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Cena do filme "Don't Look Up" ("Não Olhe Para Cima") NIKO TAVERNISE/NETFLIX Netflix

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The New York Times

A quem você recorreria se um cometa estivesse em rota de colisão com a Terra e uma ação decisiva fosse necessária para impedir a extinção completa da vida no planeta? Se a primeira pessoa em que você pensou foi Meryl Streep, sua escolha é ao mesmo tempo excelente e péssima.

Em "Não Olhe para Cima", do diretor e roteirista Adam McKay ("A Grande Aposta" e "Vice"), dois cientistas, interpretados por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence, se veem diante de uma situação de fim do mundo como a descrita acima, e precisam recorrer ao governo dos Estados Unidos, encabeçado pela fictícia presidente Orlean, em busca de ajuda.

A boa notícia (para o filme, que chega aos cinemas em 10 de dezembro e à Netflix em 24 de dezembro) é que Orlean é interpretada por Streep, uma estrela reverenciada de cinema e TV; a má notícia (para a humanidade) é que Orlean é uma calhorda egocêntrica que se incomoda muitíssimo com sua imagem pública, mas quase nada com administrar bem o país.

Orlean é um dos diversos malfeitores presentes em "Não Olhe para Cima", sátira social que McKay escreveu tendo em mente o problema da mudança do clima, mas que ele sabe que será interpretada como comentário sobre a pandemia.

A presidente também é uma personagem cujas inúmeras falhas e deficiências Streep se deliciou em retratar, e ela agradece McKay por ter dado a ela e aos colegas de elenco toda a latitude para agir do modo mais horrível que pudessem.

Como explicou Streep em uma entrevista recente por telefone, "ele jamais perdeu o ânimo ou a confiança na visão que tinha com relação a essa ideia, que era a de criar a atmosfera mais livre possível para todos –a de liberar todo mundo para simplesmente enlouquecer e fazer o que quisesse. Mas com intenções mortalmente sérias".

Abaixo, Streep e McKay explicam os passos que eles deram para conduzir Orlean ao Gabinete Oval.

CRIAR UMA HISTÓRIA DE ORIGEM

Baseada naquilo que leu no roteiro de McKay, Street disse que já começou a imaginar de que maneira Orlean poderia ter conseguido chegar ao cargo. "Dá para imaginar que um grupo de canalhas terminou selecionado e ela provou ser menos pior do que muitos dos demais candidatos que poderiam ter sido colocados lá", disse Streep, acrescentando que imaginava Orlean como "uma pessoa cujo marido era velho e tinha muito dinheiro, o que a levou a se livrar dele; já que eles viviam na Califórnia, isso quis dizer que ela ficou com metade. Ela não tinha qualquer intenção real exceto conquistar o poder e mantê-lo. Quando enfim chegou lá, percebeu que o trabalho era muito fácil".

McKay disse que o nome da personagem surgiu como referência a Nova Orleans –"uma cidade divertida, mas que de alguma maneira está em risco"— e não no fato de que Streep interpretou a escritora Susan Orlean em "Adaptação" (A ideia de que ele tentou convencer Streep subliminarmente a aceitar o papel ao citar o nome de uma de suas antigas personagens "com certeza não procede", disse McKay).

BUSCAR INSPIRAÇÃO NA VIDA REAL

McKay disse que pensou em Orlean como uma espécie de "goulash" de presidentes americanos recentes. Isso quer dizer "os traços interesseiros e os trambiques do último presidente, a perigosa inexperiência de George W. Bush, o verniz escorregadio de Bill Clinton, a celebridade de Barack Obama e o aconchego de todos eles com os endinheirados", segundo o diretor. Outra inspiração foi a especialista em finanças Suze Orman, que McKay descreveu como "uma populista falastrona com escolhas fortes em termos de moda".

A essa receita, Streep disse ter acrescentado uma dose do reality show televisivo "Real Housewives", que as filhas delas assistem quando vão à sua casa. Ainda que Streep tenha conquistado um Oscar por interpretar Margaret Thatcher em "A Dama de Ferro", ela disse que aquele trabalho foi instrutivo apenas até certo ponto. Thatcher, disse a atriz, "exercitava uma forma de feminilidade que intimidava os homens e parte do poder dela era a maneira pela qual ela chegou àquele ponto –que era especificamente relacionada à escada que ela teve de subir para chegar até lá". Já Orlean, segundo ela, "é muito mais uma mulher de nossa era –montada por meio de algoritmos".

