grandes poemas verbais do passado, que as pessoas aprendiam de cor, são histórias de super-heróis. São sobre tipos que têm uma força sobre-humana e são capazes de chegar e matar um exército inteiro. Há grandes descrições da forma como as suas espadas retalham todo adversário. São totalmente histórias de super-heróis. Eu estava refletindo sobre os motivos do eterno sucesso dos filmes de super-heróis, e pensei que "bem, claro, por milhares de anos foram essas as histórias que os seres humanos contavam para entreter, empolgar e assustar uns aos outros".
Será que Hespera e Kalypso vão ter bonecos de ação?
Liu: Há bonecos Funko Pops com os nossos trajes exatos.
Mirren: Existe isso? Ótimo, quero um.
Liu: Rachel enviou uma fotografia dos três que são os nossos personagens, e disse "é como se estivéssemos juntas", e eu respondi que "sim, durante a Covid, porque estamos todas em caixas". Alguém me pediu para autografar uma boneca e, por isso, sei que é verdade. O projeto agora é uma franquia.
Lucy, seu filho já viu o filme?
Liu: Ele tem 7 anos, e eu lhe disse que "acho que há muita coisa assustadora no filme". Ele respondeu que esperaria até os 10 anos. Ele é obcecado por Helen e, quando tinha cinco anos, disse que ia se casar com ela. Ela é mágica para todas as idades.
Tradução de Paulo Migliacci
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