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Cena de "Big Mouth" Divulgação/ Netflix

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The New York Times

Muitas áreas mostram crescimento na televisão atual, mas poucas delas vêm registrando tanto movimento ou oferecendo tanta variedade quanto a de animação para adultos. O formato, que já responde por alguns dos programas mais divertidos do passado recente —"BoJack Horseman", "Bob’s Burgers", "Rick and Morty", "Archer", "Tuca & Bertie"– vem ganhando ainda mais ímpeto. Novas séries surgem a cada semana (e isso sem nem levar em conta a infusão trimestral de novos animês), talvez como resultado da evolução nas preferências dos espectadores e de mudanças nos sistemas de produção causadas pela pandemia.

As séries em certos casos tomam a forma de histórias de super-heróis e de ficção científica, como "Invincible", da Amazon Prime Video, "gen:LOCK", da HBO Max, ou "Blade Runner: Black Lotus", do Adult Swim, que estreia dia 13 nos EUA. Muitas outras optam pelo território conhecido das comédias familiares excêntricas, como "The Great North", da Fox, ou "The Harper House", na Paramount+.

Algumas das novas produções aproveitam a liberdade que as animações oferecem para a transgressão, como "Teenage Euthanasia", do Adult Swim, "A Tia é Top", da Netflix, ou "The Freak Brothers", do serviço de streaming Tubi, que chega dia 14 também nos EUA. Já algumas outras ideias, é possível suspeitar, seriam difíceis de arriscar em formato "live action", como "Fairfax", sátira da Amazon a influenciadores adolescentes e à cultura "hypebeast", ou "Força-Queer", a irreverente comédia da Netflix sobre um grupo de espiões LGBTQ.

Encabeçadas pelo retorno de "Big Mouth", da Netflix, eis três excelentes séries adultas de animação que adotam abordagens muito diferentes para chegar a um mesmo objetivo. Quer estejamos falando de um ar de sacanagem teatral, degradação minimalista ou fantasia surreal, cada uma delas tem algo a dizer sobre as vidas reais das pessoas jovens.

"BIG MOUTH"

O programa mais infatigável e divertidamente sacana da telinha voltou para uma quinta temporada na sexta-feira (5), na Netflix. Como nova-iorquinos neuróticos em um musical de Stephen Sondheim, os personagens adolescentes da série são infinitamente loquazes com relação às suas obsessões: masturbação, as dimensões dos órgãos envolvidos na masturbação, as coisas de que eles gostam e desgostam nos colegas de escola em que pensam quando estão se masturbando.

A série continua a usar o pânico sexual e romântico de seus personagens, alunos perpétuos do ensino médio, como enquadramento para comentários que são sérios, mas por sorte nem um pouco pedantes. Os primeiros episódios da temporada cinco tratam de temas como a imagem de corpo e a universalidade desavergonhada de ser um adolescente pervertido. E os diálogos sarcásticos são tão rápidos e agudos quanto os de muitas séries mais conhecidas por seu humor tópico. (Missy, a ativista incipiente interpretada por Ayo Edebiri, lidera uma campanha contra o problemático mascote da escola, o Cigano Manipulador.)

Nick Kroll, um dos criadores da série, e John Mulaney dão vida muito convincente aos personagens centrais, o nerd neurótico Nick e o nerd desbocado Andrew. Mas o que distingue "Big Mouth" é sua coleção de monstros hormonais desgrenhados, bactérias do amor esguias e outras criaturas enviadas de uma dimensão alternativa a fim de ajudar a orientar os adolescentes humanos em seus anos de vida mais difíceis, temperando seus conselhos sempre questionáveis com insultos e tiradas maliciosas. É como se a adolescência tivesse uma trilha sonora fornecida por um número de cabaré especialmente cafona, uma ideia que toma forma literal no Mago da Vergonha, mestre em causar vergonha aos outros porque ele mesmo não consegue senti-la. David Thewlis envolve o personagem em camadas e mais camadas de untuosidade viscosa.

