Como canção de 'Encanto' virou queridinha no TikTok e sucesso nas paradas
'We Dont Talk About Bruno' virou mais sucesso da Disney desde 'Let It Go'
'We Dont Talk About Bruno' virou mais sucesso da Disney desde 'Let It Go'
"Mais de dois metros de altura! Ratos galgando suas costas!", o adolescente cacheado, envolto em uma capa, dubla diante da câmera. "Eu o associo ao som de areia escorrendo", afirma uma mãe ocupada, dançando na cozinha com o aspirador de pó durante uma pausa em seu trabalho doméstico.
"Desculpe, mi vida, vá em frente", estronda uma dupla de irmãs, cantando perigosamente fora do tom. "Encanto" deixou claro que é melhor não falar sobre Bruno, mas um monte de gente parece obcecada por uma canção sobre ele.
Desde que o filme de animação da Disney estreou nos cinemas, em novembro, e chegou ao serviço de streaming Disney+ na véspera do Natal, a divertida canção "We Don’t Talk About Bruno" vem se transformando aos poucos em um hit internacional. Diferentemente da maioria dos números musicais da Disney, "We Don’t Talk About Bruno" não é uma canção solo melancólica cantada pelo herói ou uma balada romântica forte cantada no final da história. É um número para ser cantado pelo elenco todo, ao estilo da Broadway, e seu tema é fofocar sobre um sujeito de meia-idade.
E ainda assim, a canção recentemente chegou ao primeiro posto na lista de mais executadas do Spotify, Apple Music e iTunes, nos Estados Unidos, ao primeiro lugar na lista internacional de vídeos musicais mais assistidos do YouTube, e no momento ocupa a quinta posição na parada Billboard Hot 100 –a primeira canção de um filme de animação da Disney a ocupar posição tão alta desde "Let It Go", de "Frozen" (2014), um hit com força de hino.
Outras das faixas da rilha de "Encanto", como "Surface Pressure" e "The Family Madrigal", também estão em alta. E na semana passada a trilha sonora do filme ultrapassou "30", de Adele, e chegou ao topo da parada Billboard 200.
"We Don’t Talk About Bruno" vem sendo beneficiada por sua popularidade no TikTok, onde vídeos de tributo à canção gravados por pessoas como o adolescente vestindo capa, as irmãs gritalhonas e a mãe dançarina acumularam milhões de "views".
"Eu assistiria aos vídeos do TikTok o dia inteiro se pudesse", disse Jared Bush, um dos diretores de "Encanto", em uma entrevista. "Todo mundo parece encontrar uma maneira diferente de abordar a música, seja um momento específico, seja pela dinâmica de um personagem. Há alguma coisa nela para cada um, e, honestamente, é simplesmente deliciosa".
No filme –a história de uma adolescente colombiana chamada Maribel Madrigal (Stephanie Beatriz) e sua família dotada de dons sobrenaturais—, Bruno (John Leguizamo) é um tio misterioso que foi banido e cuja capacidade de ver o futuro lhe vale o desdém abjeto de todos aqueles a quem ele revela más notícias. A família e os moradores da cidadezinha trocam histórias absurdas, e muitas vezes amargas, sobre as profecias dele, na canção.
Germaine Franco criou a trilha sonora de "Encanto", e "We Don’t Talk About Bruno" e as demais canções foram compostas por Lin-Manuel Miranda, que já tinha trabalhado com a Disney em 2016 na trilha sonora do filme "Moana – Um Mar de Aventuras". Os realizadores de "Encanto" dizem que ele produziu a contagiante melodia de "Bruno" virtualmente na hora.
No segundo trimestre de 2020, Bush e seu colega diretor, Byron Howard; a codiretora Charise Castro-Smith; e Tom MacDougall, então chefe da divisão de música no Disney Animation Studios, estavam fazendo um de seus chats semanais por vídeo com Miranda a fim de desenvolver uma canção a ser cantada pelo elenco todo sobre Bruno, que deveria servir como uma injeção de energia mais ou menos na metade da história.
"Percebemos que Lin estava pensando, e ele olhou para nós e disse que a história parecia um conto de assombração, uma história de fantasmas, uma espécie de ‘montuno’ mal-assombrado", disse Howard, se referindo a um padrão musical cubano. "E ele se virou para o piano e tocou os três primeiros acordes. Nós literalmente assistimos enquanto ele montava e compunha a canção, naquele instante. Eu nunca tinha visto algo assim acontecer". (Miranda não estava disponível para a entrevista.)
O personagem Bruno havia sido desenvolvido durante o processo de criação do filme. Em uma das versões iniciais, ele era muito mais jovem, um rapaz da idade de Mirabel. Seu nome original era Oscar, mas Bush disse que dificuldades legais causadas pela existência de diversas pessoas chamadas Oscar Madrigal na Colômbia os levou a estudar outras opções para o nome. Ele enviou uma lista de cinco alternativas a Miranda, e a resposta do compositor foi "com certeza, Bruno".
"Não entendi exatamente porque ele parecia tão firme em sua escolha", disse Bush, "até dois dias depois, quando ouvimos o refrão Bruno, no, no no".
Miranda em seguida gravou uma demo na qual cantava as 10 partes vocais. "Era como ouvir Lin-Manuel sob o efeito de anabolizantes", disse Adassa, cantora e compositora que faz a voz de Dolores, a prima da família Madrigal dotada de uma audição excepcional. (A demo não foi lançada, embora um imitador de Miranda tenha tentado reproduzir na internet que forma exatamente a gravação teria.)