O LOOK DO PAPEL

Streep influenciou as escolhas de moda para o figurino de Orlean, que segundo ela comunicam algo de essencial sobre a personagem. "Qual é o problema se ela tem 70 anos e se veste como se tivesse 35?", disse a atriz. "Ninguém disse a ela que não há como ter 35 anos pelo resto da vida". Isso quer dizer roupas inspiradas pelos figurinos de âncoras televisivas que, segundo Streep, "tendem a escolher palhetas de cores vivas e alegres para usar –nada de estampas, bolinhas, xadrez ou, Deus me livre, padrões florais. Nada parecido com o que as demais pessoas usam. Só aqueles tailleurs executivos, as saias justas".

O cabelo também requeria tratamento especial. "Quando eu estava no segundo grau, prendíamos o cabelo com bobes e depois os tirávamos e escovávamos os cabelos 100 vezes", disse Streep. "O cabelo do filme é o resultado de tirar os bobes sem escovar –quanto mais longo melhor. E depois vem o laquê e as pontas se curvam, de um jeito estranho. E isso é um estilo. Nunca entendi porque é considerado um bom estilo. Por isso, decidi tentar –Deus sabe que nunca usaria um cabelo assim em minha vida real".

PREPARATIVOS PARA ENCARAR AS MULTIDÕES

Mas todo esse planejamento prévio pode não bastar para preparar alguém para as demandas reais da presidência, como Streep descobriu em seu primeiro dia de filmagem. Ela tinha passado diversas semanas em isolamento, como as regras para os atores de cinema dispunham durante aquele período da pandemia. E aí, no dia marcado para o início das filmagens, "coloquei meu casaco acolchoado, coloquei o cachorro no banco de trás do carro e dirigi no meio de uma tempestade de neve até Worcester, Massachusetts, e estacionei em um estádio".

Assim que chegou, disse Streep, "as pessoas tentaram me conduzir ao set diversas vezes, mas eu disse que não, já estava lá". Depois de passar pelo cabeleireiro, maquiador e de vestir o figurino, Streep subiu a um palanque, viu seu rosto no telão e ouviu o eco de sua voz, enquanto discursava para uma multidão de centenas de figurantes. "E naquele momento eu perdi o controle", ela disse. "Achei que era hora de me aposentar, claramente. Não havia como fazer o trabalho. Foi uma crise de confiança forte". Não é preciso dizer que Streep reencontrou sua confiança, mas, segundo ela, "demorou um bom tempo".

IMPROVISE SEMPRE QUE NECESSÁRIO

Como ele fez em filmes como "Quase Irmãos" e "O Âncora – A Lenda de Ron Burgundy", McKay reservou espaço para alguma improvisação em "Não Olhe para Cima", e Streep tem talento para reações e diálogos extemporâneos. "A personagem dela raramente se incomoda com as coisas horríveis que as pessoas dizem ou com o quanto ela mesma é horrível", disse McKay. "Ela sofre de uma falta de vergonha absoluta que quase poderia ser confundida com confiança".

Streep –que tinha acabado de filmar "Let Them All Talk", um filme de Steve Soderbergh com diálogo completamente improvisado— não costuma ser descrita como improvisadora. Mas ela gosta do processo e admira os colegas que conseguem improvisar livremente. "Atores nem sempre são vistos com respeito", ela disse. "As pessoas acham que eles são meio sonsos. Mas a maioria dos bons atores que conheço são muito, muito inteligentes –não sei que nota eles tinham em matemática, mas isso não importa. Conseguir tirar do nada aqueles momentos brilhantes é na verdade muito parecido com escrever. É uma coisa maravilhosa quando as pessoas são boas nisso".

NÃO SE CANDIDATE DE VERDADE

A despeito de sua passagem bem-sucedida pela política fictícia, Streep disse que não tinha qualquer interesse em buscar um cargo eletivo em sua vida real. Para começar, a experiência de fazer uma campanha provavelmente seria mais difícil do que ela é capaz de suportar. "O custo, desde a ascensão da mídia social, é tão alto que a pessoa basicamente teria de ser uma freira para se eleger", ela disse. "Qualquer pessoa de sua família que tenha tido algum problema, que tenha sido presa ou qualquer coisa, teria de ser sacrificada. Não consigo nem imaginar como seria ter de passar por isso".

Atuar, disse Streep, "é a única coisa que sou capaz de fazer. Posso imitar a maneira de agir de um político, mas não seria boa na política. Afinal, já interpretei uma violinista, mas não sei tocar violino".

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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