"SONNY BOY"

Se o assunto são alegorias sobre chegar à maturidade, essa série de animê recentemente concluída, disponível no serviço Funimation, atinge o alvo com precisão. Uma escola inteira subitamente desaparece de nosso mundo e se vê suspensa em um vácuo negro; os 36 alunos de ensino médio aprisionados lá dentro precisam superar suas ansiedades e ciúmes e trabalhar juntos a fim de encontrar o caminho de volta, um processo comumente conhecido como "crescer". Os viajantes também adquirem novos e estranhos poderes, como os adolescentes tendem a fazer. O garoto mais bacana da escola é capaz de voar. Uma outsider sempre irritada pode encomendar o que quer que ela deseje de uma versão mágica da Amazon, e precisa manter a comunidade abastecida de bens materiais.

Os desafios que eles enfrentam também são fáceis de interpretar como uma crítica à sociedade japonesa: os garotos que formam o conselho escolar instituem regras que forçam todo mundo a trabalhar constantemente; alunos que parecem ter ficado congelados em meio a um movimento na verdade desaparecem para salas protegidas por cortinas, ao estilo "Twin Peaks", onde podem jogar videogames ou fazer exercícios com pesos sem a presença de qualquer outra pessoa. (Uma menina é criticada por definir esses garotos como "hikikomori", uma expressão japonesa para designar as pessoas extremamente reclusas.) Os espectadores ocidentais não encontrarão muita dificuldade para acompanhar a série, ainda que a história seja contada da maneira elíptica e fragmentária típica dos animês de ficção científica.

Um apetite saudável por romantismo adolescente pode ajudar a acompanhar a trama de "Sonny Boy" até o fim, apesar dos roteiros que são bem medianos, mas o verdadeiro motivo para assistir aos 12 episódios da temporada são as animações notáveis comandadas pelo diretor Shingo Natsume –minimalistas mas evocativas em termos de design dos personagens, e luxuosamente detalhadas e inventivas na sucessão psicodélica de mundos pelos quais passam os viajantes. O estúdio de animação Madhouse tem uma longa e orgulhosa tradição nos animês de longa-metragem, e o trabalho de Natsume e seus artistas (entre os quais o veterano dos mangás Hisahi Eguchi) traz à memória alguns dos marcos das produções Madhouse: O frenesi elegante de "Paprika", de Satoshi Kon, a melancolia langorosa de "A Garota que Conquistou o Tempo", de Mamoru Hosoda.

"TEN-YEAR-OLD-TOM"

Em 2008, a HBO estreou "The Life and Times of Tim", uma série de animação tosca (os personagens pareciam apenas rabiscados) e sutilmente maliciosa sobre a vida de escritório, e o programa conquistou uma audiência pequena mas dedicada. Apesar do prestígio que a série adquiriu, a HBO chegou à conclusão de que o número escasso de telespectadores era motivo suficiente para cancelá-la depois de duas temporadas, mas depois voltou atrás, apenas para cancelá-la de vez no final da temporada três.

No entanto, isso aconteceu antes da HBO Max, que agora oferece a primeira temporada de "Ten-Year-Old Tom", a sequência do diretor e roteirista Steve Dildarian para "The Life and Times of Tim". Se você era um dos poucos, mas leais fãs da série original, ficará feliz por saber que a nova produção é basicamente a mesma série. A animação e o diálogo são tão crus quanto os originais, e o herói, um menino de 10 anos, é como um mini-Tim, oprimido e sujeitado a embaraços constantes, que parecem deixá-lo mais intrigado do que furioso. Ser ligeiramente mais são do que todas as pessoas que o cercam não é defesa contra os elaborados cenários de humilhação que Dildarian constrói.

O criador da série dá voz ao personagem, em um tom monocórdio e tímido que de vez em quando desliza para o alarme sufocado. Tom é uma espécie de Charlie Brown mais realista, que fala como adulto mas cuja ignorância sobre assuntos como camisinhas ou maneiras de acender a lareira sem incendiar a casa o colocam em encrencas. O compasso moral do protagonista é mais amplo do que o dos adultos que o cercam, mas não é difícil desviá-lo da retidão. O elenco de maus exemplos que o inspiram inclui David Duchovny como um motorista muito dúbio de caminhão de sorvete, Jennifer Coolidge (que também era parte do elenco de "The Life and Times of Tim"), como a mãe de um dos amigos de Tom, e um divertidíssimo John Malkovich como Mr. B., o tirano encarregado da banda, do anuário, da equipe de concursos de ortografia e sabe-se lá do que mais na escola de Tom.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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