Com base apenas em desenhos preliminares e na gravação de Miranda, o coreógrafo do filme, Jamal Sims, e sua equipe passaram duas semanas em um estúdio em Los Angeles criando a dança de "Bruno" para que os animadores a reproduzissem digitalmente. Incorporando elementos da cúmbia, o ritmo nacional colombiano que incorpora influências africanas, europeias e indígenas, e também de salsa e rumba, eles mapearam cada momento da canção e gravaram um vídeo de referência como se estivessem filmando um número musical ao vivo. Até mesmo os ratos de Bruno têm passos de dança complicados a reproduzir. (A equipe de animação posteriormente filmaria os dançarinos usando múltiplas câmeras e ângulos diferentes.)
"Tivemos de construir tudo isso com base em nossa imaginação", disse Kai Martinez, coreógrafa assistente. "O que ajudou a tornar essa peça única foi que tínhamos um grupo de dançarinos latinos vindos da Colômbia, de Cuba, de Porto Rico –pessoas que compreendiam a tarefa". (Vídeos mostrando a coreografia que eles dançaram, postados por Martinez no TikTok, foram assistidos mais de 23 milhões de vezes.)
Martinez, que faz parte da primeira geração nascida nos Estados Unidos de uma família de imigrantes colombianos, também serviu como consultora de animação e ofereceu aos realizadores algumas percepções cruciais sobre nuanças e maneirismos culturais. "Era mais que um trabalho", ela disse. "Porque sou uma mulher colombiana, esse era o tipo de filme a que eu desejaria ter assistido quando era criança".
Enquanto isso, por causa das precauções relacionadas à Covid, os atores de voz gravaram suas participações separadamente em estúdios espalhados pelos Estados Unidos e Colômbia. Rhenzy Feliz gravou a parte do primo Camillo, que se metamorfoseia constantemente, em um estúdio alugado perto de San Luis Obispo, na Califórnia, e disse ter canalizado uma energia de "garoto de teatro" para o estilo dramático de canto de seu personagem. Adassa gravou em seu estúdio caseiro em Nashville, Tennessee.
"No começo, meu rap seria uma oitava mais agudo", ela disse, sobre seu trecho da canção, que ela canta sussurrando. "Mas pensei comigo mesma que ela gosta de falar baixinho, e escolhi cantar uma oitava abaixo. E funcionou".
A despeito de sua imensa popularidade, "We Don’t Talk About Bruno" não será indicada ao Oscar de melhor canção. O estúdio submeteu apenas "Dos Oruguitas", uma balada emotiva em espanhol cantada por Sebastián Yatra, como pré-candidata. A canção, embora seja menos popular do que "We Don’t Talk About Bruno", entrou na seleta lista da academia para as indicações de melhor canção, no mês passado. Caso conquiste o prêmio, faria história como a primeira canção da Disney não cantada em inglês a levar um Oscar.
"‘Dos Oruguitas’ tinha um papel emocional central no filme", disse Howard, quando perguntado se eles tinham considerado submeter "We Don’t Talk About Bruno". Ele acrescentou que "provavelmente, ela era o componente de narrativa musical mais importante do filme todo, porque tinha a ver com a história da família e com Maribel enfim compreender a sua avó".
Na verdade, apostar em "We Don’t Talk About Bruno" seria uma mudança de estratégia ousada. É preciso recuar a "Under the Sea", de "A Pequena Sereia" (1989) para encontrar uma canção ganhadora de Oscar da Disney com um lado tão teatral e excêntrico. Desde então, os momentos em que o estúdio conquistou a academia quase sempre envolveram baladas, entre as quais "A Whole New World" ("Aladdin"), "Can You Feel the Love Tonight" ("O Rei Leão"), "Colors of the Wind" ("Pocahontas – o Encontro de Dois Mundos"), "Let It Go" ("Frozen") e "Remember Me" (Viva – A Vida é Uma Festa", da Pixar), acompanhadas por algumas composições de Randy Newman.
Além disso, apresentar candidaturas múltiplas acarretaria o risco de gerar uma divisão de votos, e só falta um Oscar a Miranda para completar o raro quarteto EGOT (ou seja, conquistar prêmios Emmy, Grammy, Oscar e Tony) em sua carreira. A indicação não seria a primeira, para ele. "How Far I’ll Go", que ele compôs para "Moana – Um Mar de Aventuras", perdeu para "City of Stars", de "La La Land – Cantando Estações". (Além de seu trabalho em "Encanto", ele também dirigiu "Tick, Tick... Boom!", e pode conquistar uma indicação por esse filme.)
Para além da temporada de premiações, os diretores de "Encanto" disseram estar abertos à possibilidade de uma continuação, de uma adaptação para o teatro ou para a televisão. "Eu adoraria que as histórias desses personagens continuassem, porque para nós são pessoas reais", disse Bush. "Noventa minutos não é tempo suficiente para passar com os Madrigal".
E a despeito das teorias de alguns fãs de que "We Don’t Talk About Bruno" –e "Silenzio, Bruno", uma reprimenda ouvida constantemente ao longo do filme "Luca", da Pixar– mostram que a Disney é inimiga dos Brunos, os realizadores insistem em que isso não é verdade. "No final de ‘Encanto’, todos descobrem que Bruno é um cara ótimo", disse Bush. "Por isso, a verdade é que nós ressuscitamos esse nome. Acho que Bruno deve se orgulhar disso".
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci
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